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É possível viver longe das telas e das redes sociais?
Reportagem Especial

É possível viver longe das telas e das redes sociais?

O uso da internet e das redes sociais vem crescendo ano após ano no Brasil, bem como a média do brasileiro frente às telas. Mas seria possível viver longe dessas tecnologias hoje em dia?

É possível viver longe das telas e das redes sociais?

O uso da internet e das redes sociais vem crescendo ano após ano no Brasil, bem como a média do brasileiro frente às telas. Mas seria possível viver longe dessas tecnologias hoje em dia?
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Imagine alguém que não usa redes sociais. Tente não visualizar apenas alguém que nasceu e viveu do século passado para trás, quando a popularização tecnológica como é conhecida atualmente ainda não existia. Isso mesmo, busque imaginar alguém nos dias de hoje, vivendo em uma grande cidade e que simplesmente optou por deixar de participar do ambiente virtual. Pode até parecer impensável, mas este é um movimento que existe e que tem seus adeptos.

Quando pensamos em qualquer reflexão sobre essas tecnologias, no entanto, o que não faltam são pesquisas que mostram as crescentes das próprias redes sociais e as disputas entre elas para chamar a atenção de potenciais usuários. Especificamente no Brasil, as plataformas se alternam, de tempos em tempos, no gosto da população online, já que vez ou outra surge uma “nova febre” na web para a qual grande parte dos participantes sempre busca aderir.

Assim foi com o Orkut, Facebook, Tumblr, WhatsApp, Instagram, TikTok, e por aí vai...

A lista de redes é extensa, bem como sua variedade, o que não significa o agrado de todos que nelas estão inseridos ou que sua lógica seja fruto de satisfação. Tanto é que ainda em 2019 – antes mesmo da pandemia de Covid-19 chegar por estas terras – a internet não era usada em 17,3% dos domicílios do Brasil "Os dados são do levantamento “Uso de Internet, televisão e celular no Brasil”, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua)." . À época, além da falta de conhecimento sobre como usar (25,7%) e o valor elevado do serviço (26,2%), esta era uma opção, isto é, uma escolha feita por 32,9% dessa população que não demonstrava qualquer interesse em se mostrar presente no universo online.

Caroline Rocha, de 24 anos, é editora de texto(Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal Caroline Rocha, de 24 anos, é editora de texto

Entre essas pessoas estavam a editora de texto Caroline Rocha, de 24 anos. Ela conta que não usava Instagram e Facebook por causa de razões pessoais que entravam em conflito com aquilo que aparecia no seu feed. A jovem conta que sofre com transtorno de ansiedade e depressão, e ao usar essas redes sociais acabava fazendo um exercício quase que instantâneo e involuntário: comparar-se com as outras pessoas.

“Todo mundo estava feliz o tempo todo, vivendo a vida, interagindo, conhecendo novos lugares e, principalmente, criando relações com as pessoas. Eu me comparava de uma forma inevitável, quase automática, e o resultado era sempre negativo pra mim. Eu me perguntava por que era tão difícil pra mim fazer aquilo que parecia tão fácil para os outros, ou por que eles conseguiam e eu não. Entendendo que eu me comparava de uma forma tão automática, escolhi deletar”, relembra.

Esse período sem as redes foi de “libertação”, continua ela, pois durante três anos ficou sem os costumeiros comparativos que fazia com os demais usuários. Além disso, ficar offline passou a se tornar produtivo para Carol, que “ganhou” mais tempo para dedicar-se a outras atividades de sua escolha. Por outro lado, a sensação de que havia perdido a interação social começou a se intensificar.

“Principalmente com meus amigos. Eu não sabia o que estava acontecendo na vida deles porque eu não estava nas redes sociais”, conta, completando que ainda assim, caso pudesse, optaria pelo não uso das redes.

 

 

Aumento das conexões no Brasil (e saídas das redes) na pandemia

Com a chegada do novo coronavírus no Brasil e todos os seus males a reboque, ficar fora das redes passou a ser quase impossível, uma vez que o afastamento e o isolamento social se tornaram necessários para a saúde individual e coletiva.

Agora trancafiadas nas próprias casas, as pessoas precisavam fazer uso das tecnologias para quase tudo: conversar com alguém, fazer compras, assistir aulas e reuniões, realizar consultas médicas, e tudo mais que se pode imaginar e que antes o contato pessoal era praticamente indispensável.

O resultado foi praticamente imediato, conforme indica a pesquisa sobre o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nos Domicílios brasileiros (TIC Domicílios) 2021 "A pesquisa TIC Domicílios 2020 (Edição Covid-19 - Metodologia Adaptada) foi promovida pelo Comitê Gestor da Internet do Brasil (CGI.br) e lançada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br)." , divulgada em 21 de junho deste ano. O levantamento revela que o Brasil passou a somar 148 milhões de pessoas a partir dos 10 anos que utilizam a internet, com crescimento especial nos índices de domicílios com acesso à rede (82%) e o número de usuários de modo geral (81%) – esses indicadores cresceram 12% e 7%, respectivamente, entre 2019 e 2021.

Panorama completo a respeito do uso da internet no País foi traçado e pode ser conferido abaixo.

 

Domicílios com acesso à internet no Brasil e o tipo de conexão

 

Na contramão desse aumento das conexões em todas as faixas e de diferentes modos, existiram aqueles que optaram por deixar o universo digital. A enxurrada de notícias desanimadoras que acompanhavam o agravamento da pandemia de Covid-19 fez com que várias pessoas trocassem o status para offline, como o caso do jornalista João Duarte, de 26 anos.

João Duarte, de 26 anos, é jornalista(Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal João Duarte, de 26 anos, é jornalista

“O desejo de fazer um ‘detox’ já existia, e aí a pandemia, o lockdown, os primeiros casos e aquele susto todo me impulsionaram a sair. Aproveitei que a gente iria dar um tempo em tudo”, lembra ele que diz ter ficado cerca de seis meses alheio às redes sociais. “Foi um ganho para mim. Eu sinto que de vez em quando a gente merece ter (esse ganho). É uma pausa necessária”, avalia.

Mesmo hoje trabalhando com redes sociais, ele menciona que “não perdeu nada” no tempo que ficou off, pelo contrário, aproveitou para pensar e refletir sobre tudo aquilo que estava acontecendo ao seu redor. “O tempo que eu perderia usando redes sociais usei em favor de mim mesmo. Com certeza faria de novo e indicaria para qualquer pessoa”, confirma.


 

Redes sociais: uso quantitativo em oposição ao uso qualitativo

O tempo do brasileiro de frente para as telas segue a tendência de crescimento nos últimos anos. De acordo com relatório da plataforma AppAnnie, os usuários do Brasil passaram em média 5,4 horas por dia diante do celular, em 2021. Com o resultado, o País está empatado na primeira colocação mundial junto com a Indonésia. Confira a evolução brasileira:

 

Evolução das horas médias do brasileiro em frente às telas

 

Mas será que o aumento do uso das telas necessariamente pode ser considerado algo prejudicial para o ser humano? Existe algum meio termo? É possível identificar o uso exacerbado dessas tecnologias? O POVO conversou com a psicóloga Lisa Tavares para explicar essas e outras questões.

Segundo ela, em um primeiro momento é preciso refletir que a utilização das plataformas não se dá apenas como forma de lazer, mas também como ferramentas de trabalho. Além do mais, durante a fase mais aguda da pandemia, as pessoas precisaram recorrer às redes para não se sentirem sozinhas.

“Com todo mundo isolado, o resquício de contato humano que nós tínhamos era a partir das redes sociais. Então as redes sociais foram vistas não como vilãs, mas como auxiliares para a sociedade. Acredito que os casos de depressão seriam muito intensificados na pandemia, por exemplo, se não tivéssemos as redes”, continua ela que também é psicóloga na Procuradoria Especial da Mulher do Ceará.

Psicóloga na Procuradoria Especial da Mulher do Ceará, Lisa Tavares(Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal Psicóloga na Procuradoria Especial da Mulher do Ceará, Lisa Tavares

Questionada sobre os exageros no uso dessas tecnologias no dia a dia, Lisa afirma que mais do que a quantidade de horas que alguém passa à frente das telas, é necessário ponderar o que está sendo feito no ambiente online.

Para ela, saber se o uso é saudável ou não, não é determinar uma “quantidade ideal” de horas com o celular na mão, uma vez que tem pessoas que passam muito tempo nas redes mas mantêm uma relação saudável com elas; enquanto outras passam pouco tempo mas já apresentam atitudes que podem ser prejudiciais para si, como os comparativos com pessoas de fora da própria realidade física, estética e financeira.

Lisa também comenta que, quando alguém sentir que está se prejudicando de alguma forma por causa das redes sociais, o auxílio de um profissional psicoterápico deve ser buscado. “Não existe uma técnica geral, mas é preciso identificar quanto tempo essa pessoa fica e o que ela consome e produz neste período”, pontua.

 

 

Para ampliar os olhares sobre o uso das telas

 

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