Há exatos 20 anos, no dia 30 de junho de 2002, no International Stadium, em Yokohama, no Japão, a seleção brasileira conquistava pela quinta vez o topo do futebol ao derrotar a Alemanha por 2 a 0, com gols marcados por Ronaldo Fenômeno, tornando-se a primeira — e única até o momento — pentacampeã da Copa do Mundo. A “Família Scolari”, como ficou conhecida a equipe comandada por Felipão, chegou desacreditada no torneio, mas superou as desconfianças e fez história.
A campanha na competição foi impecável: sete vitórias em sete jogos, 18 gols marcados e apenas quatro sofridos, o melhor ataque e a segunda defesa menos vazada. No percurso, a Canarinho derrotou Turquia (duas vezes), China, Costa Rica, Bélgica, Inglaterra e Alemanha. O desempenho de 100% de aproveitamento obtido pelo Brasil é, até os dias atuais, algo inédito desde que o formato do certame passou a exigir sete partidas de um finalista, modificação que ocorreu na edição de 1974.
A trajetória da seleção que antecedeu o simbólico e histórico momento em que Cafu ergueu a taça, porém, foi difícil. Mudanças no comando técnico, fracassos na Copa das Confederações e na Copa América (ambas em 2001), além de Romário vetado e Ronaldo, que vinha de graves lesões no joelho, convocado, causaram insegurança na torcida brasileira.
Após a sofrida derrota por 3 a 0 para a França na final da Copa do Mundo de 1998, em partida disputada no dia 12 de julho, no Stade de France, Vanderlei Luxemburgo assumiu o cargo de treinador da seleção brasileira, antes ocupado por Zagallo, iniciando um novo ciclo visando ao torneio de 2002.
No período de um ano e alguns meses, o novo comandante realizou amistosos e foi campeão da Copa América de 1999, mas não conseguiu obter o mesmo êxito na Copa das Confederações do mesmo ano, na qual acabou sendo derrotado pelo México na grande final por 4 a 3.
O começo da caminhada do Brasil em busca da classificação para a Copa do Mundo de 2002 aconteceu no dia 28 de março de 2000, em Bogotá, contra a Colômbia, pelo primeiro jogo da Canarinho nas Eliminatórias. A partida terminou empatada sem gols. Nos dois confrontos seguintes, duas vitórias: 3 a 2 sobre o Equador no Morumbi, em São Paulo, e 1 a 0 diante do Peru, fora de casa.
De volta ao Brasil, a seleção frustrou os torcedores presentes no Maracanã ao empatar em 1 a 1 com o Uruguai. Na sequência, foi derrotado pelo Paraguai em Assunção, por 2 a 1, mas conseguiu a reabilitação contra a Argentina, principal rival do continente, em embate de ótima atuação coletiva da equipe. O confronto, realizado no Morumbi, foi vencido por 3 a 1 pelos brasileiros.
A euforia pela vitória contra os hermanos, entretanto, foi freada por um novo revés, desta vez para o Chile, por 3 a 0, em Santiago. O triunfo por 5 a 0 sobre a Bolívia no Maracanã diminuiu um pouco a pressão externa sofrida por Luxemburgo, mas a situação ruim do comandante no cargo acabou sendo potencializada pelo fracasso da seleção nos Jogos Olímpicos de Sydney, em 2000. O treinador, então, foi demitido e Emerson Leão assumiu o posto na beira do campo.
Romário, um dos principais nomes da seleção e utilizado por Luxemburgo no time titular, não esteve presente na estreia de Leão contra a Colômbia, no Morumbi, vencido pelo Canarinho por 1 a 0, em jogo marcado por protestos dos torcedores, que atiraram bandeiras do Brasil em direção ao campo.
O “Baixinho”, como era apelidado o camisa 11, voltou a ser convocado no duelo seguinte, contra o Equador, fora de casa. Em dia de pouca inspiração, o Brasil foi derrotado por 1 a 0. A má atuação coletiva também ficou evidente diante do Peru, em São Paulo, quando a Canarinho não conseguiu superar o adversário e empatou em 1 a 1. Cenário suficiente para que Leão virasse alvo de críticas.
O estopim para o técnico ocorreu após o fracasso na Copa das Confederações de 2001. A CBF, então, demitiu o ex-goleiro e trouxe Luiz Felipe Scolari, o Felipão. O início do novo comandante não foi fácil: derrota por 1 a 0 para o Uruguai, vitória diante do Paraguai por 2 a 1, em Porto Alegre, e revés para a Argentina, em Buenos Aires, por 2 a 1, de virada. Em paralelo, o treinador também barrou Romário entre os convocados.
Um novo fracasso, desta vez na Copa América, aumentou a pressão sobre Felipão, mas a CBF o manteve no cargo. Restando três rodadas para o fim das eliminatórias, o Brasil venceu o Chile por 2 a 1 em Curitiba e perdeu para a Bolívia por 3 a 1, resultados que deixaram a confirmação da classificação a Copa do Mundo para o último jogo, contra a Venezuela.
Diante dos venezuelanos, triunfo sem sustos por 3 a 0, com dois gols de Luizão e um de Rivaldo, garantindo a vaga para a Copa de 2002, a primeira a ser realizada no continente asiático, além de ter dois países sedes: Coreia do Sul e Japão.
Embora o enorme apelo popular para que Romário figurasse no elenco que disputaria a Copa, Felipão não o convocou. Até o presidente do país na época, Fernando Henrique Cardoso, se manifestou a favor do centroavante. Quando questionado por um repórter se o Baixinho deveria fazer parte da seleção, FHC disse “Ah, eu sou Romário”.
Irredutível em sua decisão, Felipão não só suportou as diversas críticas, como também optou por levar Ronaldo Fenômeno, mesmo diante do histórico recente do atleta de lesões sérias no joelho. A escolha do treinador, posteriormente, se comprovou eficaz dentro das quatro linhas.
Taticamente, Felipão organizou o time em um 3-5-2 com a seguinte base: Marcos; Lúcio, Edmílson e Roque Júnior; Cafu, Gilberto Silva, Juninho Paulista (Kléberson), Ronaldinho Gaúcho e Roberto Carlos; Ronaldo e Rivaldo.
Neste esquema, três jogadores eram de suma importância para a consistência da equipe: o líbero Edmílson, que conseguia alternar funções, assumindo tanto o posto de terceiro homem da zaga, como também de primeiro volante, variações que ocorriam a depender do cenário da partida, e os volantes Kléberson e Gilberto Silva, responsáveis por cobrir as constantes subidas ao ataque dos laterais Cafu e Roberto Carlos.
Em entrevista ao podcast "PodPah", Edmílson explicou que a escolha de Felipão por três zagueiros aconteceu para potencializar o volume ofensivo da equipe, que segundo o jogador, era o principal trunfo.
"Nós jogávamos com três zagueiros porque os nossos dois laterais eram atacantes praticamente. Tanto que o Felipão conseguiu achar o equilíbrio quando ele colocou o Kléberson, porque o Juninho Paulista era um jogador mais ofensivo e não fechava a cobertura do Cafu quando descia"
“Então jogavam Gilberto Silva pelo lado esquerdo, o Kléberson pelo lado direito e eu ficava como um líbero quando tinha dois atacantes. Quando tinha um atacante, eu tinha que entender que eu tinha que ir para o meio para fechar o setor. Rivaldo, Ronaldo, Ronaldinho, Roberto Carlos e Cafu: cinco atacantes”, concluiu.
A formatação encaixou perfeitamente. No ataque, o time foi letal: 18 gols em sete jogos. Com destaque para o trio “RRR”, formado por Ronaldo, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho, que juntos foram responsáveis por 15 destes tentos. O Fenômeno, com oito bolas na rede, finalizou a competição como artilheiro, além de superar o recorde de mais gols em uma única edição da Copa, antes do polonês Lato, obtido em 1974.
Defensivamente a equipe foi sólida. A trinca de zagueiros funcionou bem e os dois volantes responsáveis pela cobertura também desempenharam com eficácia os seus papéis táticos. Não à toa, a Canarinho sofreu somente quatro gols durante todo o certame.
“A vantagem maior de jogar com três zagueiros naquela Seleção era a segurança da defesa, cobertura mais sólida com a minha adaptação ao Edmilson e ao Roque Júnior. Isso deu confiança para a equipe”, contou o ex-zagueiro Lúcio em entrevista ao Correio.
Além da base construída no 3-5-2, Felipão usou adaptações durante o decorrer dos confrontos. Enquanto Juninho Paulista esteve entre os titulares, o treinador chegou a utilizar um 3-3-3-1, com a linha de três zagueiros, os dois laterais alinhados com Gilberto Silva, e Juninho Paulista, Rivaldo e Ronaldinho Gaúcho à frente, com o objetivo de abastecer Ronaldo com passes.
"Jogamos um futebol alegre e irreverente, de acordo com a tradição brasileira"
A partir das quartas de final, Felipão tirou Juninho Paulista e colocou Kléberson entre os onze iniciais, modificação que trouxe mais proteção ao gol defendido por Marcos, além de dar mais liberdade para os laterais. Na decisão contra a Alemanha, porém, o comandante ajustou o esquema e recuou Rivaldo para ajudar Ronaldinho Gaúcho na construção das jogadas, desenhando o time no 3-4-2-1.
“Jogamos um futebol alegre e irreverente, de acordo com a tradição brasileira, mas com a disciplina tática alemã. Um equilíbrio que só foi alcançado porque os jogadores compreenderam que, se um ajudasse o outro, se jogássemos como uma verdadeira família, ninguém poderia nos vencer. É uma lembrança que vou guardar para sempre”, relembrou Felipão em entrevista ao The Players Tribune.
Em 21 de agosto de 2002, a seleção brasileira fez sua primeira aparição dentro de campo depois do título da Copa do Mundo em um amistoso contra o Paraguai, realizado no Castelão, em Fortaleza. A chegada do elenco vencedor foi motivo para uma comoção geral na cidade desde o desembarque no Aeroporto Pinto Martins.
Os cearenses puderam conferir de perto a taça original da conquista, já que ela foi exibida em um shopping da cidade. No Castelão, cerca de 38 mil torcedores estiveram presentes para assistir a partida vencida pelos paraguaios por 1 a 0. O revés, entretanto, não estragou o clima de festa.
Após o apito final do juiz, Cafu repetiu o mesmo gesto em Yokohama, no Japão, e ergueu o troféu para simbolizar o título, agora em solo brasileiro. O jogo também marcou a despedida de Felipão da seleção, que assumiu no ano seguinte o time de Portugal.
"Sofremos 18 meses para sermos campeões do mundo. É legal rever o pessoal aqui. Fortaleza deu muita sorte pra gente", comentou Scolari na época em entrevista ao O POVO, fazendo referência à vitória por 1 a 0 contra a Iugoslávia, no dia 27 de março, no Castelão. Foi a última partida da seleção brasileira antes da viagem rumo ao Penta.