Logo O POVO+
Há 80 anos, fortalezenses fizeram quebra-quebra em protesto contra o nazifascismo
Reportagem Especial

Há 80 anos, fortalezenses fizeram quebra-quebra em protesto contra o nazifascismo

Houve depredação, lojas foram saqueadas e até incendiadas. Os distúrbios foram parte da pressão popular que se espalhou pelo Brasil e levaram à declaração de guerra à Alemanha e à Itália ao final daquela mesma semana

Há 80 anos, fortalezenses fizeram quebra-quebra em protesto contra o nazifascismo

Houve depredação, lojas foram saqueadas e até incendiadas. Os distúrbios foram parte da pressão popular que se espalhou pelo Brasil e levaram à declaração de guerra à Alemanha e à Itália ao final daquela mesma semana
Tipo Notícia Por

 

No dia 18 de agosto de 1942, ocorreu um dos episódios mais marcantes registrados em Fortaleza durante a Segunda Guerra Mundial. Há 80 anos, estudantes da Faculdade de Direito organizaram manifestação em protesto contra o torpedeamento de navios brasileiros pelas potências do Eixo (Alemanha, Itália e Japão). A passeata virou distúrbio. Comércios e casas que pertenciam a pessoas de nacionalidade alemã, italiana ou japonesa foram saqueados e depredados. O episódio ficou conhecido como o "Quebra-quebra".

No dia 22 de agosto de 1982, a página Pesquisa e Comunicação, do O POVO, de autoria do memorialista Nirez, o Miguel Ângelo de Azevedo, publicou série de fotografias do episódio, até então desconhecidas da maioria do público. Foram feitas pelo advogado e então fotógrafo amador Thomaz Pompeu Gomes de Matos "Apreciador e praticante da fotografia, Thomaz Pompeu Gomes de Matos, autor dos principais registros de imagens do quebra-quebra em Fortaleza durante a II Guerra Mundial, teve sua biografia publicada na Coleção Terra Bárbara, da Fundação Demócrito Rocha. Confira abaixo o livro do jornalista Jáder Santana" . As imagens mostram a dimensão do que ocorreu em Fortaleza naqueles dias.

Leia mais

Fac-símile do O POVO de 22 de agosto de 1982, com imagens até então inéditas para o grande público do Quebra-quebra(Foto: DATADOC OPOVO)
Foto: DATADOC OPOVO Fac-símile do O POVO de 22 de agosto de 1982, com imagens até então inéditas para o grande público do Quebra-quebra

Desde 1941, embarcações brasileiras eram alvos de ataques do Eixo. Porém, naquele mês de agosto de 1942, o submarino alemão U-507 torpedeou pelo menos cinco navios. Estima-se que ao menos 600 brasileiros morreram. No domingo, 16 de agosto, missa foi celebrada na Igreja do Patrocínio, na Praça José de Alencar, no Centro, em memória das vítimas. As imagens mostram que o recinto estava lotado, com muita gente próxima à porta, aglomerada do lado de fora.

Na segunda-feira, 17, estudantes promoveram passeata pelo Centro, com apoio de motoristas e adesão da população em geral. Era a escalada de tensão que levaria ao Quebra-quebra.

Havia desconfiança em relação a estrangeiros. Os imigrantes tinham forte presença desde então, particularmente envolvidos em atividades comerciais. 

No texto para O POVO há 40 anos,  Nirez descrevia o ambiente na cidade em 1942, com suspeita de que haveria traidores e até mesmo a imaginativa ideia de que estariam usando aparelhos de rádio — tecnologia de ponta na época — para municiar os nazistas de informações sobre navios brasileiros, de forma a transformá-los em alvos.

Em 18 de agosto, a hostilidade já estava posta. O Sindicato dos Lojistas de Fortaleza publicou nota nos jornais para anunciar que não havia, em seus quadros, ninguém que pertencesse ou simpatizante com os países do Eixo. E fazia apelo às demais entidades de classe no Ceará para excluírem os estrangeiros, ou brasileiros simpáticos aos países agressores.

”O povo já estava 'cheio' com os chamados 'quinta-colunas', pois dizia-se que determinadas pessoas de nossa sociedade tinham aparelhos de rádio em ondas-curtas para avisar aos submarinos alemães a saída e rota dos nossos navios. Também os simpatizantes do fascismo e do nazismo viviam a espalhar notas de ridicularização de todos os fatos sérios ocorridos em Fortaleza, como se fossem versionados pela rádio de Berlim, o que não era verdade. Eles próprios inventavam as versões e, por falta de coragem para contar a versão humorística dos fatos sérios, diziam ter ouvido na emissora central de Berlim”. Miguel Ângelo de Azevedo, o Nirez, no O POVO de 22 de agosto de 1982

Naquele dia, as manifestações de rua cresceram. Os "quinta-colunas", traidores, eram alvo. A população também protestava contra a neutralidade do governo. "Morra Hitler e seus asseclas" eram palavras de ordem. Num misto de apologia e cobrança, retratos do ditador Getúlio Vargas eram levados como que em procissão.

A exaltação cresceu. Não demorou, estabelecimentos e residências de italianos, alemães e japoneses foram invadidos. Os imigrantes provenientes da Itália eram, desde então, os mais numerosos. Estrangeiros de outras nacionalidades também acabaram virando alvo da agitação, pois as pessoas não sabiam distinguir os sobrenomes de diferentes origens.

abrir

Empresas que pertenciam a brasileiros acusados de serem simpatizantes do nazifascismo também foram atacadas.

Algumas pessoas quase foram linchadas. Em alguns locais chegou a ser ateado fogo. As fotos registram incêndio na loja "A Pernambucana", que ficava na rua Floriano Peixoto. Era de propriedade da família Lundgren, de origem sueca, e que tinha alemães como diretores.

Também foram alvos a Casa Veneza, loja de departamento que pertencia ao cônsul da Itália, Di Francesco; o Jardim Japonês, da família Fujita, que cultivava flores; a camisaria O Álvaro e o Consulado da Alemanha.

Nem só ideologia movia os manifestantes. Os estabelecimentos foram alvos de saque, dos quais muita gente se aproveitou. Houve prisões e a Polícia usou jatos de água, gás lacrimogêneo e chegou a fazer disparos para o alto na tentativa de dispersar o tumulto.

abrir


O POVO publicou nota sobre o quebra-quebra

Embora protestassem contra o totalitarismo do outro lado do Atlântico, o Brasil vivia uma ditadura. Havia censura e pouco se tratou do assunto nos jornais da época. No O POVO de 19 de agosto, foi publicada a a nota abaixo.

 


No mesmo dia, O POVO circulou com segunda edição, que trazia nota assinada pelo fundador do jornal, Demócrito Rocha:

 


A interventoria de Menezes Pimentel, que governava o Estado por nomeação do governo Vargas, lançou nota oficial na qual pedia ordem. Havia, inclusive, o temor de que o questionamento ao totalitarismo do Eixo levasse a questionamento da própria ditadura do Estado Novo no Brasil e a pedidos de democracia no País. Isso acabaria, de fato, ocorrendo.

O Quebra-quebra não foi episódio isolado. Era reflexo da revolta que tomava os meios urbanos brasileiros contra as hostilidades que partiam da Alemanha nazista. Sob pressão, ao final daquela mesma semana, o presidente Getúlio Vargas declarou guerra contra a Alemanha e a Itália, em 22 de agosto de 1942.

Porém, o envio efetivo das tropas da Força Expedicionária Brasileira (FEB) demorou ainda quase dois anos. Em julho de 1944 os 25 mil soldados brasileiros viajaram para os campos de batalha da Itália. 


 

 

Brasil Declara Guerra Em 22 de Agosto de 1942. Museu Aeroespacial. Disponível clicando aqui. Acesso em: 16 de agosto de 2022.

FARIAS, Airton de. História do Ceará. 7. ed rev. e ampl. — Fortaleza: Armazém da Cultura, 2015.

FREIRE, Carlos Renato Araújo. O Quebra-Quebra de 1942 em sua trama fotográfica. Associação Brasileira de Pesquisadores de História da Mídia (Alcar), 2008. Disponível clicando aqui. Acesso em: 16 de agosto de 2022.

 


O que você achou desse conteúdo?