Com o aumento da expectativa de vida nas últimas décadas, veio junto uma questão nova para a sociedade: a empregabilidade acima dos 40, 50, 60 e 70 anos. Associado a esse cenário, surge o etarismo, que é a discriminação e o preconceito contra pessoas com idade avançada, também conhecido como ageísmo ou idadismo.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostram que, no País, cerca de 13% da população tem mais de 60 anos. E a previsão é que, a partir de 2031, serão mais brasileiros idosos do que crianças e adolescentes. E, em 2042, essa população chegará à marca de 57 milhões de brasileiros.
A expectativa de vida do brasileiro também aumentou. Em 1940 era chegar apenas aos 45 anos. Em 2020, quando o IBGE divulgou o último levantamento, saltou para 76,8 anos.
Além das condições físicas e mentais terem evoluído positivamente nos últimos anos para as pessoas com mais idade, as mudanças na aposentadoria e no formato de trabalho fazem com que essa população se mantenha economicamente ativa para o seu próprio sustento ou da família.
A presidente do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH)-Brasil, Eliane Ramos, comenta que existem diversos estudos que mostram que a idade mais produtiva é entre 60 e 70 anos.
“É quando a pessoa está no topo do emocional e mental. Além disso, nota-se que os CEOs das 100 maiores empresas têm 63 anos. Do mesmo modo, observamos que a idade média dos vencedores do prêmio Nobel é entre 60 e 65 anos”, reforça.
Para a sociedade como um todo, na visão do especialista em Gestão de Pessoas e humanizador de empresas, Luiz França, o melhor é unificar as duas gerações com as suas pecularidades, uma mais voltada para a modernidade e o futuro e a outra com a sabedoria.
"Qual o grande desafio para todos nós? É unir essas duas gerações. Tanto os mais jovens quanto aqueles que já estão no mercado de trabalho há mais tempo para que possam ambos aprender um com o outro. Isso vai fazer com que a sociedade ganhe muito em termos de diversidade", analisa.
A influência da economia e da própria evolução tecnológica também está contribuindo com as alterações constantes nesse perfil e na dinâmica da força de trabalho.
“Toda essa evolução acaba afetando a estrutura etária e evidencia a dinâmica que envolve pessoas nas idades mais avançadas no mercado laboral”, pontua a consultora de RH e Desenvolvimento Humano, Bernadete Pupo.
A discriminação reflete nos números do mercado. No período de quatro meses deste ano, 12.660 colaboradores com mais de 65 anos amargaram um desligamento, conforme dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged).
“É comum me deparar com a discriminação etária. Mesmo com o trabalho de conscientização massiva em relação à diversidade, seja lá qual for a natureza, muitas empresas ainda deixam de considerar esse segmento”, exemplifica.
O fato é que a maturidade traz diferenciação, avalia Pupo. “Por mais que os novatos esbanjem garra, disposição e muita energia para a execução das tarefas, eles não têm a mesma maturidade e a desenvoltura que os seniores dispõem para enfrentar os episódios de forte tensão e impacto no competitivo mundo dos negócios”, avalia.
Mesmo a legislação brasileira tento feito avanços em relação às políticas públicas de proteção ao idoso com o Estatuto do Idoso é preciso garantir os seus direitos.
No capítulo 6, por exemplo, cita que o exercício da atividade profissional proíbe a discriminação e a fixação de limite máximo de idade, exceto quando for por exigência do cargo, podendo todos, independentemente da faixa etária, concorrer as vagas laborais.
“Por esse e outros motivos que a inclusão etária, deve ser um compromisso que as empresas devem seguir”, afirma a especialista.
Atualmente, a participação de indivíduos com mais de 40 anos na Mauricio de Sousa Produções (MSP) supera 47% dos colaboradores nas mais diversas áreas, com destaque para o Estúdio de Arte e as áreas administrativo-financeiras.
A MSP estimula e acolhe a presença de pessoas diversas em seus núcleos de criação e desenvolvimento de conteúdo, com representantes das diferentes gerações, diz a gerente de RH da empresa Andréa Ruth Gimenes.
“A rotatividade é baixa entre os profissionais que atuam na empresa, sobretudo, dentre os artistas, o que corrobora para a participação expressiva de pessoas com mais de 40 anos. Confiamos na construção de um mundo com mais representatividade e livre de preconceitos. No nosso dia a dia é encontrado um ambiente colaborativo, diverso e inclusivo!”, destaca.
A partir das ações voltadas ao aprendizado interno sobre diversidade e inclusão, temas tão presentes nas histórias contadas, a empresa estimula que cada vez mais as relações entre as pessoas sejam harmoniosas, visando laços fortes de amizade, traços comuns na filosofia do próprio Mauricio.
Gimenes conta que, recentemente, criaram o Comitê de Diversidade, que tem entre seus principais pilares a questão geracional.
"Dentro desse comitê, integrado por representantes de diversas áreas, estão em discussão atividades de conscientização e desenvolvimento. Nosso Código de Ética veta qualquer tipo de discriminação e temos um canal para denúncias caso ocorra qualquer questão nesse sentido", enfatiza a gerente.
Na fábrica da Mallory, no Ceará, Sheila Diniz, coordenadora de gente, trata a questão da empregabilidade para essa faixa de forma muito tranquila, pois entende que a energia de uma pessoa não está relacionada à sua idade, mas sim, como ela pensa e age. "Profissionais mais maduros possuem a sabedoria de viver", diz.
Do total de 509 colaboradores, 80 possuem a partir de 45 anos, locados nas áreas administrativa e operacional, representando um percentual de 16% do total.
Se considerar pessoas a partir de 40 anos, a representatividade muda para 33%.
“O cuidado com o próximo é um dos nossos valores e o respeito aos colaboradores mais maduros é muito claro aqui na Mallory. Além de reconhecermos os funcionários a cada cinco anos de anos de casa, temos alguns programas e projetos que incentivam a inclusão digital dos colaboradores”, informa.
A TIM também está atenta ao cenário atual e trabalha para incluir e desenvolver profissionais sêniores, estimula ainda mais a troca de experiências e o aprendizado entre diferentes gerações.
Recentemente, em parceria com o HubMulher e Deloitte, criou "Glossário da Longevidade: um guia para o mercado, a mídia, sociedade e profissionais em geral" com 103 verbetes relacionados ao universo sênior.
“O lançamento do glossário é um importante passo da companhia em direção à inclusão geracional no mercado. Além desse material, lançamos o programa de contratação TIM 50+, que disponibilizou vagas para pessoas com 50 anos ou mais em lojas da operadora de cinco Estados", explica Alan Kido, responsável pela área de Educação, Ecossistemas e Inclusão da TIM Brasil.
O projeto foi construído a partir de reflexões do grupo de afinidade Gerações+, formado por quase 100 colaboradores da companhia, que sugerem e avaliam ações focadas em recrutamento e seleção, comunicação e educação para inclusão das diferentes gerações.
O conteúdo está diponível para baixar aqui.
A companhia mantém ainda um programa de indicação interna, em que profissionais da própria TIM podem indicar pessoas de 45 anos ou mais para vagas na empresa.
Já o Grupo Boticário lançou há pouco tempo um programa gratuito de empreendedorismo, que segue com inscrições abertas até 30 de setembro, para mulheres a partir de 45 anos. Clique aqui para acessar.
A ação que comemora a mesma idade da empresa é uma parceria com a Maturi, startup que conecta pessoas acima de 50 anos a oportunidades de trabalho.
De acordo com a diretora de Marketing do Grupo, Renata Gomide, cerca de 78% das pessoas com mais de 45 anos já perdeu alguma oportunidade por causa da idade.
“Por isso, oferecemos essa capacitação para aquelas que desejam se redescobrir profissionalmente e abrir seu próprio negócio."
A pandemia evidenciou ainda mais as barreiras do etarismo existentes no Brasil: falava-se que o vírus da Covid-19 atingia apenas os idosos, público que passou a ser estigmatizado como frágil, um “fardo” para a sociedade ou era tratado como descartável.
O País, no que diz respeito ao preconceito etário, vive um paradoxo: enquanto pessoas idosas são vistas com discriminação porque não estão no mercado de trabalho, gerando renda, pessoas com mais de 40 anos já enfrentam problemas para conseguir oportunidades de emprego devido à idade.
E se a reforma da previdência exige que homens trabalhem até os 65 anos e as mulheres até os 60, por outro lado, empresas costumam desligar os profissionais com mais de 50 anos, que geralmente são substituídos por funcionários mais jovens.
Essa cultura acaba não só por excluir, mas também por trazer menos diversidade ao ambiente de trabalho.
A solução é o convívio entre gerações para atenuar o preconceito: colaboradores mais maduros agregam conhecimento e experiência à equipe — um aprendizado de mão dupla. Essa é a avaliação de Valéria Mota, gerente executiva da MRH Gestão.
Valéria acrescenta que “o conceito de ESG implica em políticas de meio-ambiente, responsabilidade social e governança, daí a possibilidade de um incremento da diversidade etária nas organizações ser uma tendência.”
“As áreas que absorvem perfis mais sénior dependem da capacitação/perfil das pessoas, e podem ir desde vagas operacionais e comerciais até gerenciais, acadêmicas e membros de conselhos das grandes organizações”, pontua. (Karyne Lane)
Substituir o etarismo pela inclusão já é uma realidade para muitas organizações, que buscam uma valorização e permanência maiores de profissionais maduros no mercado. O líder de produção na fábrica da empresa Mallory, José Clerton da Silva, de 45 anos, é um exemplo disso.
“Contribuo passando a minha experiência de vida e de anos de profissão para os que trabalham comigo, principalmente aqueles que estão iniciando sua vida profissional. Sempre estou buscando conhecimento e fazendo cursos, para que eu tenha um bom entendimento a repassar para meu time de colaboradores”, conta.
“Minha vivência faz diferença na resolução de problemas e para buscar novas possibilidades. Acabar com o etarismo é muito importante, e todos nós devemos valorizar aqueles que, com sua experiência de vida e de profissão, têm muito a ensinar e a somar nas empresas”, salienta.
Para Nelson de Oliveira, de 57 anos, colaborador na área de suporte à vendas da Tim, também é preciso evoluir “junto com o que vem com a juventude”. Funcionário da empresa há 23 anos, ele acompanha as mudanças das telecomunicações nas últimas décadas e acredita que “o principal fator é a competência, independente da idade”.
“Minha área especificamente é bem diversa, com pessoas muito jovens e pessoas mais maduras, inclusive minha gestora é mais nova. É legal ver que independente de idade as gerações estão juntas, se complementam e se incentivam, aprendem junto todo dia”, declara.
“É preciso estar sempre ligado, sempre antenado, mostrar que a gente pode contribuir com nossa experiência. E é importante haver esse elo entre a empresa, o gestor e nós que somos dessa faixa etária e que antes estava esquecida, mas que continua contribuindo com o crescimento das empresas”, assegura. (Karyne Lane)