Logo O POVO+
Sebastião Salgado, o homem que não tem medo de desistir
Reportagem Especial

Sebastião Salgado, o homem que não tem medo de desistir

O POVO entrevistou um dos fotógrafos mais famosos do mundo, o brasileiro Sebastião Salgado, que está expondo na mostra "Amazônia" o resultado de sete anos de experiências e expedições na Amazônia brasileira

Sebastião Salgado, o homem que não tem medo de desistir

O POVO entrevistou um dos fotógrafos mais famosos do mundo, o brasileiro Sebastião Salgado, que está expondo na mostra "Amazônia" o resultado de sete anos de experiências e expedições na Amazônia brasileira
Por

 

 

A história de Sebastião Salgado é cheia de episódios que remetem a recomeços, seja a trajetória de vida ou a essência das obras. Em entrevista coletiva com a participação do O POVO para a divulgação da exposição do trabalho mais recente, o Amazônia, que está em cartaz em algumas cidades da Europa, América Latina e Brasil, Sebastião fala sobre como foi tirar algumas das 194 fotos trazidas à luz para o público e tece críticas sobre a atual política indigenista do Executivo federal.

Caso o leitor não esteja familiarizado com a figura do fotógrafo brasileiro mais premiado e reconhecido mundialmente, é preciso saber primeiro que Sebastião é mineiro de Aimorés, uma cidade pacata no no Vale do Rio Doce, nascido em 1944. Que casou-se com Lélia Wanick e desde então se vão 54 anos de amor e parceria no trabalho. Que ele fez graduação, mestrado e doutorado em Economia — e sua formação acadêmica e profissional foi o primeiro marcador de um dos grandes recomeços de vida.

 

Sebastião Salgado e Lélia se dedicam também a projetos ambientais no Instituto Terra, em Minas Gerais(Foto: Ricardo Beliel / Divulgação/Instituto Terra)
Foto: Ricardo Beliel / Divulgação/Instituto Terra Sebastião Salgado e Lélia se dedicam também a projetos ambientais no Instituto Terra, em Minas Gerais

 

Após uma viagem a trabalho feita para a Angola no começo da década de 70, ele passou a fotografar como um passatempo. Tomou de empréstimo a Leica que era da esposa e sentiu um clique dentro de si. O economista, doutor e secretário de organização internacional largou prestígio, bom salário e decidiu ir à fervilhante Paris de 1973 para se dedicar totalmente à fotografia.

E foi como fotógrafo profissional que ele conseguiu captar o atentado a tiros cometido contra Ronald Reagan, o então presidente dos Estados Unidos, em 1981. E como ele era o único fotógrafo por lá, a venda das fotos para jornais de todo o mundo permitiu que ele financiasse alguns projetos pessoais. O primeiro livro, o Outras Américas, foi publicado em 1986, onde registrou os povos indígenas da América Latina.

Indígena Yawanawá do Estado do Acre, 2016(Foto: © Sebastião SALGADO)
Foto: © Sebastião SALGADO Indígena Yawanawá do Estado do Acre, 2016

Corta para o ano de 2022. Sebastião está com 78 anos e já tem algumas dezenas de livros impressos. Ele fala sobre o Amazônia e costumes dos indígenas de lá com fluência. Por termos publicado em 2021 a “A voz das mulheres indígenas por autonomia, igualdade e território”, uma série de reportagens com quatro episódios sobre algumas lideranças indígenas femininas no Ceará, a pergunta que a reportagem fez a Sebastião se referia ao que ele observou nas 12 etnias que ele teve a chance de visitar; se os papéis de homens e mulheres eram definidos nos moldes do homem branco dominador, como nossas entrevistadas apontaram. Ele foi enfático:

“Não achei nada parecido com o nosso sistema de relações sociais. A maneira como os indígenas vivem é diferente da nossa. Encontrei lideranças femininas com uma presença incrível. Próximo de vocês do Ceará tem os Zo'é, no Pará, e o poder da tribo é feminino. Elas têm vários maridos, tipo um com habilidade de pesca, outro para a agricultura, outro para a vigilância”, enumera, sério, do outro lado do vídeo.

“Encontrei outra tribo, os Korubo (do Amazonas), e os primeiros relatos dos brancos falam de uma grande liderança, e ela era uma mulher. Nas minhas viagens, encontrei tanto líderes homens quanto mulheres. Não tem esse peso da religião, que foi o que definiu o papel da mulher como secundário. Entre eles não tem muito essa imposição de um gênero sobre o outro”, resume.

O fotógrafo reflete ainda sobre como essa observação afetou o trabalho para o Amazônia. “Impactou a minha forma de ver as relações familiares e comunitárias, assim como a igualdade entre homens e mulheres. Você não chega para trabalhar em uma tribo assim como eu cheguei, eu que trabalhei em 12 tribos diferentes, sem ter uma imensa discussão antes. Eles passam dois, três dias discutindo, a tribo toda. Eles parlamentam muito, e esse diálogo inclui homens e mulheres ativamente”, avalia.

Indígenas Suruwahá do Estado do Amazonas, 2017(Foto: © Sebastião SALGADO)
Foto: © Sebastião SALGADO Indígenas Suruwahá do Estado do Amazonas, 2017

Mas nem sempre o trabalho impacta o fotógrafo de maneira instigante e leve ao mesmo tempo. Como a história de Sebastião Salgado é cheia de episódios que remetem a recomeços, ele também pensou em desistir da fotografia e arranjar outra coisa para fazer, ainda que já fosse mundialmente reconhecido. Isso aconteceu após o Êxodos, de 1999, projeto que permitiu que ele documentasse por seis anos a história da migração de pessoas em mais de 40 países, as quais, por questões políticas, econômicas e sociais, foram obrigadas a deixar suas casas para viver em campos de refugiados ou em favelas.

Ele também quis desistir de novo não só da fotografia, mas também da humanidade, quando viu de perto em 1994 o genocídio em Ruanda. “Por um momento perdi a fé. Abandonei a fotografia e voltei para a casa dos meus pais no interior de Minas”, diz, com um olhar como se atravessasse a tela.

Outro recomeço brotou no coração do fotógrafo: “Eu e Lélia começamos a plantar e recuperar a floresta próxima. Com a volta das árvores, vi voltar os insetos, os pássaros e os animais. Aí eu me veio uma esperança, porque antes eu vivia a desesperança da minha espécie, mas hoje eu vivo na esperança do meu planeta e de todas as outras espécies. Minha espécie é tão importante quanto a das formigas, cupins, baratas, tartarugas e elefantes. Se a minha desaparecer, o planeta vai continuar a existir. Voltou a esperança no meu caminho. A nossa existência pacífica está ligada à natureza”, conclui.

 


 

 

Sebastião Salgado na Amazônia

 

Leia algumas frases da entrevista e fotos que ilustram o pensamento de Sebastião sobre os indígenas e a importância do bioma amazônico:

O que você achou desse conteúdo?