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Saúde mental: como as questões socioeconômicas afetam o bem-estar psicológico
Reportagem Especial

Saúde mental: como as questões socioeconômicas afetam o bem-estar psicológico

Renda, escolaridade, gênero e idade são alguns dos determinantes sociais da saúde e influenciam positiva ou negativamente no bem-estar mental

Saúde mental: como as questões socioeconômicas afetam o bem-estar psicológico

Renda, escolaridade, gênero e idade são alguns dos determinantes sociais da saúde e influenciam positiva ou negativamente no bem-estar mental
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Saúde mental é fundamental para nossas habilidades individuais e coletivas de construir relacionamentos, lidar com o estresse cotidiano, aprender e trabalhar bem, lembra a Organização Mundial da Saúde (OMS). A organização aponta ainda que o bem-estar psicológico é determinado por uma série de fatores socioeconômicos, biológicos e ambientais. Pressões socioeconômicas contínuas, por exemplo, são reconhecidas como um fator de risco à saúde mental.

Como você avalia a sua saúde mental ou bem-estar mental atualmente? A pergunta fez parte de pesquisa encomendada pelo O POVO e realizada pelo Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas (Ipespe). O instituto entrevistou por telefone mil pessoas com 16 anos ou mais entre os dias 9 e 11 de setembro de 2022.

As respostas possíveis foram ótimo, bom, regular, ruim ou péssimo e resultaram em possibilidades de entendermos as influências de alguns determinantes sociais no bem-estar psicológico dos cearenses.

As principais variações são percebidas quando olhamos para renda familiar e escolaridade: quanto maior o poder aquisitivo e maior a instrução, melhor é a percepção sobre a própria saúde mental.

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Enquanto 73% dos cearenses que recebem até dois salários mínimos têm uma avaliação positiva de seu bem-estar, esse percentual chega a 87% nas famílias que têm renda de cinco ou mais salários. A percepção regular é afirmada por 19% dos mais pobres e por 10% dos mais ricos.

No tocante à escolaridade, os resultados são semelhantes: 73% dos cearenses com ensino fundamental percebem ter saúde mental boa ou ótima, enquanto essa proporção vai a 86% entre aqueles que chegaram ao ensino superior. A percepção regular é afirmada por 19% dos que têm somente a educação básica e por 12% dos mais escolarizados.

Como as condições socioeconômicas afetam a saúde mental do brasileiro(Foto: Fábio LIma)
Foto: Fábio LIma Como as condições socioeconômicas afetam a saúde mental do brasileiro

“A pobreza está atrelada não só à falta de dinheiro, mas também às possibilidades de vida”, expõe a psicóloga e docente Vilkiane Malherme. “Além disso, baixa escolaridade e baixa renda implicam condições de trabalho com pouco acesso a direitos trabalhistas, alta carga laboral e baixa remuneração. Esse contexto leva os sujeitos à exaustão, inclusive emocional e psicológica. O próprio acesso às estratégias de saúde mental é reduzido."

Ela explica que a saúde mental é atravessada pelo acesso à saúde, à seguridade social, à moradia de qualidade, à educação, à cultura e ao lazer. “São esses somatórios de ausências que tornam o sujeito mais adoecido mentalmente”, completa, chamando ainda atenção para a intersecção com machismo e racismo.

 

 

Mulheres e jovens têm pior avaliação de seu bem-estar mental

Olhando para o gênero, homens afirmam estar com melhor saúde mental: enquanto 85% deles avaliam a atual situação psíquica como boa ou ótima, essa resposta foi dada por 72% das mulheres. Para 20% delas, a saúde mental está regular e 6% contam estar ruim ou péssimo. As avaliações dos homens resultaram em 12% e 2%, respectivamente.

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“A organização social favorece um lugar de subalternidade das mulheres, fragilizando suas estratégias de viver para além dos papéis socialmente esperados de esposa e de mãe”, percebe a psicóloga Vilkiane Malherme. “Temos tido avanços, mas ainda não alcançam todas as mulheres. Aquelas com menos escolaridade e renda têm sido as mais vulnerabilizadas nesse processo.”

Ívina Dias, também psicóloga, acrescenta que existe "uma diferença de consciência e busca por evolução entre homens e mulheres". "Dentro da psicologia clínica, podemos notar que a busca pelo autoconhecimento é maior entre as mulheres; elas se permitem mais adentrar nesse universo", afirma.

Idade é outro aspecto a ser considerado. Pessoas com idades entre 16 e 24 anos indicam uma situação relativamente pior: 73% avaliam a própria saúde psicológica como ótima ou boa. A mesma resposta foi dada por 77% dos entrevistados com faixa etária de 25 a 44 anos e daqueles com mais de 60 anos. No extremo, a avaliação é positiva para 83% dos que têm entre 45 e 59 anos.

“Os jovens têm uma abertura maior e conseguem assumir e perceber quando não estão bem com mais facilidade do que outras faixas etárias”, comenta Ívina. “Existe toda uma pressão social para uma definição de identidade desse jovem, principalmente, mas não só, na área profissional; isso leva a grandes crises existenciais."

 

 

Os impactos da pandemia

No primeiro ano da pandemia, a prevalência global de ansiedade e depressão aumentou em 25%, de acordo com a OMS. Mais da metade dos brasileiros (53%) afirmam, em pesquisa do Instituto Ipsos, que sua saúde mental piorou durante a crise de Covid-19. O número de respondentes que afirma ter tido uma melhoria é de 14%, e 34% não notaram qualquer diferença, conforme o levantamento realizado entre fevereiro e março de 2021.

Passados um ano e meio, a pesquisa do Ipespe encomendada pelo O POVO mostra que 40% dos cearenses percebem que seu atual bem-estar mental está igual ao que era antes da pandemia. Outros 32% notam uma melhora e 25% afirmam ter piorado.

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“A pandemia foi um evento muito traumático para todos. Neste momento temos vacina, números muito menores de mortes por Covid-19, uma volta à rotina de trabalho e atividades fora do lar. Tudo isso tem efeito sobre a subjetividade das pessoas”, aponta Ronaldo Rodrigues Pires, psicólogo no Centro de Atenção Psicossocial (Caps) Geral na Regional IV, em Fortaleza.

“Muitas pessoas precisaram retomar suas atividades laborais para continuar sobrevivendo e com isso não tiveram tempo de elaborar o luto, por exemplo. Mas uma parcela da população também teve condições de ficar em casa e redefinir hábitos.”

Ele nota que atualmente a saúde mental está sendo afetada por um contexto de crise econômica e intensificação das demandas do mercado de trabalho. “Há um aumento da demanda por serviços na área. As clínicas-escolas, em diversas universidades, abrem vagas para atendimento e elas se esgotam em 24 horas. Os Caps estão com grandes filas”, conta Pires, que também é professor universitário.

 

 

>> Entrevista Padre Rino Bonvini

Pobreza x saúde mental

Rino Bonvini é médico psiquiatra e padre comboniano. Desde 1996, está à frente das atividades do Movimento de Saúde Mental (MSM), no bairro Bom Jardim, em Fortaleza. O movimento pode ser contatado nos números (85) 3497 0892 e (85) 98106 7178.

Padre Rino Bonvini, psiquiatra, trabalha medicina e espiritualidade (Foto: EVILÁZIO BEZERRA)
Foto: EVILÁZIO BEZERRA Padre Rino Bonvini, psiquiatra, trabalha medicina e espiritualidade

O POVO - De que forma o bem-estar mental e as condições socioeconômicas estão interligados?

Rino Bonvini - As relações existem desde a gestação. Filhos de mulheres em situação de qualidade de vida precária podem ter influências negativas no sistema neurofisiológico desde a barriga. Isso somado a uma estrutura educacional e de saúde precária, ou às vezes ausente; o problema estrutural do racismo multidimensional e a marginalização diminuem a qualidade dos estímulos, reduzem a qualidade da convivência e favorecem a cultura de enfraquecimento da autoestima. Tudo isso está relacionado a um baixo bem-estar mental.

OP - Na percepção do senhor, como está a saúde mental dos cearenses nos últimos anos?

Bonvini - O que posso dizer é principalmente sobre as áreas em que atuo. É um contexto complexo e fragilizado. Num cenário de disputa de territórios, a violência e a insegurança desencadeiam sintomas que podem se transformar em uma síndrome depressiva mais grave. Além disso, a pandemia foi um momento em que os problemas de saúde mental quadruplicaram. Ademais vivemos um momento em que o ritmo de vida influi em um desequilíbrio, vivendo em um estado de estresse, constante tensão e tendência de trabalhar demais sem ter um descanso, um lazer de qualidade.

OP - O que é necessário, na perspectiva comunitária, para cuidar do bem-estar mental?

Bonvini - Aqui no Movimento de Saúde Mental desenvolvemos uma abordagem sistêmica comunitária na qual seguimos alguns princípios: acolher, escutar com empatia, cuidar fortalecendo os laços comunitários e encaminhar para soluções de vida permitindo o processo da autorrealização.

 


Determinantes sociais da saúde

São um conjunto de situações da vida econômica, social, ambiental, política, governamental, cultural e subjetiva que afetam positiva ou negativamente o processo de saúde-doença. Em saúde pública, os DSS são associados ao conceito de equidade em saúde porque impactam de forma diferente e, muitas vezes, injusta a saúde de pessoas, grupos sociais e comunidades.

 

 

Saúde mental traz felicidade

Para os brasileiros, saúde e bem-estar mentais são os principais causadores de felicidade. O ponto foi assinalado por 92% dos entrevistados na pesquisa Global Happiness 2022. Em seguida está a saúde física (90%). No terceiro motivo, um empate: “sentir-me no controle da minha vida” e “sentir que minha vida tem sentido” foram mencionados por 80% dos entrevistados brasileiros.


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