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Câncer de próstata: prevenção nem sempre é invasiva e pode garantir diagnóstico precoce
Reportagem Especial

Câncer de próstata: prevenção nem sempre é invasiva e pode garantir diagnóstico precoce

Devido a preconceitos, monitoramento da saúde masculina se torna mais desafiador. Sobreviventes do câncer de próstata se tornam incentivadores de amigos e familiares

Câncer de próstata: prevenção nem sempre é invasiva e pode garantir diagnóstico precoce

Devido a preconceitos, monitoramento da saúde masculina se torna mais desafiador. Sobreviventes do câncer de próstata se tornam incentivadores de amigos e familiares
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A próstata é uma glândula responsável por produzir o líquido prostático, que faz parte do sêmen, e também por influenciar o controle da urina. Ela está presente em homens cisgênero e demais pessoas com pênis e testículos. É esse o público para o qual é voltada a campanha do Novembro Azul, o mês mundial de combate ao câncer de próstata, segunda neoplasia mais comum entre homens.

O câncer de próstata é o resultado mais grave de um desenvolvimento natural da glândula. No entanto, a prevenção e o diagnóstico precoce possibilitam um tratamento mais eficaz da doença e mais qualidade de vida para o paciente.

A estimativa do Instituto Nacional de Câncer (Inca) é que 65.840 casos da doença tenham sido diagnosticados só neste ano. Tal neoplasia foi a causa da morte de mais de 77 mil brasileiros de 2016 a 2020, sendo 3.455 óbitos no Ceará, segundo dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM).

 

 

Mortes por câncer de próstata no Ceará e no Brasil

 

“Na grande maioria das vezes, esse aumento prostático é o que a gente chama de hiperplasia prostática benigna. Mas alguns vão infelizmente desenvolver o câncer de próstata. O câncer, o crescimento desordenado das células, acaba causando uma série de problemas”, explica Hidelbrando Mota Filho, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Urologia no Ceará.

Por esse crescimento acometer todos, é recomendado que pessoas com próstata com idade a partir dos 40 anos façam visitas periódicas a um urologista para verificar a saúde da glândula. Isso, porém, não significa necessariamente que o infame exame de toque retal, no qual o médico insere um dedo — com luva e lubrificado — no ânus do paciente, será necessário. Por meio do toque, em segundos, é possível que o profissional analise a região da próstata para detectar alguma alteração importante.

Devido a alguns homens considerarem o exame de toque invasivo e a região do ânus ser estigmatizada socialmente, por preconceito, eles evitam o exame, retardando o diagnóstico e aumentando riscos à saúde. O que muitos não sabem é que o acompanhamento pode ser feito também por um exame de sangue que mede o Antígeno Prostático Específico (PSA).

 

Tipos de exame de rotina

 

Toque retal

O médico insere um dedo no ânus do paciente utilizando luva e lubrificante. Em poucos segundos, a próstata é analisada para detectar inchaço, crescimento ou lesões.

 

PSA

É realizado por meio da coleta de sangue venoso que mede a proteína produzida pela próstata, chamada de Antígeno Prostático Específico.

 

“Nessa primeira visita não é pra ter medo, não é pra ter preconceito. O médico vai conversar, entender um pouco melhor aquele paciente e começar a fazer as avaliações”, afirma Hidelbrando. A partir dos 45 anos para aqueles com fatores de risco (como pessoas negras ou com histórico familiar para câncer de próstata). A partir dos 50 anos, o exame pode ser solicitado mais frequentemente.

“É um exame supersimples, não tira a masculinidade de ninguém e pode, junto com a avaliação clínica, com o PSA e com outros exames mais modernos, possibilitar um diagnóstico precoce desse tumor”, diz o médico. Quanto mais cedo a neoplasia é descoberta, maiores as chances de cura e de tratamentos mais brandos.

Sem os exames, o paciente pode descobrir o câncer apenas em uma fase mais avançada, pois o estágio inicial da doença não causa sintomas. Dificuldade para urinar, presença de sangue na urina ou no sêmen, perda de peso e dor óssea nas costas são alguns dos sinais de que o tumor pode ter evoluído.

 

Mesmo em caso de detecção da doença, o urologista afirma que “tem sempre que dar esperança”. Com tecnologias e inovações no tratamento, conviver com o câncer ou até conseguir a cura são possibilidades. Hidelbrando explica que a hiperplasia maligna pode estar localizada apenas na próstata e ser considerada de baixo risco. Nessa situação, há pessoas que podem tratar o câncer por meio da vigilância ativa — acompanhamento próximo, com repetidos exames de biópsia.

Quando o tumor é localizado, mas apresenta mais riscos para o paciente, o urologista afirma que a cirurgia de retirada da próstata pode ser indicada. Nesses casos, a cirurgia robótica é uma forma menos invasiva e mais precisa de realizar o procedimento. “Permite que a gente faça a cirurgia de uma maneira muito mais detalhada, tirando a doença e preservando os nervos e as estruturas que precisam ser preservadas para que a gente possa minimizar os efeitos colaterais do tratamento”, diz.

Em conjunto ou sozinhas, a radioterapia e a hormonioterapia podem ser adotadas como tratamento para pessoas que retiraram ou não a próstata. A hormonioterapia tem como base remédios bloqueadores da testosterona, responsável por estimular ainda mais as células cancerígenas da glândula.

 

 

Idade para começar monitoramento

Aos 45 anos (população negra; pessoas com histórico familiar de câncer de próstata) ou 50 anos (sem casos na família).

 

Sintomas mais comuns

Dificuldade para urinar; presença de sangue na urina ou no sêmen; perda de peso; dor óssea nas costas.

 

 

“Firme e operante”: a vida depois do câncer de próstata

Em 2009, o psicólogo Airton Andrade Gouveia, na época com 63 anos, foi a uma consulta que mudaria os próximos 13 anos da vida dele. Após exames de rotina no urologista, médico que já visitava desde os 40 anos, Airton descobriu uma alteração na próstata. A diagnóstico era de câncer.

“É um diagnóstico que realmente apavora o paciente. Porque na mente das pessoas, o câncer é uma sentença de morte. Embora haja essa cultura, o câncer é uma doença curável, desde que detectada no tempo devido”, ilustra Airton. Logo que descobriu, o tratamento foi iniciado com a retirada da próstata.

 Antero Macêdo, professor que conseguiu superar o câncer de próstata há quase dez anos. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Antero Macêdo, professor que conseguiu superar o câncer de próstata há quase dez anos. (Foto: Fernanda Barros/ O Povo)

O mesmo aconteceu com Antero Macêdo, 66, quando voltou ao urologista depois de dois anos sem realizar os exames devido a uma crise de cálculo renal. O professor faz parte do grupo de pacientes com maior risco para a doença, já que o seu avô teve a mesma neoplasia. Por isso, Antero sempre manteve a atenção voltada para esse aspecto da saúde. O tumor foi tratado com hormonioterapia, sem a necessidade de cirurgia.

Assim que soube do diagnóstico, Antero afirma que brincou com o médico. “'Vou viver mais 40 anos? Vou ter que largar minhas loiras, minhas cervejas?'. Ele olhou para mim e disse que ia me antecipar (a informação de) que eu já estava curado. Ele disse que o maior problema do câncer era a cabeça. E como eu sempre me diverti, eu não me abati”, relata.

Por procurar diagnóstico, o professor continua  fazendo longas pedaladas para outras cidades e até mesmo estados.(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Por procurar diagnóstico, o professor continua fazendo longas pedaladas para outras cidades e até mesmo estados.

Por causa do constante monitoramento, os dois homens puderam encontrar os tumores antes que fosse tarde demais para intervir. Airton e Antero conseguiram continuar vivendo dentro da normalidade, cumprindo com o trabalho e curtindo atividades de lazer. Airton continuou com trabalhos voluntários na Psicologia e Antero seguiu fazendo longas pedaladas para outras cidades e até mesmo estados.

Com o apoio da esposa, descrita por ele como “porto seguro'', Antero segue em tratamento, mas não deixa de trabalhar ou de se exercitar. O professor também tenta repassar a importância dos exames periódicos para os amigos. “Eu incentivo a todos, qualquer um que esteja na faixa etária”, diz. Inclusive o filho de Antero, que tem 45 anos, já faz o acompanhamento.

Já Airton começou a ser convidado para palestras e rodas de conversa com outros pacientes do Instituto do Câncer do Ceará (ICC), onde realiza o seu tratamento até hoje. “As coisas não acontecem por acaso, se aconteceu uma história dessa comigo e eu me curei e eu me saí bem, é porque a mim cabe uma missão: ajudar aqueles homens para que se previnam”, conta.

 

 

Ceará tem centro especializado na detecção do câncer de próstata

Pessoas que procuram acompanhamento especializado com um urologista em Fortaleza ou no Interior do Ceará podem ter acesso a consultas, exames e até mesmo cirurgias em um só lugar. O Centro de Atenção à Saúde do Homem (Cash), localizado no Hospital e Maternidade José Martiniano de Alencar (HMJMA), é um dos principais equipamentos da rede pública de saúde do Estado para essa demanda.

De acordo com o Gustavo Persici, urologista do Cash, o primeiro passo para conseguir uma consulta é procurar o posto de saúde mais próximo. A partir de um atendimento com o médico da família e caso esteja na faixa etária recomendada, o paciente pode ser encaminhado para o Centro.

 Hospital José Martiniano de Alencar, no Centro, conta com Centro de Atenção à Saúde do Homem (Cash)(Foto: Diana Vasconcelos / Gov.CE)
Foto: Diana Vasconcelos / Gov.CE Hospital José Martiniano de Alencar, no Centro, conta com Centro de Atenção à Saúde do Homem (Cash)

No Cash, é possível realizar biópsias, cirurgias de prostatectomia radical (retirada da próstata) e exames de toque retal e acompanhamento de PSA. A cirurgia, segundo Gustavo, pode ser realizada de forma laparoscópica, em que três pequenas incisões são feitas para a passagem de uma microcâmera, consistindo em um método menos invasivo.

Já a forma mais moderna, a cirurgia robótica, ainda não está disponível pelo Sistema Único de Saúde (SUS) devido ao alto custo. Exames de ressonância magnética, bastante utilizados para detectar o câncer, também não estão disponíveis no Cash.

Caso os exames voltem negativos para o câncer, o paciente deve voltar ao posto de saúde depois de um ano para marcar nova consulta. Se as análises apontarem alguma alteração, o médico do Cash analisa a frequência com que os exames e atendimentos precisam ser refeitos, geralmente em tempo bem mais curto.

Além disso, no local é possível fazer tratamentos para incontinência urinária e disfunção erétil — duas consequências comuns do tratamento do câncer de próstata.

O Novembro Azul surgiu em 2003 em Melbourne, na Austrália, a partir da iniciativa de dois amigos. O período é dedicado à conscientização sobre a importância do autocuidado entre homens(Foto: Reprodução/PixaBay)
Foto: Reprodução/PixaBay O Novembro Azul surgiu em 2003 em Melbourne, na Austrália, a partir da iniciativa de dois amigos. O período é dedicado à conscientização sobre a importância do autocuidado entre homens

“É uma coisa necessária fazer todo esse monitoramento a partir dessa idade. E o homem tem essa característica diferente da mulher, de se preocupar menos com a saúde. Muitas vezes quem traz é a mulher, que se preocupa com isso e faz a força pro homem procurar. Isso vem melhorando com as campanhas, com o Novembro Azul, vem havendo uma conscientização maior”, afirma Gustavo.

Para ele, maior investimento na atenção primária, até mesmo com a possibilidade de realizar os exames iniciais ainda no posto de saúde, é necessário. “O centro funciona extremamente bem, mas eu penso que tem que ter mais, porque a nossa população é muito grande, então com certeza deve ter pessoas desassistidas que tem alguma dificuldade de chegar num centro tão bom”, opina o médico.

O Cash também atende mulheres transgêneras e pessoas não-binárias que tenham nascido com o aparelho reprodutor biologicamente masculino. “Ela ainda tem risco de câncer de próstata, mesmo sendo trans, então são atendidas normalmente com PSA e toque retal.”

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