Um universo de possibilidades que movimenta cifras milionárias com a venda de obras de arte, documentos históricos, direitos autorais de músicas e até terrenos na Lua — mas nada disso pode ser tocado. Em um mundo cada dia mais virtual, a tokenização de bens tangíveis do mundo real é a nova tendência no globo e o novo mercado que cresce no Brasil: o de NFTs.
A partir de um processo que envolve a reprodução de dados e elementos reais por outros iguais em formato digital, os tokens não-fungíveis — non-fungible tokens (da sigla derivada do inglês, NFT) — permitem que itens exclusivos sejam comprados, vendidos e comercializados por meio da tecnologia blockchain.
O recurso é compartilhado por várias entidades e empresas com o objetivo de facilitar o registro de transações e o rastreamento de ativos em uma rede de negócios. Entre os vários blockchains existentes, os mais conhecidos são Ethereum e o utilizado para a geração da criptomoeda bitcoin.
A tecnologia de blockchain ("corrente de blocos") é a base digital de registro de dados que usa algoritmos de software para descrever e confirmar transações com confiabilidade e anonimato. Essa tecnologia proporcionou uma infraestrutura econômica que agrega valor aos ativos de uma forma nunca antes vista.
Parece complicado, e em um primeiro momento realmente é, mas basta ser alguém curioso para perceber que a estranheza surge por ser algo novo, o que também aconteceu quando redes sociais como o Twitter surgiram, ou mesmo quando a internet foi apresentada ao mundo.
A pequena frase "Estou criando minha conta Twttr", primeiro tweet da história da plataforma, publicado em 2006 pelo criador Jack Dorsey, foi transformado em NFT e vendido a um empresário de criptoativos pela bagatela de US$ 25 milhões.
Documentos com o código-fonte da World Wide Web (W.W.W) concebidos entre 1989 e 1991 por Tim Berners-Lee, programador que criou a internet, foram vendidos por US$ 5,4 milhões — a primeira vez em que o britânico teve lucro com sua invenção.
just setting up my twttr
— jack (@jack) March 21, 2006
Esses e outros exemplos impressionantes acontecem da mesma forma com que fãs milionários adquirem itens únicos como pedaços originais de composições dos Beatles, vestidos de Marilyn Monroe ou guitarras usadas por Jimi Hendrix: leilões — só que, neste caso, no metaverso.
Os primeiros colecionáveis virtuais vieram do CryptoKitties, um jogo que permite a compra, venda e criação de gatos personalizados, sistema semelhante ao funcionamento do Tamagotchi, brinquedo que foi sucesso na década de 1990.
Hoje, há projetos como o Cryptolands.io, que permite a compra de lotes na Lua. A venda de nove NFTs da Dolce & Gabbana por 5,7 milhões de dólares é outro exemplo do grande potencial dessas “mercadorias de luxo virtuais e híbridas”.
Iniciativa desse tipo inspiraram movimentos como o CryptoArt, com exposições no ZKM Center for Art and Media em Karlsruhe, na Alemanha. Em espaços virtuais construídos em blocos como no jogo Minecraft, artistas realizam exposições de artes em NFT e podem vender suas obras.
Para se ter uma ideia da dimensão, já existe até o NFT Awards para reconhecer esses ativos. Um relatório da empresa global de serviços financeiros Morgan Stanley aponta que, até 2030, o mercado de NFTs pode chegar a algo em torno de US$ 240 bilhões.
“Os NFTs e os jogos em blockchain apresentam duas oportunidades no curto prazo para as marcas de alto luxo, permitindo que as monetizem sua vasta propriedade intelectual, construída por décadas”, afirma o documento.
Ainda segundo analistas da Stanley, a procura por colecionáveis em NFT deve crescer nos próximos anos e gerar grande demanda por mercadorias de alto luxo, que até 2030 podem expandir a receita de seu Mercado Endereçável Total (TAM) em mais de 10% e o EBIT da indústria em aproximadamente 25%.
A empresa alemã de consultoria Statista aponta que as receitas globais movimentadas pelo mercado têm projeção para aumentar 439% até o ano de 2026 (em relação a 2021). Em território nacional, de acordo com levantamento da empresa, o Brasil ocupa o segundo lugar no ranking global de usuários de NFT.
Com 5 milhões de proprietários de tokens (2,33% da população brasileira), fica atrás apenas da Tailândia, que tem 5,6 milhões. Na sequência vêm Estados Unidos, China, Canadá e Alemanha. De acordo com o levantamento, o comércio de tokens não fungíveis no País aumentou devido aos chamados criptogames, como o Axie Infinity.
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A atriz Vera Fischer foi uma das brasileiras que resolveram se envolver com o mundo da criptoarte: a ex-miss Brasil anunciou o leilão do NFT de uma foto rara sua produzida em 1976 pelo valor inicial de 30 Ether (criptoativo da rede Ethereum), cerca de US$ 58.577,70, o equivalente a R$ 296.526,18 na cotação da época.
Quase tudo pode ser um NFT, incluindo obras de arte, imóveis, itens de decoração e colecionáveis, além de assentos em eventos e memes.
O token não-fungível representa um bem por meio de um símbolo eletrônico e possui a característica de ser único, já que não pode ser substituído.
No Ceará, os NFTs ganharam destaque com empresas como a Blockchain One, especializada no desenvolvimento de soluções descentralizadas a partir da tecnologia blockchain.
Alguns dos tokens lançados homenagearam o bode Ioiô e a vaia ao sol, ambas figuras características do Estado. As artes foram disponibilizadas na plataforma Open Sea, a maior do mundo em concentração de NFTs.
De acordo com o Chief Technology Officer (CTO) da empresa, Jerffeson Teixeira, essa foi uma forma de apresentar a tecnologia para a sociedade.
“A blockchain e essa aplicação dos NFTs são tecnologias muito novas, então o mercado ainda está descobrindo as suas aplicações”, sublinha.
O assessor de Inovação Tecnológica e Social da Universidade Estadual do Ceará (Uece) pontua que no contexto global já se tem diversas aplicações, inclusive com bom reconhecimento de mercado.
“Já no Brasil eu diria que é um processo que está apenas iniciando nos últimos anos. Diria que a gente está apenas nos primeiros passos de descoberta do que ela pode fazer para que possamos aproveitar todas as oportunidades que virão”, afirma.
Artistas cearenses também estão de olho nessas oportunidades e já se inserem na tendência em progressão.
É o caso de Juca Máximo, primeiro nordestino a vender uma obra de arte no metaverso em formato NFT.
A venda ocorreu em julho pela X Power Gallery, numa exposição do Art Revolution Taipei 2022, o mais importante prêmio de arte da Ásia. A obra Intense, de Juca, foi disponibilizada no metaverso pela organização e adquirida por um casal residente em Tóquio.
Artista visual há 25 anos, ele conta que ficou espantado no começo, mas acredita que o NFT veio para ficar e é mais um segmento de atuação. “A curadora me ligou e disse que upou ela [a obra] e já foi vendida. Eu fiquei na exposição durante apenas dois dias”, relata.
Na visão de Máximo, qualquer coisa nova gera estranhamento. “Toda semana o negócio muda nas redes sociais. O metaverso é a mesma coisa, só com mais recursos. Tem empresas fortes lá dentro, Apple, Tesla. As galerias grandes e importantes estão investindo nisso. Eu tenho certeza que vai vingar”, diz.
“Para eu fazer uma obra de três metros e enviar para os Estados Unidos eu preciso desembolsar um grande valor, com documento, embalagem, envio. Em NFT, eu faço o upload do arquivo. Produzo e coloco no sistema, não tem custo de matéria prima. A gente pode não estar vendo, mas o mundo inteiro está de olho nisso”, assegura.
O processo criativo da arte, que antes passava por estágios como a escolha do material e o exercício de colocar as mãos na massa, no NFT demanda apenas um tablet ou computador com mesa digitalizadora para que tudo aconteça.
“Eu tenho um galpão com uma mesa de cinco metros para fazer minhas obras. Lá [na blockchain], eu pego o iPad e faço. Você não vai sujar as mãos, que é gostoso, não vai gastar uma tonelada e meia de ferro como na minha última obra, soldagem, trabalho de um ano. No NFT, basta uma mesa digitalizadora e um computador”, finaliza.
Com o crescimento das transações mediadas pela internet, outra questão que está no bojo do novo mercado de NFTs vem à tona: a tributação. O mercado de “blockchain”, nomenclatura da tecnologia que registra as transações dos usuários, tem sido alvo de interesse do fisco.
Para realizar operações com um NFT é necessário possuir uma carteira de criptoativos e tokens da rede onde se está procurando NFT. Por serem transações que podem envolver inclusive ganho de capital, estão passíveis de serem declaradas no Imposto de Renda.
Por meio da Instrução Normativa Nº 1.888/2019, a Receita Federal disciplinou a obrigatoriedade de prestação de informações relativas às operações realizadas com criptoativos, embora não exista nenhuma outra legislação específica que disponha sobre a matéria. Para esse fim, em 2022 o órgão fazendário criou o código 88 para declaração de NFTs.
A IN conceitua, no seu artigo 5º, que criptoativo é considerado uma “representação digital de valor denominada em sua própria unidade de conta, cujo preço pode ser expresso em moeda soberana local ou estrangeira, transacionado eletronicamente com a utilização de criptografia e de tecnologias de registros distribuídos, que pode ser utilizado como forma de investimento, instrumento de transferência de valores ou acesso a serviços, e que não constitui moeda de curso legal”.
E quando há lucro por parte da pessoa física por vendas de NFTs que totalizem R$ 35 mil ou mais, essas operações não apenas precisam ser declaradas como também estão sujeitas à tributação. A alíquota aplicada sobre NFTs segue a regra para a alíquota sobre ganho de capital: 15% para até R$ 5 milhões; 17,5% para até R$ 10 milhões; 20% para até R$ 30 milhões e 22,5% para mais de R$ 30 milhões.
As criptomoedas seriam alcançadas por essa norma pelo fato de serem tokens fungíveis, terem valor e poderem ser trocadas. Já o NFT não é cambiável porque é único — por isso se caracteriza como um token digital exclusivo, ou seja, não pode ser trocado ou negociado por outro igual, como acontece com as criptomoedas. É essa característica que diferencia NFTs de outros tipos de ativos digitais.
Porém, mesmo que os NFTs sejam não-fungíveis, são ativos que acrescentam ao patrimônio e, por isso, devem entrar na prestação de tributos. É o que explica o consultor tributário Jocelito Santos: “O NFT, para efeitos tributários, é um bem. A Receita equipara ele a criptoativos e por sua vez entende que é um ativo digital, então é preciso tributar na forma de ganho de capital. Mas não existe, ainda, uma legislação específica”.
Conforme expõe Santos, os NFTs acompanham uma tendência de progressão para os apreciadores do mundo digital, mas o direito tributário não acompanha a velocidade da tecnologia. No entanto, alguns cuidados que devem ser tomados, uma vez que a legislação sobre o tema é incipiente.
“Para quem procura investir recursos em NFTs, é importante que esteja ciente de que esse mercado não é regulado, podendo favorecer fraudes, então é necessário se certificar das características do ativo comprado, quem está vendendo esse ativo e outras informações”.
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