Logo O POVO+
Tatuagem: exclusividade e originalidade em traços que marcam histórias
Reportagem Especial

Tatuagem: exclusividade e originalidade em traços que marcam histórias

Forma de expressão da personalidade, de gostos e valores estéticos, a tatuagem autoral ganha força em Fortaleza

Tatuagem: exclusividade e originalidade em traços que marcam histórias

Forma de expressão da personalidade, de gostos e valores estéticos, a tatuagem autoral ganha força em Fortaleza
Tipo Notícia Por

 

As tatuagens precisam ter significado? Nas últimas semanas, publicações que contam as motivações das tattoos viralizaram entre as tendências do Twitter, levantando debates sobre o valor simbólico das imagens gravadas no corpo – e também sobre as escolhas puramente estéticas.

Seja ornamental ou cheia de sentidos, as tatuagens vão além da inserção de pigmento na derme. Extrapolando as possibilidades dos catálogos de ilustrações pré-criadas nos estúdios, profissionais e clientes têm investido na exclusividade e na originalidade das ilustrações que serão reproduzidas nas peles.

“Tatuagem para mim é tudo. Hoje em dia é o que me move a fazer outras coisas, porque as técnicas que aprendi na tattoo consigo aplicar de formas diferentes e com a sensação de que faço melhor agora. Além de ser minha principal fonte de renda, foi onde consegui a melhor forma de expressar minha arte”, diz Sis Martins, sobre tatuar.

 Sis Martins: processo de criação livre e predominantemnte para o abstrato(Foto: Samuel Setubal/Especial para O Povo)
Foto: Samuel Setubal/Especial para O Povo Sis Martins: processo de criação livre e predominantemnte para o abstrato

Dos pratos de porcelana que pintava na infância às peles que risca hoje, Sis explorou as possibilidades da arte e buscou desenvolver traços singulares. Entre os destaques do seu trabalho está a tatuagem abstrata. Tem como referência tudo que está próximo, como livros de Biologia e observar o céu, por exemplo.

“Quando eu comecei na tatuagem pensava muito nisso ‘quem vai querer tatuar os meus desenhos?’, umas coisas abstratas que ninguém sabe o que é, que não tem um significado explícito. Hoje em dia a galera me procura pelo abstrato”, revela. Para ela, o abstrato está intimamente relacionado com os processos de “encaixar no corpo, seguir as formas e técnicas de sombra e de preenchimento”.

“É muito livre esse processo criativo, ultimamente eu estou desenvolvendo bem melhor esses desenhos, até porque a minha ‘praia’ mesmo é o abstrato. Até o desenho eu faço na hora, eu disponibilizo alguns projetos prontos mas eu desenho diretamente na pele, não aplico decalque”, conta Sis.

 

Outra característica do trabalho desenvolvido por ela é explicar aos clientes o processo técnico das tatuagens, de forma que desmistifique ideias pré-concebidas principalmente sobre pessoas negras.

“É muito importante ser uma tatuadora preta, fazer colorido em pele preta e falar que realmente funciona. Já tatuei muita gente preta que nunca imaginou ter tatuagem colorida e isso é muito, muito incrível”, diz.

Para ter um ambiente propício às conversas com os clientes e execução da tatuagem, escolheu a casa em que morou na infância para viver e ter seu estúdio. “Quando eu era mais nova era bem estranha porque quando a gente é adolescente pensamos logo em sair, ir para o mais longe possível e eu tinha muito essa ideia. Eu cresci aqui, é um bairro periférico e para quem trabalha com arte não tem muito público”, lamenta.

“Quando fui trabalhar em outros lugares realmente o público é bem maior e quando voltei tive uma queda, pelo preconceito de vir até aqui. Já ouvi de muitos clientes que não vinham pra cá só porque era uma periferia. Já pensei em voltar, mas quero resistir aqui, mostrar para as pessoas que tem como ter arte aqui”, defende Sis.

Sis Martins faz da tatuagem sua fonte de criação e de sobrevivência(Foto: Samuel Setubal/Especial para O Povo)
Foto: Samuel Setubal/Especial para O Povo Sis Martins faz da tatuagem sua fonte de criação e de sobrevivência

Para a produtora e fotógrafa Caroline Sousa, as tatuagens fazem parte do ritual de encerramento de ciclos. Como não é adepta a bloquear nas redes sociais, decidiu homenagear ex-ficantes a ex-namoradas que marcaram a vida na pele e tem, até o momento, pelo menos seis tattoos com esse simbolismo. “Eu tenho isso de finalizar ciclos e eu acho a tatuagem uma forma de encerrar. Quando ainda me via ligada a pessoa ia lá e fazia a tattoo”, explica.

Foi na pandemia de Covid-19 que o médico Rodrigo Peixoto, de 31 anos, fez sua primeira tatuagem. As primeiras marcas na pele foram feitas no mesmo dia, um farol e a Estátua de Iracema, em referência à localizada na Avenida Beira Mar. Gostou da experiência e hoje, depois de dois anos, já coleciona 19 tattoos, a maioria feita com o tatuador Eduardo Álvares.

“Creio que a tatuagem também tem adquirido uma significância estética em uma parte das pessoas. Porém, penso que, quando se atrela um significado, acaba trazendo uma pessoalidade maior ao que está ali gravado na pele. As minhas, por exemplo, representam algo que tenho que me lembrar, seja porque fazem parte do que eu sou, ou também do que eu devo estar sempre lembrando”, ressalta o médico.

Avatar do Instagram Siss Tattoo

Estúdio de Tatuagem da Sis Martins
Onde: Rua VI, 232, altos. Bairro Quintino Cunha
Agendamentos e mais informações: @siss.tattoo

 

Tatuagem como técnica milenar

Com origem controversa, há registros de tatuagens em civilizações antigas da África, Europa e Ásia. Com parte da família natural da Síria, a arquiteta e tatuadora, Amura Al Houch, conviveu com tattoos desde muito cedo.

“Lá a tatuagem tem outro significado, não é só como a gente vê no Ocidente. Minha avó tinha tatuagem, meus tios-avós, e várias figuras que vieram da Síria já tinham feito tatuagem na Síria. Minha mãe tem tatuagem, ela é brasileira, e fez tattoo nos anos 1980”, compartilha.

Com a avó, com quem compartilhou vivências intensas antes de ela falecer, no final de 2022, Amura viu a paixão por tatuagens ganhar traços ancestrais. “Nesse período em que a gente conviveu mais de perto ela me contou cada história, tanto sobre as tatuagens que ela já tinha, como uma mulher de 82 anos com três tatuagens e me contou sobre o porquê de ela fazer essas tatuagens, que é uma ideia não só estética mas também ritualística, ligada a um processo de cura de lesões que ela teve ao longo da vida”, explica.

Amura Al Houch tatua no Estúdio Saara, localizado no Centro de Fortaleza(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Amura Al Houch tatua no Estúdio Saara, localizado no Centro de Fortaleza

“Um braço quebrado, por exemplo, ela ia a essa pessoa, que é como se fosse uma curandeira que também, e é quem fazia a tatuagem - e eu descobri que era minha antepassada”, se orgulha Amura.

Tatuadora há cinco anos, sua trajetória é diferente da maior parte dos tatuadores, pois não desenhava em outros suportes antes de partir para a pele. “No momento que eu soube o que é tatuagem pensei: eu quero ter tatuagem. Agora daí para ser tatuadora foi um grande salto”, diz ela, que é autodidata.

“O que é mais difícil pra mim até hoje é a parte técnica do desenho, a criatividade do desenho, justamente por não ter vindo desse background (de ilustração). Mas amo que a tatuagem me proporciona isso, essa grande busca”, completa Amura.

 

Há quatro anos, ela abriu o Estúdio Saara, no Centro de Fortaleza, como forma de trazer o conceito de ateliê artístico. “Desde o começo me atrai muito a ideia de ter uma expressividade livre dentro das possibilidades de trabalho”, define.

“Tatuagem, para mim, está associada à memória. É importante para mim que a pessoa se sinta confortável, acolhida, bem e o que ela está intencionando com a tattoo, como eu posso transformar aquela marca da pele em algo novo, de dentro para fora. É muito especial também quando a pessoa escolhe um flash que saiu da minha cabeça como algo que criei se comunica com o íntimo da pessoa’’, declara a tatuadora.

Tatuadora Amura Al Houch prepara pele para receber tattoo(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Tatuadora Amura Al Houch prepara pele para receber tattoo

Embora seja apaixonada pelo ator de tatuar, Amura Al Houch destaca que não se trata de um caminho fácil. “Arte autoral no Brasil não é fácil e ainda mais para uma mulher. A gente olha ao redor dessa cultura da tatuagem e vê muitos nomes masculinos e menos femininos”, analisa.

“Eu fico muito feliz que em Fortaleza essa cultura está sendo transformada, a gente consegue ver trabalhos de tatuadoras sensacionais, além da tatuagem LGBT e outras que fogem desse conceito de tattoo americanizada. Daí a gente entra no assunto das tatuagens em corpos que fogem do padrão, muito do que tenho de experiência no meu estúdio é de pessoas achando que os corpos e as peles não receberiam bem as tatuagens e acredito que isso vem de um lugar de branqueamento da tatuagem como técnica”, analisa.

Avatar do Instagram Amura Al Houch

Amura Al Houch
Agendamentos e mais informações: @amuraalhouch

 

Pioneirismo: o primeiro curso para ensinar a tatuar

Gostar de desenhar e ser um bom observador foram requisitos iniciais para o então ilustrador Saymon Livas dar início a carreira de tatuador. Hoje com cinco anos de profissão, ele atua no estúdio próprio, o Rebel Rebel, primeiro estúdio focado no público LGBTQIA+ de Fortaleza.

“Abrir o meu estúdio veio a partir de uma necessidade, o espaço que comecei a tatuar tinha valores diferentes dos meus e eu tinha 21 anos, era um gay assumido, e estava num ramo que na época era predominado por homens com piadas homofóbicas e machistas”, relembra.

Estúdio Rebel Rebel oferece cursos de tatuagem em Fortaleza(Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Estúdio Rebel Rebel oferece cursos de tatuagem em Fortaleza

Partindo da ideia de que o tatuador é um pintor e a pele a tela viva, Saymon vê a conexão com o cliente como um dos pilares do processo de tatuar. “Muitas artes são feitas a partir de histórias ou sentimentos, levar isso para a pele é mágico. Por isso, eu mostro todo o processo da tatuagem, além dos resultados dos meus trabalhos e dicas de tatuagem na minha rede social”, conta Saymon.

Sua visão sobre a cena de tatuagem autoral em Fortaleza é positiva e para auxiliar mais pessoas a iniciar na tatuagem o Rebel Rebel oferece formações. “Há três anos tive a ideia de criar o primeiro curso de tatuagem para iniciantes de Fortaleza com o intuito de conectar artistas em um espaço livre de preconceitos onde pudessem se expressar artisticamente”, explica.

Com investimento em torno de R$2.000,00, o curso tem duração de duas semanas com material incluso para as aulas práticas e teóricas.

Avatar do Instagram Rebel Rebel

Cursos de Tatuagem @rebelrebel_tattoo
Onde: Rua Eretides Martins, 1227, São Gerardo
Inscrições: A partir de março por R$ 2.000

 

Do papel à pele

“Rabisco para entender o mundo, rabisco também para explicá-lo”, a máxima simples mas repleta de significado é uma forma de Cleo Freire, ou Creuzinha (@creuzinhae), como é conhecida, se apresentar a quem a acompanha nas redes sociais.

Tatuadora há menos de um ano, Creuzinha partiu das ilustrações para as tattos, transitando entre dois mundos complementares. “Eu sempre gostei muito de ter hobbies artísticos e desde pequena eu desenho, que é um processo muito individual e até psicológico de entender como é que eu me conectava com as coisas e com o mundo. Quando eu entendi que é por meio da imagem foi uma grande virada de chave na minha vida”, rememora a artista.

 

Diferente do que pensava no início, as pessoas passaram a procurá-la por seu trabalho autoral. “Eu acredito que o fato de já trabalhar com ilustração me deu respaldo de confiança maior. No início eu pensava que ia fazer desenhos já prontos, claro que sempre comuniquei que não faria cópia e sim com meu traço, mas acabou que não. As pessoas estavam procurando pelo meu desenho”, conta.

Creuzinha acredita que as tatuagens, por si só, não precisam ter significado já que “só de você levar na pele pelo resto da vida já tem um significado”, ou seja, são sinônimos de representação de personalidade e pertencimento.

Avatar do Instagram Creuzinhae

Creuzinhae
Mais informações: @creuzinhae

 

O que você achou desse conteúdo?