No Ceará são realizados, por mês, 200 procedimentos de cirurgia bariátrica, a chamada técnica de redução de estômago. Desses, menos de 10% são pelo serviço público, conforme Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica Capítulo Ceará (SBCBM-CE). Embora pouco acessível de forma gratuita, o procedimento tem avançado e transformado a vida de pacientes — principalmente em relação à melhora da saúde.
Segundo Gláucio Nobrega, presidente da SBCBM-CE, é sempre o paciente que deve buscar pela cirurgia. Para autorizar o procedimento, o médico avalia fatores como o Índice de Massa Corporal (ICM) e a presença de comorbidades (doenças que podem potencializar os riscos à saúde) de quem deseja realizar a técnica.
Nesse sentido, podem realizar a cirurgia aquelas pessoas que: "Estão com IMC acima de 40 kg/m² , independentemente da presença de comorbidades; IMC entre 35 e 40 kg/m², na presença de comorbidades; IMC entre 30 e 35 kg/m² na presença de comorbidades que tenham obrigatoriamente a classificação 'grave' por um médico especialista na respectiva área da doença", lista.
Há dois caminhos para quem deseja realizar a bariátrica: buscar o Sistema Único de Saúde (SUS) ou procurar o serviço médico privado. De acordo com Nobrega, antes do procedimento o paciente faz vários exames e passa por consultas com uma equipe multidisciplinar, com psicólogos, nutricionistas e outros especialistas.
Thais Barbosa, nutricionista especialista em emagrecimento e cirurgia bariátrica, destaca que o acompanhamento nutricional nessa fase inicial contribui para, dentre outros fatores, "identificar erros e transtornos alimentares, informar as mudanças significativas pelas quais o paciente irá passar e preparar o paciente para novos hábitos e alimentação no pós-operatório". "Essa consulta (...) É fundamental para diminuir os riscos do tratamento cirúrgico e melhorar os resultados do pós operatório", destaca.
Em relação aos riscos da cirurgia, Gláucio, que é ainda cirurgião bariátrico, pontua que "toda cirurgia tem riscos". Contudo, ele destaca que a técnica só é realizada após um processo de avaliação minucioso, que busca garantir que o paciente, além de querer, "pode" realmente passar por esse procedimento.
No serviço privado, Gláucio frisa que o tempo entre a primeira consulta e o procedimento final pode ser de a partir de dois meses — a depender de como o corpo do paciente vai se comportar durante esse processo. Já no SUS, esse intervalo de tempo pode ser maior, porque poucas instituições viabilizam a cirurgia.
No Ceará, por exemplo, dados da SBCBM-CE mostram que, das 200 cirurgias bariátricas realizadas em média por mês no Estado, apenas 15 a 18 são feitas por meio de instituições públicas (menos de 10%).
De acordo com o presidente do órgão, no Estado há apenas três locais que viabilizam a técnica de forma pública: Hospital Walter Candido, da Universidade Federal do Ceará (UFC); Hospital e Maternidade José Martiniano de Alencar e Hospital Geral Dr. César Cals (HGCC).
Gláucio aponta que o procedimento avançou em relação as técnicas nos últimos anos e que demanda um material importado, de alto custo, o que faz órgãos públicos "não se interessarem" muito pelo serviço. O representante afirma que o primeiro procedimento desse porte do Estado foi feito de forma privada, há cerca de 25 anos. Já a primeira cirurgia bariátrica a ser feita pelo meio público foi feita há 20 anos.
O POVO encaminhou e-mail para a Secretaria de Saúde do Estado (Sesa), no último dia 17, indagando sobre o número de cirurgias bariátricas realizadas nos últimos anos por meio do serviço público, quantas pessoas aguardam pelo procedimento aqui no Ceará e se há planos de aumentar a oferta da técnica pelo SUS. No entanto, até o fechamento desta reportagem não houve retorno da pasta.
Tiara Moura, 34, estava em casa quando começou a sentir tontura, dores na coluna e dormência nas pernas. Ao chegar ao hospital, descobriu que estava com o colesterol em um nível preocupante e com pressão alta, ouvindo de uma médica que, caso não emagrecesse, ela poderia chegar a enfartar.
Foi então que a vendedora passou a pensar na bariátrica como medida para perder peso e procurou pela técnica. Ela fez a cirurgia em 2020, pela rede privada. "Minha vida mudou completamente depois de fazer a cirurgia, tanto na parte da saúde, estética, tudo, não me arrependo em absolutamente nada", destaca.
Liana Marinho, 38, também decidiu realizar a bariátrica em razão da saúde. Ela conta que alguns anos atrás engravidou e acabou perdendo o bebê. Após esse período, a jornalista enfrentou problemas para tentar uma nova gestação por conta da obesidade. "Eu já estava obesa e nada funciona bem no corpo obeso. Passaram-se meses e toda menstruação era um sofrimento", desabafa.
Ela procurou por um endocrinologista e acabou descobrindo que estava pré-diabética. Impulsionada pelo desejo de engravidar novamente e agora movida também pela vontade de melhorar seu quadro de saúde, Liana buscou pela cirurgia bariátrica, por meio da rede particular.
"A partir daí comecei todo o processo de consultas e exames que foi extenso e interrompido pelo lockdown (confinamento imposto devido à pandemia). Dia 19 de junho faço dois anos de cirurgia e perdi cerca de 45 quilos. Agora que estou magérrima, vestindo (manequim) 38, resolvi adiar os planos de engravidar. Quando for o momento vamos adotar", conta a comunicadora.
Além da saúde, as pacientes sentiram as mudanças na estética, principalmente na forma como são vistas e como olham para si mesmas. "Comprar roupa tamanho único é sensacional. Tudo cabe em mim. Antes eu vestia o que cabia, hoje é bem diferente. Além de notar como as pessoas me olham de forma diferente. Eu parei de tomar remédio pra pressão dez dias após a cirurgia. Não senti mais refluxo nem dor nas costas. Voltei a usar salto sem dor. Mudança total", conta Liana.
Quando perguntada sobre o que a cirurgia significou em sua vida, ela dispara: "Liberdade. Mobilidade. Disposição. Me sentir perfeita numa fantasia de carnaval. Significa principalmente um recomeço, uma nova chance de fazer boas escolhas, e eu estou fazendo".
Apesar do impacto na fisionomia, Gláucio Nobrega destaca que o principal motivo pelo qual o paciente deve procurar pelo procedimento deve ser a melhora da saúde. "Alguns pacientes procuram a cirurgia pelo viés estético (...) A gente só viabiliza a cirurgia nos pacientes que querem melhorar a saúde (...) A ideia da cirurgia é resgatar a saúde, a estética é um ganho secundário", diz o especialista.
Passada a fase de exames e a cirurgia, o paciente assume um compromisso para o resto de sua vida: o de deixar para trás os hábitos que podem prejudicar a sua saúde. De acordo com o cirurgião Gláucio, o procedimento apenas ajuda a reduzir o peso e, para manter essa mudança, é necessário um esforço.
"Ele (paciente) pode inclusive ficar mais pesado do que (antes) se ele não mudar a alimentação e não fizer atividades físicas", pontua o especialista. Nobrega destaca que esse alerta é dado para quem deseja passar pelo procedimento ainda durante a fase inicial, nos primeiros atendimentos com os médicos.
"A gente explica que a cirurgia não cura a doença. A cirurgia não transforma nenhum obeso em magro e a cirurgia não evita que ele (paciente) volte a ganhar peso. A cirurgia vai ajudar a perder peso (...) E essa ajuda é fugaz, dois, três meses é o efeito maior. O que acontece com a perda de peso depois disso não é da cirurgia, é do esforço do paciente e da mudança de hábito", destaca.
"Se ele, nesses dois primeiros meses, não aprendeu que tem que mudar o hábito, que tem que comer porções pequenas, (tem que fazer) uma escolha adequada dos nutrientes e comer devagar, naturalmente ele volta a ter um comportamento que ele tinha antes da cirurgia e volta a ganhar peso (...) O que assegura o resultado é a mudança no estilo de vida", completa.
De acordo com a nutricionista Thais Barbosa, ao reduzir o tamanho do estômago "a absorção de vitaminas e nutrientes pelo organismo, bem como o processo de digestão, muda". Por essa razão, é importante que o paciente siga as recomendações passadas pelo nutricionista que o acompanha.
"A cirurgia bariátrica, ela vem como um 'grande empurrão' na vida do paciente, é um método muito eficaz, mas necessita do comprometimento do paciente com a alimentação e prática de atividade física, não é um milagre, a obesidade é uma doença e precisa ter um constante tratamento, assim como uma diabetes, por exemplo. O tratamento após a cirurgia bariátrica é a adesão à mudança de hábitos", destaca.
Além de manter a qualidade de vida, as atividades físicas contribuem para outros fatores. Segundo o cirurgião Gláucio, quanto maior a perda de peso, maiores as chances de o paciente ficar com excesso de pele. A flacidez pode ser amenizada com exercícios ou, em casos mais extremos, por meio de cirurgia.
Três anos após fazer a bariátrica, Tiara de Moura foca na atividade física para amenizar os efeitos do procedimento em sua pele, mas garante não se arrepender. "Eu foco muito na academia pra que meu corpo volte ao normal de antes, porque a gente sabe que não volta. Tem que fazer uma cirurgia dessas sabendo dos pós e contras, mas eu me sinto totalmente bem. Eu não me arrependo nem um minuto", diz.
Já a experiência para Liana Marinho foi outra: "Eu passei a comer melhor. Eu sempre gostei de frutas e salada, mas ter uma boa alimentação sendo obesa é meio que uma sensação de nadar e morrer na praia. Comer bem sendo magra é outra coisa, você tem prazer de pedir uma coisa saudável. Sobre exercícios, é uma batalha eterna. Ultimamente me reconheci no sapateado, estou no primeiro mês e amando".