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O romântico e esquecido poeta que lutou por liberdade
Reportagem Especial

O romântico e esquecido poeta que lutou por liberdade

Para marcar a Data Magna (25/3), que celebra o fim da escravidão no Ceará, OP+ traz especial sobre do jovem abolicionista Barbosa de Freitas, que marcou a história da literatura cearense, em seu curto período de vida, como um dos principais nomes do romantismo. Desde a década de 1960, ele dá nome a uma rua que cruza os bairros Meireles, Aldeota e Dionísio Torres

O romântico e esquecido poeta que lutou por liberdade

Para marcar a Data Magna (25/3), que celebra o fim da escravidão no Ceará, OP+ traz especial sobre do jovem abolicionista Barbosa de Freitas, que marcou a história da literatura cearense, em seu curto período de vida, como um dos principais nomes do romantismo. Desde a década de 1960, ele dá nome a uma rua que cruza os bairros Meireles, Aldeota e Dionísio Torres
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Há 140 anos, Fortaleza perdia um jovem e boêmio poeta. Aos 23 anos, Antônio Barbosa de Freitas morreu de tuberculose na Santa Casa da Misericórdia de Fortaleza, sem posses. Hoje, seu nome atravessa o cotidiano de inúmeras pessoas que cruzam os bairros Meireles, Aldeota e Dionísio Torres.

A maior parte da produção de Barbosa de Freitas foi publicada por amigos após a morte do poeta. É o caso do livro Poesias, impresso originalmente em 1892 e reeditado apenas em 2004. A obra é uma coletânea de poemas feita como uma homenagem e com a finalidade de construir "um pequeno mausoléu em memória do autor".

Esse livro chegou às mãos do médico sanitarista e escritor Policarpo Barbosa durante a pandemia de Covid-19. Envolvido e inspirado pela leitura dos poemas, o médico dedicou-se a tentar entender o que se sabe sobre a vida desse homem, que dá nome a uma rua próximo à casa onde mora e que sente que poucos fortalezenses conhecem.

O resultado foi a criação do romance histórico "Narrativa híbrida de fatos históricos e ficção."  A poética da liberdade, lançado em dezembro de 2022. A história do livro é baseada na vida e na obra de Barbosa de Freitas e no envolvimento do poeta com a causa abolicionista, da qual ele não veria os frutos serem colhidos "Em 25 de março de 1884, meses após a morte do poeta, ocorreu a abolição dos escravos no Ceará. A então província foi a primeira do Brasil a libertar os escravos, embora o País tenha sido o último do Ocidente a fazer o mesmo. No Ceará, a abolição aconteceu quatro anos antes do restante do País." .

A lei nº 1671, de 16 de dezembro de 1960, mudou a nomenclatura de ruas de Fortaleza. Desde então, a via que cruza os bairros Meireles, Aldeota e Dionísio Torres, tem início na Avenida Abolição e desemboca na rua Isaac Amaral ganhou o nome de rua Barbosa de Freitas.

A trama é contada na segunda metade do século XIX e passeia pelas cidades de Jardim, Crato, Aracati, Maranguape e Fortaleza. Fora do Ceará, também passa por Rio de Janeiro, então capital do Império. O autor explica que buscou preservar aspectos históricos como vestimentas e arquitetura da época.

Poesias, Barbosa de Freitas. Reprodução de um fac-símile da 1ª. edição da obra.(Foto: Reprodução)
Foto: Reprodução Poesias, Barbosa de Freitas. Reprodução de um fac-símile da 1ª. edição da obra.

De ficção, Policarpo Barbosa aponta três personagens: Mãe Nena, Tião e Amir Akin, que representam diferentes protagonistas do povos negros na luta pela libertação dos escravos. Os diálogos também são inventados, mas as demais personagens e contextos são contemporâneos a Barbosa de Freitas.

Foram exatamente as diversas coincidências entre pessoas e eventos relevantes para a história do Ceará e para a história de Barbosa de Freitas que chamaram atenção do médico durante a pesquisa para a escrita da obra. "Foi uma série de coincidência de grandes personagens, como Emília de Freitas, Paula Ney, Capistrano de Abreu. Paula Ney realmente esteve em Aracati no período em que o Barbosa de Freitas esteve lá. Eles estudaram no Seminário da Prainha", conta.

"Por exemplo, Severo Nonato era um dos poetas tipógrafos e morre em um acidente de bonde. Lendo uma tese sobre o trânsito de Fortaleza, (vi que) o primeiro acidente do trânsito que ocorreu em Fortaleza foi esse do Severo, e Barbosa de Freitas fez um poema em homenagem a ele, inclusive o recita no enterro. Então, essas coincidências que foram impressionantes", continua o escritor.

 

Boêmio incorrigível, poeta improvisador

Pouco se sabe da vida de Barbosa de Freitas. Há, porém, textos e relatos que dão conta do "espírito eternamente iluminado" e do talento para a poesia, feitas de improviso e, muitas vezes, musicadas e cantadas em serenatas.

"Boêmio incorrigível, poeta, sempre poeta, escrevia alguns dos seus versos onde quer que estivesse, dando preferência ao estabelecimento comercial de João Cordeiro, de quem era amigo a ponto de filiar-se ao Partido Liberal, colocando-se ao lado daqueles que lutavam pela libertação dos escravos", diz João Ribeiro Ramos, no artigo Centenário de Morte de Barbosa de Freitas, publicado na Revista do Instituto do Ceará, em 1983.

Antônio Barbosa de Freitas nasceu no município de Jardim, no Cariri, em 1860, filho de Maria Barbosa da Silva. O pai, Antônio Nogueira de Carvalho, foi assassinado no mercado público da cidade. Ainda criança, o pequeno Antônio foi para Fortaleza e praticamente adotado pelo juiz de Jardim, Américo Militão de Freitas Guimarães, ganhando inclusive o nome da família.

Na Capital, Barbosa de Freitas foi matriculado no Seminário da Prainha aos 13 anos para seguir a carreira eclesiástica — a qual o jovem abandonou um ano depois. 

"Uma vez fora do Seminário e longe do cilício da batina, o jovem ex-seminarista voltou-se para o mundo exterior e passou a usufruir doidamente, desordenadamente, os prazeres da vida, buscando no álcool ilusões até então apenas sonhadas e jamais experimentadas" João Ribeiro Ramos, no artigo Centenário de Morte de Barbosa de Freitas, publicado na Revista do Instituto do Ceará, em 1983

Intercalando poemas de Barbosa de Freitas presentes em Poesias e textos escritos por Policarpo Barbosa, A poética da liberdade aborda todos esses momentos. Desde a saída do menino de Jardim, passando pelo tempo em que ele esteve no Seminário da Prainha e contando sobre reuniões no Passeio Público de Fortaleza.

(Navegue no mapa a seguir, com o zoom, pelos locais em Fortaleza e em Jardim)

 

Carlos Vazconcelos, professor de Literatura Cearense no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) do Campus Tianguá e doutor em Literatura Comparada, destaca Barbosa de Freitas e Joaquim de Sousa como os poetas mais importantes da segunda geração do Romantismo no Ceará. Nas obras de Freitas, o professor aponta a forte influência do britânico Lord Byron "A poesia de Lord Byron teve influência em diversos poetas românticos brasileiros, como Castro Alves e Álvares de Azevedo, com versos marcados pelo pessimismo, pela melancolia e pela fuga da realidade." .

"Geralmente era uma dose grande de narcisismo, perseguismo e angústia, bem naquele modelo dos poetas ultrarromânticos", exemplifica. Barbosa de Freitas, como outros poetas dessa escola, não só escrevia, mas vivia essa boemia e mostrava, em suas poesias viscerais — no caso dele, escritas em embrulhos ou apenas declamadas informalmente e registrada por amigos — toda sua tristeza e melancolia.

Vazconcelos acrescenta que ele tinha uma fama na população da cidade. "De repente uma letra dele era musicada por alguém", afirma. Dizem, ainda, que essas criações de Barbosa de Freitas ficavam no inconsciente coletivo e eram citadas em diferentes situações cotidianas. 

 

Inimigo declarado da opressão

"Amante da liberdade, inimigo declarado da opressão e da tirania, formou ao lado daqueles notáveis brasileiros que no Ceará se alinharam ao Movimento Abolicionista." Essa é uma das maneiras como João Ribeiro Ramos refere-se a Barbosa de Freitas, no artigo sobre o seu centenário de morte.

A relação do poeta com o movimento abolicionista também é apontada pelo poeta e ensaista Sânzio de Azevedo no texto Os poetas cearenses e a abolição. Nele, Sânzio cita poemas como "Homenagem à Sociedade Cearense Libertadora", de 28 de setembro de 1881, em que Freitas diz:

Maldito o que sustenta e o que protege

A causa infame e vil dos tais senhores,

Que dardejam seu látego infamante

Fazendo ao pobre irmão sofrer mil dores! ...

A vossa causa é santa, oh! lidadores!

Filhos do sec'lo, atletas da igualdade,

Não trepideis um passo! que a conquista

É p'ra honra salvar da humanidade!

É essa a principal característica de Barbosa de Freitas abordada por Policarpo Barbosa no romance histórico sobre a vida do poeta. A intenção, segundo o autor, é valorizar a abolição dos escravos no estado do Ceará. "Nós somos uma terra muito sem memória, desvaloriza-se essas grandes lutas do povo cearense", afirma.

"Devo reconhecer que a burguesia de Fortaleza não tinha mais interesse na escravidão. Ela vivia da exportação de algodão, a Inglaterra estava fazendo uma pressão muito grande. Mas isso não diminui a luta pela abolição, uma luta muito interessante. E não diminui também a luta desses poetas trabalhadores tipógrafos", defende. 

 

"É cedo ainda, ó pálidos coveiros!"

Barbosa de Freitas faleceu em 1883. No leito, da Santa Casa da Misericórdia, escreveu "Aos meus vinte e dois anos". Em artigo publicado no O POVO, no dia 20 de julho de 1981, Sânzio de Azevedo escreve sobre os últimos versos do poeta: "Há trechos desse poema e que sentimos o pouco preparo intelectual do poeta, mas isso nada significa em confronto com a trágica beleza da composição, que basta, ela só, para garantir a Barbosa de Freitas lugar do maior destaque no panorama da poesia cearense".

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capa do livro 'A normalista', de Adolfo Caminha i
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Esse é um aspecto recorrente nos textos que falam sobre a vida e a obra de Barbosa de Freitas: ele teve pouco tempo. Levado cedo pela tuberculose, ele não estudou ou desenvolveu melhor a própria capacidade e escrita.

A forma como ele costumava recitar os poemas, "entre vapores alcoólicos", também não favorecia, uma vez que as criações eram salvas do esquecimento por admiradores que as gravavam "no próprio mármore das mesas em que bebiam ou no punho das camisas, de onde depois transladavam para o papel", aponta J. W. Ribeiro Ramos, no estudo "Ignorante Sublime", de 1944.

"Por isso mesmo não podem exprimir suas composições literárias uma feição estilística aprimorada, uma forma trabalhada e límpida, nem também a correção de linguagem que se deveria exigir de um poeta do seu porte", continua.

O professor Carlos Vazconcelos corrobora com essas análises, destacando ainda a "vida atribulada" do poeta. "Se ele tivesse vivido mais, teria feito coisas maiores, teria aprimorado o estilo. Ele tinha essa veia poética que saltava aos olhos dos críticos."

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