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Cuidados paliativos vão além da espera pela morte
Reportagem Especial

Cuidados paliativos vão além da espera pela morte

Tratar os sintomas e oferecer qualidade de vida é algo que deve caminhar junto ao tratamento curativo, quando possível

Cuidados paliativos vão além da espera pela morte

Tratar os sintomas e oferecer qualidade de vida é algo que deve caminhar junto ao tratamento curativo, quando possível
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"Aprendi tudo isso com meus pacientes moribundos que, no seu sofrimento e morte, concluíram que temos apenas o agora, portanto, goze-o plenamente e descubra o que o entusiasma, porque absolutamente ninguém pode fazê-lo por você", escreveu a psiquiatra suíça Elizabeth Kubler-Ross, em seu livro “Morte, estágio final da evolução” (1975). Debater a efemeridade e a finitude da vida, especialmente ao entendê-la no leito de um hospital é, para grande parte das pessoas, uma experiência dolorosa, delicada e íntima.

Cuidados paliativos em pessoas acometidas por enfermidades que ameacem a vida devem seguir junto com procedimentos curativos(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Cuidados paliativos em pessoas acometidas por enfermidades que ameacem a vida devem seguir junto com procedimentos curativos

Nesta perspectiva, o paliativismo — também conhecido como cuidados paliativos —, consiste na abordagem promovida por uma equipe multidisciplinar, que objetiva a melhoria da qualidade de vida do paciente e de suas famílias frente a uma doença que ameace a vida, por meio da prevenção e do alívio do sofrimento, identificação precoce e tratamento da dor e demais sintomas físicos, sociais, psicológicos e espirituais. O conceito foi definido pela primeira vez em 1990 e atualizado em 2002 pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

De acordo com o médico paliativista e presidente da Academia Nacional de Cuidados Paliativos (ANCP), Rodrigo Kappel Castilho, o método é aplicado em quaisquer estágios da existência humana, desde a infância até a terceira idade, quando há uma patologia ameaçadora à vida. “O termo paliativo vem de uma palavra em latim, chamada Pallium, um manto usado pelos guerreiros romanos nas intempéries para se proteger. Ou seja, é o cuidado que protege em situações difíceis”, comenta.

Além disso, Rodrigo Kappel expõe que os cuidados paliativos não são indicados apenas para doenças oncológicas. “Eles são indicados para doenças ou condições ameaçadoras à continuidade da vida. Sem dúvidas, o câncer é uma delas. Mas a maior causa de morte é cardiovascular, ou seja, tanto os pacientes que têm derrames cerebrais ou AVCs, bem como eventuais problemas cardíacos, pulmonares, e tantos outros”, argumenta o presidente da ANCP.

Ainda que, costumeiramente, seja associado aos “casos sem solução”, quando não se há mais chance de cura, a médica geriatra integrante da Câmara Técnica de Cuidados Paliativos do Conselho Federal de Medicina (Cremec) e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), Manuela de Castro Sales, esclarece que os cuidados paliativos devem ser oferecidos junto com o tratamento curativo, desde o diagnóstico de toda doença grave.

Família também é inserida nos cuidados paliativos pelas instituições de saúde(Foto: Unsplash)
Foto: Unsplash Família também é inserida nos cuidados paliativos pelas instituições de saúde

“Alguns pacientes que recebem esse tratamento de suporte se recuperam da doença e podem ser reabilitados. As duas formas de tratamento são complementares, o tratamento paliativo busca o melhor controle de sintomas, qualidade de vida e acolhimento ao paciente e família”, detalha Manuela.

Segundo informações da Secretaria de Saúde do Ceará (Sesa), grande parte dos hospitais da Rede Sesa têm uma equipe para os cuidados paliativos, a exemplo do Hospital Infantil Albert Sabin, do Hospital São José, do Hospital César Cals, do Hospital Geral de Fortaleza, do Hospital Geral Waldemar Alcântara e do Hospital de Messejana. As equipes são solicitadas pelos médicos assistentes e normalmente atuam como complementação da assistência com orientações e atendimento multidisciplinar.

 Úrsula Wille Campos, diretora da Casa de Cuidados do Ceará(Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Úrsula Wille Campos, diretora da Casa de Cuidados do Ceará

Em atuação desde 2021, em Fortaleza, a Casa de Cuidados do Ceará (CCC), é uma unidade de transição de cuidados com foco na reabilitação e cuidados paliativos. Toda a equipe da CCC é treinada no paliativismo para dar apoio ao paciente e aos familiares com visão humanizada. Em 2022, foram 115 pacientes acolhidos e acompanhados em cuidados paliativos até o falecimento na Casa.

A diretora da CCC, Úrsula Wille Campos, destaca que o cuidado paliativo define condutas médicas e multidisciplinares na assistência ao paciente, quando o propósito não é somente a cura de uma enfermidade aguda, mas um tratamento contínuo para acompanhamento de condições crônicas e incuráveis.

“Os cuidados paliativos são baseados no princípio bioético da beneficência e da não maleficência, sempre visando à autonomia do paciente por meio do consentimento informado, alinhando as decisões e condutas com o paciente e/ou a família responsável”, aponta a diretora.

  


Até depois do fim

“Ele acolheu a morte como uma velha amiga e a acompanhou de bom grado. E, como iguais, partiram desta vida”. A passagem do "Conto dos Três Irmãos", parte da saga britânica de livros e filmes "Harry Potter", reflete um dos principais princípios do Paliativismo: reafirmar a vida e a morte como processos naturais.

Ainda que não se aplique a todos os casos em que são utilizadas as práticas paliativas, há aqueles em que a doença não tem chance de cura e o que resta é proporcionar conforto e qualidade de vida ao paciente, bem como prestar apoio e orientação aos familiares.

No Brasil, os cuidados paliativos são executados por equipes multidisciplinares em hospitais públicos e privados (Foto: Dominik Lange/Unsplash)
Foto: Dominik Lange/Unsplash No Brasil, os cuidados paliativos são executados por equipes multidisciplinares em hospitais públicos e privados

A psicóloga e psicanalista com formação em situações de crise, sofrimentos extremos e mediação de conflitos, Silvana Castelo Branco, explica que os cuidados paliativos se estendem até depois da finitude da vida do paciente, a partir do acompanhamento psicológico dos familiares enlutados.

“Muitas vezes, os familiares ficam completamente exaustos, sem nenhuma estrutura psíquica para compreender a morte. Além disso, o acompanhamento psicológico é fundamental para a quebra de mitos, especialmente, em relação a situações como o “não há nada a fazer”, que ocorre — geralmente — quando o paciente está no hospital há algum tempo e o sentimento da família é de que ela “fracassou” por não conseguir curá-lo”, destaca.

O médico psiquiatra e professor titular da UFC, Fábio Gomes de Matos, salienta que uma das questões fundamentais ao tratar da morte de pacientes paliativos é enfatizar qual é o papel da equipe multidisciplinar, tanto no momento de vulnerabilidade que antecede a morte, quanto na ocasião da perda.

“A gente tem como obrigação lutar pela vida do paciente. Enquanto há vida, há esperança. Mas costumo dizer que nós, psicólogos, somos cavaleiros da esperança, não do apocalipse. Também não somos deuses para garantir a vida de ninguém, mas somos seres humanos comprometidos em fazer com que essa pessoa possa ter um final de vida sem dor, acompanhada de seus entes queridos, sem ficar isolada e sozinha em uma UTI”, elucida Fábio.

Silvana Castelo Branco, psicóloga(Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal)
Foto: Reprodução/Arquivo Pessoal Silvana Castelo Branco, psicóloga

A psicóloga Silvana, entretanto, esclarece que não necessariamente ir para casa é a opção mais adequada para a garantia do conforto. “Muitas pessoas dizem que o melhor lugar para um paciente quando ele tem um diagnóstico e está próximo ao fim da vida é ficar em casa. Mas não necessariamente. O melhor lugar é aquele em que ele está confortável, em termos de cuidados à saúde e a não sentir dor. Há lares em que esse conforto não existe“, conta.

Segundo ela, quando o paciente já está no hospital, próximo a seus últimos dias de vida, e a equipe multidisciplinar é chamada para atuar nos cuidados paliativos, a família passa a ser acompanhada de perto por psicólogos. E quando ele morre, esse acompanhamento familiar continua, seja nos encontros individuais, seja em grupo. É redobrada a atenção com aqueles que usam alguma medicação.

“Eles (profissionais da equipe multidisciplinar) vão observar e orientar a família, para saber se já existe um plano funerário, se existe um jazigo, um local para velar o corpo… São cuidados aparentemente simples, mas de uma grande complexidade, porque muitas vezes as pessoas não querem compreender e aceitar a morte, e se veem em uma situação muito delicada, quando um ente querido está em um grau avançado de doença e não há mais cura”, relata a psicóloga.

Ela afirma ainda que o processo de elaboração do luto da família é fundamental nessa etapa da ocasião pós-morte. “Compreendemos que o choro, a liberação das emoções, é necessário para a elaboração do luto. Não devemos calar o choro de pessoas que estão enlutadas. Elas precisam chorar. Elas precisam se expressar. Então, entra a Psicologia nesse espaço pós-morte para promover a escuta qualificada por meio de um profissional da área, para que essa fala (dos familiares) tenha respaldo e acolhimento”, conclui.

 

 

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