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A química do amor e o que está além
Reportagem Especial

A química do amor e o que está além

Mesmo rodeados de hormônios estimulando nosso corpo, entenda porque amar ainda é muito mais do que um coquetel químico fisiológico

A química do amor e o que está além

Mesmo rodeados de hormônios estimulando nosso corpo, entenda porque amar ainda é muito mais do que um coquetel químico fisiológico
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Recém separada de um relacionamento de dez anos, praticamente um casamento. Daqueles namoros que destroem uma pessoa, desmotivam, brigam, prendem. Sem emprego, vivendo em São Paulo na época de Carnaval, em fevereiro de 2020. À procura de recomeçar a vida.

Era nesse estado de espírito que a oceanógrafa Adriana Lippi se encontrava ao abrir a porta e conhecer o possível futuro colega de quarto, o cientista de dados Danilo Steckelberg. Provavelmente a produção de beta-feniletilamina explodiu no cérebro de Adriana no momento em que o viu: ele era bonito, parecia gentil e divertido. A casa era boa — e Danilo mais ainda.

O casal Adriana e Danilo.(Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Arquivo Pessoal O casal Adriana e Danilo.

Definitivamente, atração à primeira vista (obrigada, beta-feniletilamina), a conversa foi fácil. O quarto estaria disponível depois da ida de alguns primos de Danilo. Mas, por razões do destino, a mudança precisou ser quase imediata. Lá se foi Adriana com mala e cuia habitar o novo espaço, tomar uma cerveja com Danilo e família e assistir a um filme.

Bom, basta dizer que a dopamina liberada pelo tempo de qualidade logo se transformaria em uma overdose hormonal que apenas um bom sexo pode oferecer.

Era para ser só uma ficada, na verdade bem atípica para dois desconhecidos. Mas a adrenalina e a serotonina não os deixavam em paz: a barriga vibrava com borboletas, o pelo da nuca arrepiava só de ficarem um do lado do outro. Beijos e amassos eram quase inevitáveis, eram impulsivos, intensos. O que era isso? Eles tinham acabado de se conhecer! Era hora de recuar, ir mais devagar.

Adriana e Danilo só não contavam com uma pandemia e os consequentes lockdowns. Ficar juntinho foi tão inevitável que os recém-colegas de quarto viraram recém-namorados. Realmente apaixonados, apoiando um ao outro, compartilhando interesses e também garantindo aquela dose de ocitocina que todo mundo ama.

 

 

Entendendo os hormônios do amor

O que aconteceu com Adriana e Danilo segue o mesmo padrão dos bilhões de seres humanos que estão descobrindo o amor ou vivenciando-o por anos. Áreas de pesquisa como a química medicinal e a neurociência têm estudado as emoções com curiosidade o suficiente para fazer grandes descobertas.

O diverso coquetel de substâncias químicas participante dos vários estágios do amor são fruto dessas pesquisas. A paixão, avassaladora, é caracterizada por uma "tempestade” de neuroquímicos, como explica a doutora Madalena Pinto, do Laboratório de Química Orgânica e Farmacêutica da Universidade do Porto (Portugal). Já a etapa do amor mais fortalecido muda de natureza, fugindo da efusiva adrenalina e caminhando para moléculas como a ocitocina, que têm mecanismos e tempos mais duradouros.

 

 

“O estado de excitação a nível cerebral que caracteriza a fase da paixão não seria suportável por longo tempo, daí surgir outro tipo de substâncias que correspondem a um estado emocional mais calmo”, comenta Madalena.

O entendimento da neuroquímica do amor tem sido uma inspiração para ser tentada a medicalização do amor. Utilizando até mesmo fármacos já existentes, ela teria o objetivo de  “induzir” a sensação de estar apaixonado ou então “reduzir” o estado de estar fortemente apaixonado.

 


Além de ser uma ideia estranha dentro do campo social, também é bem preocupante do ponto de vista da saúde. Essa prática pode conduzir a uma espécie de reducionismo de fenômenos comportamentais complexos, levando também a grandes preocupações éticas.

E mesmo que a química do amor seja inegável, esse fenômeno depende de muitos outros aspectos. Portanto, vivê-lo (ou superá-lo) não precisa perpassar, necessariamente, pela utilização de medicamentos.

 

 

Amor é…?

Multifatorial, o amor é o resultado da interconexão entre fisiologia, psicologia e sociedade. É tão complexo de explicar que tem sido investigado desde que a humanidade surgiu, seja por filósofos antigos, por neurocientistas, por sociólogos, por antropólogos… e todos outros -ólogos e cientistas que se aventuram na tentativa de compreender as emoções humanas.

A paixão é uma tempestade de hormônios, enquanto o amor é caracterizado por hormônios de manutenção mais duradoura.(Foto: Jansen Lucas)
Foto: Jansen Lucas A paixão é uma tempestade de hormônios, enquanto o amor é caracterizado por hormônios de manutenção mais duradoura.

Inclusive, as normas, os valores e as crenças presentes em diferentes culturas vão influenciando o que é o amor, como ele deve ser vivido e com quem. Amar e demonstrar amor hoje não é o mesmo do que há algumas décadas — que dirá séculos.

Mas a cada dia que se vive, novas possibilidades são apresentadas à mesa. Termos como a não-monogamia, o poliamor e a assexualidade (romântica ou arromântica) exemplificam o espectro ainda a ser amplamente explorado sobre de que formas a humanidade é capaz de amar.

 

 

E entender o amor é bem mais que falar de sexo. “Embora muitas vezes o amor seja discutido nesse contexto, é importante considerar que nem todas as atividades sexuais estão ligadas ao amor romântico. Mas algo que já entendemos bastante é que a intimidade emocional, a confiança e o afeto podem influenciar positivamente a satisfação sexual e a qualidade dos relacionamentos íntimos”, comenta a médica sexóloga e ginecologista Débora F. Britto.

 

 

Amar é viver em sociedade

“Nós já entendemos que o amor nos proporciona sensação de conexão e intimidade e que nos ajuda a criar laços. Esses laços estão envolvidos no aprofundamento de relações íntimas, nos ajudando a vivenciar senso de pertencimento e fluirmos em relações conjugais, por exemplo. Mas para além do amor romântico, ele também é força motriz na estruturação das famílias e é fundamental para a manutenção das relações familiares”, afirma Débora.

Definir o amor vai muito além da química, incluindo também aspectos sociais.(Foto: Jansen Lucas)
Foto: Jansen Lucas Definir o amor vai muito além da química, incluindo também aspectos sociais.

Compaixão, empatia, cuidado mútuo e solidariedade são alguns dos sentimentos motivados pelo amor, definido pela sexóloga como uma “força poderosa associada ao bem-estar e à sensação de vínculo”.

Não à toa, o amor também é político.

A teórica feminista bell hooks, na Trilogia do Amor, o esmiuça não como sentimento, mas como ação ética, que depende da justiça e da verdade. Para bell hooks, o amor deveria estar no centro das decisões políticas, sejam elas em menor ou maior escala; deveria ser utilizado como ferramenta de transformação, no intuito de revolucionar o estado atual de desamor.

A relação dos hormônios é bem mais complexa do que parece, acarretando diferentes sensações.(Foto: Jansen Lucas)
Foto: Jansen Lucas A relação dos hormônios é bem mais complexa do que parece, acarretando diferentes sensações.

“A melhor definição de amor é aquela que nos faz pensar o amor como ação — conforme diz o psiquiatra M. Scoot Peck, trata-se da “vontade de se empenhar ao máximo para promover o próprio crescimento espiritual ou o de outra pessoa”. Nota-se que o espiritual aqui não está vinculado à religião, mas a uma força vital presente em cada indivíduo”, explica Silvane Silva, doutora em História Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), no prefácio de Tudo sobre o amor (bell hooks).

Feminista e antirracista, a autora explora como o racismo, o sexismo, a homofobia, o imperialismo e a exploração impedem o verdadeiro desenvolvimento do amor.

Por isso, mesmo rodeados de hormônios estimulando nosso corpo, a verdade é clara: amar é muito mais do que apenas um coquetel químico.

"Oi, aqui é a Catalina, repórter do OP+! Me conta nos comentários, o que é amor para você?"

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