Com fim da vigência em 2024, a maioria das 20 metas traçadas em 2014 pelo Plano Nacional de Educação (PNE) não serão cumpridas, conforme os dados nacionais. No Ceará, 12 metas ainda não foram atingidas e outras cinco chegaram a ser parcialmente alcançadas. A falta de dados e de clareza de alguns indicadores do plano ainda dificultam o monitoramento de algumas das metas educacionais.
Os destaques positivos do Estado estão nas metas relacionadas ao ensino em tempo integral (meta 6), às médias do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) (meta 7), à Educação Profissional Técnica de Nível Médio (meta 11), à titulação de mestres e doutores (meta 14) e à valorização de profissionais da educação (meta 18).
Apesar dos esforços e melhora em diversos indicadores, muitas das metas não estão perto de serem alcançadas, tanto no Ceará como no Brasil. “Já é um entendimento que nenhuma das metas serão alcançadas na sua totalidade até 2024”, afirma Nilson Cardoso, vice-presidente da Associação Nacional pela Formação de Profissionais da Educação no Nordeste e professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece).
Para o pesquisador, ainda que o plano mirasse melhoras ambiciosas para a educação do País, as metas não eram “impossíveis” de serem alcançadas. “Se tivesse de fato havido um interesse e uma organização para o atingimento dessas metas, se não chegássemos aos 100%, nós estaríamos muito próximos delas”, opina.
Nilson acredita que os indicadores relacionados ao acesso à educação básica, por exemplo, tiveram avanços significativos. “Mas tem outras metas que a gente não chegou nem a um quarto do que tinha se pensado. O fato é que a gente teve um problema na condução do País e a educação deixou de ser a prioridade.”
A pandemia de Covid-19 também influenciou os indicadores educacionais, causando retrocesso em algumas áreas. Jucineide Fernandes, secretária executiva do Ensino Médio e Profissional da Secretaria da Educação do Estado (Seduc-CE), explica que o foco do Estado se tornou a “garantia da permanência, o vínculo do estudante com a escola e o apoio a famílias em vulnerabilidade”.
“Acabou que a gente não conseguiu dar tanta energia a algumas ações dentro de todo o cenário da pandemia”, reconhece. No entanto, a secretária afirma que um relatório de monitoramento das metas do PNE e do Plano Estadual de Educação (PEE) foi elaborado após o período. “Estamos fazendo um planejamento para que a gente possa melhorar nossos indicadores até o fim de 2024. A gente sabe que são indicadores preocupantes para o Brasil como um todo”, diz.
Além das metas prejudicadas pela pandemia, outras não parecem ter recebido atenção também em outros períodos da última década. As matrículas da Educação de Jovens e Adultos (EJA) integradas à educação profissional, que em 2013 eram 6,5% do total, em 2022 caíram para 1,6%. A meta 10 propõe que essa modalidade represente 25% das matrículas da EJA.
“Realmente é uma meta desafiante. A gente está com planejamento, tanto para o ensino médio noturno como para o EJA, para ampliar essas matrículas com educação profissional, justamente analisando essa meta. E também como uma possibilidade de tornar a etapa mais atrativa”, afirma Jucineide.
A falta de dados ou clareza de indicadores também prejudica a avaliação do andamento do plano. A meta 5, sobre a alfabetização de crianças até o 3º ano do ensino fundamental, é uma das mais difíceis de acompanhar. Isso ocorre porque a meta deveria ser monitorada com os resultados da Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA).
No entanto, em 2018 a ANA e a Prova Brasil foram aglutinadas pelo Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica (Saeb). Por sua vez, o Saeb fala de competências e habilidades de diferentes níveis de proficiência em língua portuguesa e matemática, mas não tem uma nota específica que marque a alfabetização.
Além disso, a Base Nacional Curricular Comum (BNCC) que passou a valer desde 2019, definiu que a alfabetização deveria ser concluída na idade certa até o 2º ano do ensino fundamental. Com isso, o 3º ano do E.F. não foi mais incluído nas análises do Saeb.
Já o Ceará afirma que utiliza os resultados do Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (Spaece) para monitorar a meta. Em 2019, 95% das crianças estavam nos níveis desejáveis de proficiência. O número diminuiu depois da pandemia e o Spaece 2022 mostrou que 84,6% dos alunos atingiram os níveis desejáveis. “A gente vem progressivamente aumentando os nossos resultados em alfabetização”, diz Jucineide.
Com o fim da vigência do plano atual, um novo programa de metas deve ser elaborado para o próximo decênio. Para Nilson, as prioridades deveriam ser o cuidado com a educação da juventude que vivenciou o período da pandemia, uma revisão da BNCC e a formação de professores.
Jucineide acredita que os aspectos mais importantes do plano da próxima década, para o Ceará, são a alfabetização na idade certa, a universalização do tempo integral, foco maior na qualificação profissional e maior valorização do professor.
Faltando menos de um ano para o encerramento da vigência do Plano Nacional de Educação (PNE), o Ceará é o estado brasileiro mais próximo de atingir a meta de 50% das escolas com ensino em tempo integral. Segundo o painel de monitoramento do PNE, 46,3% das unidades de ensino públicas cearenses oferecem essa modalidade de ensino. O índice é quase o dobro da média nacional, de 27%.
São Paulo, o maior estado do País, aparece na segunda posição do ranking, com 43,7%, mas lidera em números absolutos, tendo 8.002 escolas funcionando em jornada integral. No Ceará, são 2.671 unidades ao todo.
Em lado oposto, o Acre amarga o pior indicador, com apenas 3,8% das unidades de ensino no modelo integral. A região Norte, onde o estado está localizado, também apresenta o menor percentual proporcional de cobertura: 8,9%. O melhor resultado, até o momento, pertence ao Sudeste, com 34,4%, seguido de Sul (31%), Nordeste (27,7%) e Centro-Oeste (24,9%).
Em 2013, um ano antes da sanção da Lei que criou o PNE, o percentual de escolas públicas em tempo integral no Ceará era de 28,3%. Nos últimos nove anos (2013–2022), o índice saltou 13 pontos percentuais (pp), mais que o dobro da expansão observada no Brasil, de 5,7 pp.
Para o gerente de políticas educacionais do Todos pela Educação, Ivan Gontijo, o bom desempenho do Ceará reflete o sucesso das estratégias educacionais implementadas na última década pelo Governo do Estado. Entre elas, conforme destaca, estão a captação de recursos federais e investimento descentralizado.
“O Ceará é um dos estados brasileiros que mais sabe pleitear e usar os recursos do Governo Federal que são transferidos para o entes. Um outro ponto é que o Estado investe na jornada integral não somente no ensino médio, mas também na creche e na pré-escola”, pontua Gontijo.
O especialista também aponta a prioridade política dos últimos governadores para investimento na Educação como um forte componente de impulso ao avanço do modelo de ensino no Ceará. Em 2022, a então governadora Izolda Cela (sem partido) sancionou uma lei que prevê a universalização da jornada integral no ensino fundamental até 2026. O investimento, ao longo dos anos, será de R$ 900 milhões. A sobralense é hoje a secretária-executiva do Ministério da Educação, enquanto o antecessor, Camilo Santana (PT), é o titular da pasta federal.
Em junho deste ano, o governador Elmano de Freitas (PT) anunciou a construção de 77 Centros de Educação Infantil (CEI) em municípios do Interior e da Região Metropolitana de Fortaleza. Os equipamentos, que funcionam com jornada em dois turnos, são projetados para atender 208 crianças de até 6 anos. Cada unidade conta com salas de aula, laboratório de informática, refeitório, cozinha, berçário, fraldário, dormitório, copa, recepção e playground. Já existem mais de 70 CEIs em operação no Estado.
No ensino médio, a expansão do modelo integral é permanente. A Escola de Ensino Médio em Tempo Integral (EEMTI) Helenita Mota, localizada no Cais do Porto, em Fortaleza, iniciou a migração para esse formato de ensino em janeiro deste ano. O diretor da unidade, Wildemar Bezerra, explicou que a transição será gradual até 2025.
“Começamos com as turmas do primeiro ano. Em 2024, serão as do segundo ano e em 2025 teremos as turmas do terceiro ano, ou seja, 100% dos alunos estarão estudando em tempo integral”, projetou. Atualmente, 115 dos 400 matriculados na unidade de ensino estudam na jornada integral.
Segundo o gestor, a migração começou a ser planejada em 2022. O processo foi aberto após consulta à comunidade escolar em que pais, professores e alunos manifestaram posição favorável à implantação da jornada integral na escola. Ao longo do ano, equipe gestora, corpo docente e servidores técnicos participaram de formações e capacitações para lidar com a nova proposta de ensino.
Mesmo aceito pela comunidade escolar, o modelo ainda sofre resistências devido ao perfil socioeconômico das famílias dos estudantes. “A nossa escola está encravada dentro de uma comunidade vulnerável, carente e grande parte do nosso alunado precisa trabalhar muito cedo, não tem como ficar o dia todo na escola”, ressalta o diretor.
No modelo regular, a jornada se inicia às 7h10min e termina às 12h30min. No ensino integral, o expediente escolar vai até 16h50min, com intervalos para lanches e almoço. A jornada mais longa assegura aos estudantes o acesso a uma alimentação mais nutritiva e equilibrada.
O cardápio reforçado, assegura Wildemar, é um dos motivos principais para a permanência dos alunos mais vulneráveis na escola. “Isso ajuda muito aqueles estudantes que estão em situação de insegurança alimentar. É algo que motiva eles a permanecerem aqui”.
No começo de julho, o Senado aprovou o projeto de lei que cria o Programa Nacional Escola em Tempo Integral, lançado em maio passado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) durante evento em Fortaleza, ao lado do ministro da Educação, Camilo Santana. O programa foi sancionado em 31 de julho.
Inspirado no Ceará, o programa pretende ampliar em 1 milhão a oferta de matrículas em tempo integral nas escolas de educação básica de todo o País. O investimento previsto é de R$ 4 bilhões.
Embora avalie positivamente a intenção do Governo de expandir o modelo de ensino, Ivan Gontijo aponta que a abertura de vagas precisa estar acompanhada de mecanismos educacionais e sociais que estimulem a adesão dos estudantes a este formato.
“O tempo integral não é passar mais tempo na escola fazendo mais do mesmo, é uma nova proposta pedagógica baseada em diretrizes mais aderentes aos desafios do século XXI. A discussão tem que mudar um pouco de eixo”, sublinhou o especialista.
O esforço do Planalto tem como foco a meta do PNE, mas Gontijo acredita que ela dificilmente será alcançada. No caso do Ceará, o cenário é animador: há dez meses do fim do prazo, junho de 2024, o Estado está a apenas 3,7% pontos percentuais de alcançar a meta estabelecida.