Os veículos híbridos e elétricos têm conquistado mais espaço no mercado mundial. No entanto, quando nos referimos à sustentabilidade, a indústria segue em aprimoramento e inovação. E a motorização segue o caminho da transição energética.
No caso dos híbridos, que funcionam com baterias e combustão de álcool ou gasolina, ainda há a geração de dióxido de carbono (CO²) emitido na atmosfera. Já os elétricos são abastecidos com energia da rede elétrica dos países. No caso da Europa, por exemplo, a maioria dos países não tem fontes renováveis de geração.
Sendo assim, o olhar para o hidrogênio mudou. Até alguns anos atrás, as células de hidrogênio eram caras e usadas somente em foguetes ou em usinas geradoras de eletricidade. Mas, há inúmeras montadoras que aceleram a Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) para substituir a combustão atual pelas células de hidrogênio, o elemento químico mais abundante do planeta.
Rodrigo Rollemberg, secretário de Economia Verde, Descarbonização e Bioindústria do Governo Federal, avalia que o hidrogênio terá no futuro a importância que os derivados de petróleo tem hoje.
"Então, ele será fundamental para o transporte de cargas - seja ele de trem, ônibus, para as frotas marítimas. E através das células combustíveis poderá ser uma grande alternativa para o transporte de uma forma geral, inclusive para carros de pequeno porte", ressalta.
A partir da popularização do hidrogênio como fonte energética principal na mobilidade urbana, movimentando carros, mas também demais transportes terrestres, alguns pontos precisam ser discutidos.
A Confederação Nacional dos Transportes (CNT) trata das questões na publicação "Hidrogênio Renovável - Uma das rotas para descarbonizar o transporte rodoviário".
É fato que, atualmente, o Brasil ainda não está preparado estruturalmente para atender às necessidades desse tipo de motorização.
Atualmente, a instalação da estrutura de um "posto" de hidrogênio custaria a bagatela de 800 mil euros (aproximadamente R$ 4,2 milhões). "Inevitavelmente, até que ocorra a consolidação desta tecnologia, o número de estações no Brasil terá uma presença tímida", aponta a CNT.
No que se refere ao uso em transporte de cargas, dados da Agência Internacional de Energia (IEA) de 2022 mostram que a China possui a maior frota de caminhões e ônibus em circulação movidos a hidrogênio, com 4,3 mil caminhões (50,6% da frota mundial) e 4,2 mil ônibus (49,4% da frota mundial). Coreia do Sul, Estados Unidos, Japão e Alemanha possuem experiências com frotas de 100 ônibus cada.
Gláucia Fernandes, economista e doutora em Administração com pesquisas na área de Energia e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead/UFRJ), lembra que muitos analistas afirmam que o nosso mercado ainda estaria atrasado em termos de carregamento de carros na tomada. Mas, ela destaca o fato que a eletrificação tem gerado efeito nas vendas. A Toyota, por exemplo, avançou 43% nas vendas em 2022.
Por enquanto, nossa eletrificação é baseada em modelos flex, com bateria e motores a combustão (inclusive com opção a etanol). Mas o caminho para o hidrogênio está sendo pavimentado e deve ser facilitado por essa ser uma fonte energética versátil e complementar à mobilidade elétrica baseada em baterias, avalia.
"A tecnologia das células de combustível movidas a hidrogênio é mais um avanço nas tecnologias de energias renováveis. O hidrogênio surge como uma opção adicional para impulsionar a transformação do setor de transporte", pontua.
Enquanto as novidades não chegam, o trabalho agora é ter nas ruas os veículos com menor potencial poluidor. No transporte urbano, num contexto pós-pandemia, o quesito custo é desafiador. Mas o investimento em soluções sustentáveis segue sendo prioridade.
No Ceará, as empresas do transporte urbano de Fortaleza apostam em novos modelos a diesel com tecnologia antipoluição. Dimas Barreira, presidente do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado do Ceará (Sindiônibus-CE), destaca que Fortaleza tem passado por um processo de transição da frota que permitirá que ocorra redução de 98% dos gases poluentes dos ônibus a diesel. As reduções de emissões materiais particulados, gás carbônico (CO) e emissões de hidrocarbonetos e óxido de nitrogênio (NOx), foram "formidáveis".
O padrão Euro 5 já é amplamente difundido na frota, ainda restando uma pequena parte do padrão Euro 3. Agora, chegam os modelos padrão Euro 6, que são os modelos mais recentes, segundo o programa nacional de controle de emissões para o segmento.
"Fortaleza já é uma cidade que é privilegiada geograficamente porque nós estamos em um ambiente ventilado, à beira mar, então a poluição local nunca atingiu níveis preocupantes", afirma.
Ainda segundo Dimas, a redução das emissões significa dizer que seriam necessários 50 ônibus atuais para poluir na mesma proporção que ônibus de linhas mais antigas, em termos de materiais particulados.
No Brasil, os primeiros testes para saber a viabilidade do hidrogênio na indústria automobilística iniciaram em 2010, com o H2+2. Na UFRJ, foi desenvolvido um protótipo que pretende lançar versão comercial nos próximos anos. Já a Marcopolo apresentou, em 2022, no Salão Internacional do Automóvel (IAA), modelo com capacidade para 53 passageiros e autonomia de 600 km.
No que se refere aos caminhões, neste ano a Daimler Truck (Mercedes-Benz) finalizou os testes de seu primeiro veículo pesado movido a hidrogênio e tem a pretensão de lançar ao mercado em 2027.
A Volvo é outra que deve oferecer opção neste sentido, com início dos testes comerciais previstos para 2025. O caminhão está sendo desenvolvido com autonomia de mais de 1.000 km e tempo de abastecimento de 15 minutos.
Neste processo de transição, a adesão aos elétricos tem sido grande. Em 2023, o mercado de veículos leves eletrificados no Brasil teve o melhor semestre da série histórica montada pela Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE).
Foram 32.239 emplacamentos de janeiro a junho. Isso representa um crescimento de 58% em relação ao primeiro semestre de 2022. O avanço é tão forte que o resultado semestral deste ano é igual ao resultado total de 2021, quando foram comercializados 34,9 mil veículos em 12 meses.
Com esse desempenho, a frota total de veículos leves eletrificados no Brasil chegou a 158,6 mil unidades ao fim de junho. A ABVE espera que 70 mil emplacamentos sejam feitos até o fim de 2023.
Nos países da União Europeia, os modelos de carros elétricos já superaram as vendas de modelos diesel pela primeira vez. Segundo a Associação dos Fabricantes Europeus de Automóveis (Acea), a participação deles no mercado subiu de 10% para 15,1%. Motoristas da Holanda, Alemanha, França e Bélgica são os maiores compradores. Na liderança, segue os modelos a gasolina e híbridos.
Numa análise sobre qual empresa automobilística tomará a liderança da eletrificação dos veículos, a Kinea Investimentos destacou as corporações que se colocam à frente neste páreo. Tesla e BYD receberam destaques.
No caso da primeira, com sede nos Estados Unidos, a análise destaca o papel "fundamental" na massificação dessa nova tecnologia. Já a marca chinesa é destacada como a maior empresa internacional na produção e venda de carros híbridos e elétricos com fortes planos de expansão.
Maior conglomerado de marcas automobilísticas, a Stellantis ainda deve demorar um pouco a investir em motorização além da queima de combustíveis fósseis. No que se refere ao mercado brasileiro, a oferta inicial deve ser baseada no etanol.
Em entrevista ao Valor Econômico, em fevereiro, o CEO da marca, Carlos Tavares, chegou a dizer que o brasileiro não precisa de carro elétrico, pois é um mercado prodigioso em etanol. A introdução de modelos elétricos deve ser pontual.
João Irineu Medeiros, vice-presidente de Assuntos Regulatórios da Stellantis para a América do Sul (grupo dono de grandes marcas da indústria automotiva, que na América Latina gere marcas como Peugeot, Citroën, Fiat e Jeep), participou de painel na Febraban Tech 2023 que tratava sobre transição energética e a eletrificação da economia nos diversos setores.
No evento, realizado em São Paulo, em junho, ele destacou que o grupo é o maior fabricante de automóveis leves e comerciais leves na América do Sul e por isso tem grande responsabilidade no desafio da descarbonização. Destacando a forma como a companhia entende a maneira que esse processo deva ocorrer.
"O que enxergamos para a indústria automotiva não é só descarbonização, mas também a redução de poluentes nocivos, à segurança veicular (ativo e passivo) que estão sendo instaladas, conectividade que torna o carro um celular sobre rodas", acrescenta.
Medeiros ainda pontua que a descarbonização é o desafio mais importante, pois impõe desafios de emissão de CO² rigorosos, o que exige uma série de evoluções tecnológicas visando esse fim. Ele destaca os biocombustíveis e a eletrificação.
Sobre eletrificação, pondera: "Existem vários níveis de eletrificação que não são somente os veículos totalmente elétricos. Podemos eletrificar um carro de várias formas".
Em processo de ampliação de sua capilaridade de concessionárias pelo Brasil, a Watts, marca nacional de mobilidade elétrica, tem a perspectiva de estar entre os principais emplacadores de motos elétricas no Brasil.
O CEO e fundador da marca, Rodrigo Gomes, destaca que a Watts já comercializou mais de 5 mil unidades de ciclomotores e está ampliando a oferta de modelos.
Uma nova scooter WS120, primeira da marca, e a motocicleta W160 se junta ao modelo W125, que já estava em vendas. Rodrigo destaca que o diferencial da marca é a portabilidade dos modelos, o que facilita seu manejo no dia a dia das grandes cidades.
"A tecnologia de motores e baterias tem evoluído muito rápido no segmento de duas rodas. Nossos produtos, por serem portáteis, não dependem da infraestrutura das cidades para carregamento, sendo necessária apenas uma tomada bivolt comum para que as recargas sejam feitas", afirma.
Para o futuro, aposta em motos abastecidas com energia captada de placas solares. Sobre motorização, diz que o hidrogênio verde e outras tecnologias acessíveis estão no radar.
No mercado de automóveis, as montadoras aceleram as pesquisas e testes para colocar nas ruas modelos sustentáveis. A Toyota é um exemplo claro. A gigante japonesa já firmou parcerias com a Raízen para testes em hidrogênio verde feito com etanol do Brasil. Também tem parceria similar com investimento de R$ 50 milhões para pesquisas na Universidade de São Paulo (USP).
Mas a parceria mais recente foi com a White Martins no teste do sedã Toyota Mirai. O modelo possui tanque e célula de hidrogênio, que geram eletricidade a partir do gás, permitindo o funcionamento do motor. Há ainda uma bateria que armazena energia da desaceleração. Pelo escapamento, é expelido água.
Neste mercado, os principais concorrentes são a Honda, que já teve experiência com o Clarity, que foi descontinuado em 2021. A marca prevê novo programa de motorização em hidrogênio com o novo HR-V a partir de 2024.
A Hyundai é outra marca investindo muito neste modelo de transição. Primeiro com o Tucson ix35 FCEV, mas a grande aposta parece ser o Nexo, um SUV com autonomia de 563 km, que promete ser mais rápido, confiável, eficiente e espaçoso que o Tucson.
Na divulgação do modelo, a Hyundai revelou que o modelo passou por testes de durabilidade na altitude e temperaturas extremas, como no calor do deserto a 52°C durante o dia e -30°C durante a noite do Alaska. E não houve problemas para ligar e gerar força nos extremos.
Uma comitiva cearense, liderada pelo secretário executivo da Indústria, Joaquim Rolim, esteve na Alemanha e testou o modelo da Hyundai.
Para ele, a experiência mostra a materialização do que era vislumbrado nos estudos sobre hidrogênio. Líder nacional em projetos de hidrogênio verde, o Ceará espera ser uma liderança nacional na produção do combustível, Joaquim espera que seja desenvolvida também uma cadeia de produção de veículos no País.
No campo da pesquisa, outras grandes montadoras, como a BMW, preveem lançar opções movidas a hidrogênio.