O processo de envelhecimento é natural. E inevitável. Há especificidades na jornada de cada ser vivo, determinada pelas vivências de ordem emocional, econômica e geográfica. Porém, é fato que, à medida que o tempo avança, corpo e mente passam por transformações. Para as pessoas idosas, a leitura se torna confusa, o caminhar desacelera, a independência se esvai. A terceira idade é uma fase da vida onde o apoio é fundamental. É também quando a solidão costuma ser mais acentuada.
O conceito de solidão se difere de isolamento social, que implica contatos sociais pouco frequentes e baixos níveis de atividade social. A solidão, na verdade, pode ser vivenciada independentemente da quantidade de interações com outras pessoas, embora em idosos ela esteja frequentemente ligada à perda de relações sociais.
Conforme o mais recente Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (Elsi-Brasil), de 2015-2016, 31,7% dos quase 8 mil participantes de 50 anos ou mais sobre alegaram sempre sentir solidão.
A solidão na terceira idade pode estar ligado a vários fatores, como a mudança na configuração das famílias brasileiras. Nos últimos anos, o Brasil tem observado aumento significativo no número de idosos, por conta da redução da taxa de fertilidade, o que contrasta com o aumento da expectativa de vida. Dessa forma, as famílias têm se tornado cada vez menores.
Estima-se que na próxima década, o Brasil se tornará um país idoso: de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2029 serão 40,3 milhões de habitantes com 60 anos ou mais. Somente no Ceará, há mais de 900 mil pessoas idosas com mais de 60 anos. Isso representa cerca de 10% dos habitantes.
Para o doutor em Psiquiatria pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e pesquisador colaborador da Universidade Federal do Ceará (UFC), Gilberto Sousa Alves, o fator biológico influencia para a solidão nos mais velhos, mesmo em condições de convivência familiar. “Um exemplo é o risco maior de doenças do aparelho locomotor, ou seja, as próteses; doenças inflamatórias que podem provocar uma dificuldade maior no deslocamento; a perda sensorial, tanto visual como perda auditiva. Essas pessoas podem vir a ter restrições nos laços sociais”, comenta.
Para o especialista, fatores ligados ao gênero também podem estar atrelados ao isolamento de pessoas da terceira idade. “O que a gente observa na geração de idosos atual é que ela é ainda muito marcada pelo machismo. As mulheres buscam mais contato social e se fortalecem mantendo contatos sociais com amigas e com parentes. Os homens têm um comportamento um pouco mais retraído, uma dificuldade maior em estabelecer laços afetivos nessa idade”, explica Gilberto Alves.
De acordo com o psiquiatra, a solidão em idosos pode, inclusive, aumentar ou desenvolver problemas de saúde.
Com o avançar da idade, a chegada da aposentadoria — ou a necessidade de se afastar de um trabalho — representa um marco significativo na vida de um idoso. Após décadas de dedicação, a nova rotina pode vir com sentimentos turbulentos diante do afastamento do ambiente de trabalho e a possível falta de um propósito claro.
Durante muitos anos, Elian Machado se dedicou a ser professor universitário. Para ele, que encarava o trabalho como um prazer e parte íntegra de sua vida, deixar a convivência com outros profissionais e seus alunos foi uma decisão difícil.
“O Elian e o trabalho eram a mesma coisa. Envelhecer na universidade e me tornar um professor muito ultrapassado me preocupava muito, mas chegou num ponto que eu tive que olhar para mim mesmo e perceber que eu não estava mais em condições de continuar. Ser professor me ocupava mentalmente e, principalmente, estar na companhia dos colegas e na sala de aula com os alunos me fazia bem”, comenta o professor aposentado do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC).
Aos 68 anos, ele descobriu que, além de limitações biológicas, o avançar da idade também revela questões pouco percebidas em outras fases da vida, como a invisibilização da própria individualidade. “Eu acho que eu sou como uma boa parte dos aposentados, que é visto apenas como ‘sempre disponível para servir os outros’. Acontece que eu continuo tendo personalidade, desejos, metas. Eu não morri ainda”, queixa-se.
Ele ainda comenta que uma consequência do processo de envelhecer é lidar com as lembranças, que se tornam fonte de solidão. “Muitos idosos ficam se lamentando do passado, mas é porque, às vezes, as memórias são dolorosas. São tempos que passaram, situações que eu vivi e não vou viver de novo, além de amigos e familiares que eu não vou ver mais, porque alguns já faleceram”, desabafa.
Muitos idosos enfrentam desafios para estabelecer e manter amizades. Isso pode ter um impacto profundo na saúde física e mental deles. “A terceira idade é uma fase que a gente tem muita ausência. A gente sente falta da conversa com os amigos, sobre os tempos passados mesmo, realizações, famílias, desejos, ausências. Precisamos de mais oportunidade de encontrar pessoas que tenham interesses comuns. Pra mim isso também é uma forma de envelhecer com saúde”, comenta o aposentado Elian Machado.
Os idosos têm essa necessidade do engajamento. A promoção e a valorização do idoso é de muita importância. Eu acho que ações integrativas envolvendo o Poder Público e a iniciativa privada são fundamentais. A promoção de atividades psicossociais e voltadas a atividades educacionais", opina o doutor em Psiquiatria Gilberto Sousa Alves.
Para o especialista, um exemplo de inclusão social e cultural voltadas para a terceira idade são os grupos de intervenção familiar e comunitária. Nesses locais, idosos podem ser assistidos e participam de oficinas, como dança ou pintura. Em Fortaleza, é possível encontrar espaços destinados ao lazer em instituições públicas, filantrópicas e privadas. Confira exemplos:
A solidão é um dos desafios mais significativos enfrentados por pessoas idosas em Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI), conhecidas popularmente como lares de idosos.
De acordo com o Ministério Público do Ceará, em 2020 foram contabilizadas 60 ILPIs no Estado, com um total de 1.772 residentes. Destes, 28 são de natureza privada; 23 são filantrópicos; 3 são públicos e 2 são de natureza mista. Já em Fortaleza, em 2021 foram identificadas 31 instituições para idosos, sendo 23 de tipificação privada; quatro privados/filantrópicos; três privado/assistencial e um de gestão pública estadual.
Embora as Instituições de Longa Permanência para Idosos sejam projetadas para fornecer cuidados e apoio, a solidão entre os assistidos é um problema recorrente e preocupante. A falta de contato com a família é uma das principais causas desse sentimento.
Dona Lourdes Bacelar mora há dois anos no lar Três Irmãs, instituição privada e assistencial localizada no bairro Montese, em Fortaleza. Nascida em Pernambuco, a idosa teve de aprender desde cedo a ser independente. O pai dela abandonou a família quando ela era bebê e a mãe faleceu quando Lourdes era criança. “Eu não sei exatamente quando cheguei em Fortaleza, mas era ainda criança. Vim morar com uns parentes, me adotaram, e fui trabalhar nessa casa”, conta.
Com a fala lenta, a idosa de 87 anos sofre com sintomas iniciais de Alzheimer, distúrbio neurocognitivo que afeta a memória. Misturando fatos recentes e de sua mocidade, ela detalha que atualmente não conta com parentes próximos vivos. “Eu tinha irmãos, mas não eram irmãos legítimos. Eu me casei, mas me separei. Também tive filho, não. Não tenho mais família, já morreram todos. Ninguém vem aqui (me ver)”, lamenta a residente da ILPI.
Antes de chegar no Lar Três Irmãs, Dona Lourdes morava com uma mulher — que não era sua parente, mas uma afilhada de crisma. À época, segundo relato da administração da Instituição, a moça explora financeiramente a idosa. Mesmo fragilizada pelo Alzheimer, durante a momentos de lucidez, Lourdes fugia da casa que vivia. A própria afilhada então procurou a ILPI em busca de acolhimento.
De acordo com o Lar, após tentar a vaga, a mulher não queria direcionar a renda da idosa, que vinha de um benefício, e resolveu retirá-la do local. “A dona Lourdes ficou com medo dessa afilhada vir buscá-la e ela voltar para situação que estava, porque essa pessoa não tinha paciência com ela, brigava, às vezes fazia (apenas) duas refeições num dia. Então o Instituto acionou o Ministério Público e a Promotoria pediu para que a pessoa entregasse todos os documentos da Dona Lourdes”, esclarece Thaynara Almeida, uma das responsáveis pela gerência o Lar Três Irmãs.
Hoje, a não ser por uma amiga, dona Lourdes não recebe visitas. Junto das 26 mulheres e quatro homens do Lar Três Irmãs, a idosa achou a companhia que não encontrou ao longo da vida. “Eu sinto falta de antigamente. Eu morava com a minha mãe adotiva e sinto falta do pessoal. Mas eu gosto de morar aqui e todo mundo é meu amigo, é como se a gente fosse irmão. Eu acho bom porque eu sou católica e vem uma mulher fazer a missa”, conta.
Ela conclui seu relato com desejos felizes a outros idosos: “Que seus filhos deem carinho e deem amor. Que venham sempre ver sua mãe e seu pai. É difícil a vida da gente”, disse Dona Lourdes.