Os efeitos da infecção pelo SARS-CoV-2 no organismo ainda não são totalmente conhecidos. Entre as dezenas de sintomas relatados após a fase aguda da infecção, se destacam os neurológicos, cardiorespiratórios e cognitivos. Diversas pesquisas estão sendo realizadas pelo mundo para compreender o que pode ser associado à Covid longa, também conhecida como síndrome pós-covid.
Em geral, eles começam cerca de 12 semanas depois da infecção e, na maioria dos casos, duram até um ano. Podendo perdurar por um período maior. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), entre 10% e 20% das pessoas que tiveram Covid-19 desenvolvem alguma complicação prolongada.
Os mais frequentes são fadiga, falta de ar, tosse persistente, dor no peito e distúrbios cognitivos — confusão mental, esquecimento, dificuldade de concentração. Contudo, os impactos da inflamação provocada pelo vírus podem ser mais graves.
A fase aguda da doença, após a transmissão, dura, geralmente, alguns dias. “Depois de três meses, pode se chamar de Covid longa. Eventualmente, os sintomas podem durar meses ou anos”, explica André Japiassu, médico infectologista e pesquisador do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/FioCruz).
Segundo ele, na maior parte das pessoas que apresentam Covid longa, os sintomas vão desvanecendo depois de seis meses. “De 2% a 3%, ficam mais de um ano. Isso é provável. Porque a estimativa não é precisa”, diz.
Segundo ele, o principal fator de risco da síndrome pós-covid é um quadro grave durante a Covid aguda. “Mas isso não impede que pessoas que não tiveram a Covid aguda grave tenham Covid longa”, pondera o pesquisador.
Carlos Hossri, cardiologista e médico do esporte, coordenador do Programa de Reabilitação Cardíaca Pulmonar e Metabólica do HCor, destaca que a Covid-19 pode agravar doenças pré-existentes.
“Da mesma forma que o diabetes, a hipertensão, os pacientes com doença cardíaca coronariana, com insuficiência cardíaca, são fatores de risco para complicações da Covid e ela pode desencadear complicações, principalmente dessas doenças”, relaciona.
Conforme o cardiologista, as pessoas que têm mais chance de formar trombose, de ter complicações de distúrbios metabólicos e endócrinos, “certamente, são as pessoas que ficam mais afetadas no covid longa e que podem ter complicações das suas doenças prévias”.
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Pesquisadores de universidades do Nordeste estão começando a realizar estudo com 800 voluntários para avaliar pacientes com Covid longa e sintomas neurológicos persistentes. Pesquisa é coordenada por profissionais do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC) da Universidade Federal do Ceará (UFC), filiado à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh).
“Conseguimos verba do CNPq para organizar uma Rede Nordestina de avaliação de pacientes com Covid-19 e sintomas neurológicos persistentes”, explica o neurologista Pedro Braga, chefe do setor de neurologia e coordenador do ambulatório de Neurocovid do HUWC.
Os pesquisadores detalham que o protocolo de estudo envolve realização de exame de ressonância magnética da cabeça, polissonografia para avaliação do sono, coleta de exames de sangue e avaliação neurológica e neuropsicológica ampla.
“Um dos nossos objetivos é avaliar se pacientes com Covid longa podem evoluir para maior risco de desenvolvimento de doenças neurodegenerativas como doença de Alzheimer e doença de Parkinson”, amplia o médico.
Serão 200 pacientes acompanhados em cada instituição, incluindo a Universidade Federal de Alagoas (Ufal), a Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e a Universidade Federal do Maranhão (UFMA).
Uma primeira fase do estudo foi desenvolvida ainda em 2020, logo após a primeira onda de Covid-19, quando 219 pacientes foram acompanhados pelo Hospital Universitário Walter Cantídio, em Fortaleza. “Nesta época não sabíamos que os pacientes com Covid-19 poderiam apresentar sintomas neurológicos prolongados”, explica.
O acompanhamento revelou que mais de 50% dos participantes apresentaram comprometimento cognitivo, mesmo com uma jovem idade média e alta escolaridade média. Além disso, queixas de sono, cefaléia e distúrbios de olfato foram frequentes, próximo a 30 % da amostra.
Também foi encontrada uma alta prevalência de sintomas neurológicos persistentes. Os mais comuns foram alteração da memória/ raciocínio (57,9%), dor de cabeça (31,2%), diminuição do olfato (29,4%) e insônia (23,5%). Sintomas depressivos e ansiosos foram também bem frequentes (42,9%).
“Nosso grupo realizou também avaliação neuropsicólogica detalhada em uma parte da população, sendo detectado de fato prejuízo na memória, atenção e redução da capacidade em realizar tarefas”, acrescenta o neurologista José Wagner Leonel Tavares Júnior, aluno do Pós-Doutorado do Programa de Pós-graduação em Ciências Médicas da UFC e integrante do Ambulatório de Neurocovid.
Para grande parcela da população, a vida voltou praticamente ao normal após o período mais crítico da pandemia, marcado por ondas de transmissão intensa com números altíssimos de internações e mortes por todo o mundo. Entretanto, uma parcela convive com sinais, rastros do vírus que passou por ali.
A memória não é mais a mesma. Ter “um branco” de palavras durante conversas e esquecer onde guarda as próprias coisas em casa acontecem com frequência para Luciana Costa Guerra, de 52 anos. Os sintomas apareceram após a Covid-19. Duas das quatro vezes em que ela foi infectada foram no início da pandemia.
Embora não tenha precisado de hospitalização, os sintomas foram intensos. Febre altíssima, dores de cabeça “anormais”, 11kg a menos. “Eu peguei e, depois, meu marido pegou também. Ele ficou internado. Como tinha que cuidar dele, acabei me infectando de novo”, relata a profissional autônoma e estudante. Ela diz que, desde então, tem episódios de sensação de “inflamação na cabeça” e de se sentir “zonza”.
“Se eu fizesse muito esforço, tinha a sensação como se fosse desligando meu cérebro, apagando como se fosse uma vela. Quando eu tinha essa crise, tinha que passar dois, três dias de cama sem esforço”, descreve Luciana. Os sintomas duraram de forma mais grave até cerca de 10 meses após a covid aguda, mas continuam com menor frequência.
Para ela, as dificuldades de memória foram a pior consequência. “Um dia eu fui ao Centro com o carro do meu marido e deixei no estacionamento. Quando voltei, não lembrava mais a marca, só lembrava que era branco”, conta.
Após tratamento de um ano com neurologista, ela percebeu melhora nas dores de cabeça. “Estão mais raras, mas mexeu muito com meu nível de ansiedade, tremores e pernas inquietas. Depois disso, me vi mais fragilizada emocionalmente, afetou muito também a questão do meu sono”, compartilha.
Assim como Luciana, Sirley Freire Nogueira, de 41 anos, percebe sintomas que não apresentava antes de ser infectada com a Covid-19. Mas ela já estava vacinada nas duas vezes em que ficou com covid aguda, em 2022. Em ambas, os sintomas foram leves.
“Na primeira vez, o que me incomodou mais foi a tosse seca e fiquei por dois dias sem olfato e paladar. Tive febre, moleza por mais ou menos sete dias. Na segunda vez, foi mais leve”, diz a secretária executiva.
Ambas estão sendo acompanhadas no Ambulatório de Neurocovid do Hospital Universitário Walter Cantídio. No caso de Sirley, a relação dos sintomas com a covid longa ainda deve ser analisada. “Eu me sinto esquecendo muita coisa. Estou aqui para participar da pesquisa, considero importante”, frisa.
É possível participar da pesquisa do Projeto Neurocovid do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC). Veja como
Os pesquisadores buscam, preferencialmente, pessoas que não apresentaram sintomas neurológicos após a covid aguda. Mais informações, entre em contato com o Ambulatório de Neurocovid do HUWC/UFC. WhatsApp: 85 9760 6523.