O Conselho Federal de Medicina (CFM) flexibilizou as regras sobre publicidades feitas por médicos do Brasil, que estavam em vigência desde 2011. O novo texto atualiza, dentre outros pontos, as normas que delimitam como médicos brasileiros devem se portar nas redes sociais e nas mídias em geral.
As mudanças vão entrar em vigor em março de 2024, contados 180 dias a partir da publicação da resolução no Diário Oficial da União (DOU), que ocorreu no dia 13 setembro de 2023. O CFM é o responsável pelo Código de Ética Médica e, nos últimos anos, se manteve rígido quanto aos limites médicos em atos publicitários.
O documento proibia, por exemplo, que profissionais fizessem uso de imagens de pessoas atendidas ou que divulgassem depoimento delas, mesmo que houvesse autorização dos pacientes para isso. Além disso, ficavam vedados a gravação de procedimentos e o compartilhamento do trabalho médico nas redes sociais.
Aos médicos também não era autorizado: divulgar preço de consulta, fazer campanhas promocionais, realizar investimentos em negócios não relacionados à área de prescrição do profissional, repostar elogios nas redes sociais ou fazer a publicação "de antes e depois" de procedimentos por eles realizados.
Com a publicação da Resolução CFM nº 2.336/2023, essas ações serão permitidas, ainda que com ressalvas. Em nota publicada no seu site, entidade explicou que a decisão foi tomada após uma "releitura dos decretos-lei 20.931/32 e 4.113/42, que regulam o exercício da medicina", e da realização de processos como consultas públicas e conversas com as sociedades médicas.
De acordo com Emmanuel Fortes, 3° vice-presidente do CFM e relator do texto, a mudança nas normas vai permitir que o médico mostre suas qualificações de forma mais ampla, possibilitando assim que o paciente tenha "mais clareza" para escolher o profissional e o estabelecimento que desejar.
"Os benefícios (trazidos pela resolução) são relevantes para garantir ao médico apresentar suas qualificações e seus ambientes de trabalho, de forma que toda sociedade possa escolher quem melhor lhe parecer em formação e oferta de serviços com segurança, privacidade e infraestrutura para a execução do que é necessário para a prática segura do ato médico", afirma o representante da autarquia.
A advogada Maria Clara Malta, especialista em direito médico, enxerga a nova resolução como algo que vai "mudar a história da publicidade médica". A profissional, que atua realizando um atendimento de forma personalizada para profissionais da saúde, afirma que a medida tem agradado muitos médicos, em razão da flexibilização trazida no documento.
Para a médica neurologista Gabriela Joca, que atua no Hospital Geral de Fortaleza (HGF), o Código de Ética Médica é importante por estabelecer limites na profissão, ainda mais em um momento onde a vida pessoal está cada vez mais sendo "trazida para exposição", o que pode interferir na prática profissional.
"A atualização da resolução vem de quase três (anos) de discussão. (Há) Uma necessidade de atualizar (as regras) em relação a grande mudança que estamos passando quanto as mídias sociais", diz a especialista, frisando que "cada vez mais a população recorre aos meios digitais para buscar informações sobre os médicos".
Além disso, Joca destaca que cabe ao médico se atentar ao que é estabelecido pelo Conselho Federal de Medicina e respeitar os limites impostos. Ela pontua que, às vezes, colegas de profissão acabam confundido o "pessoal" com o "profissional", o que pode ser perigoso para a carreira.
"O Código de Ética, ele tem que ser muito, muito observado e muito respeitado (...) Alguns colegas acabam confundindo a vida social com uma vida profissional de forma muito perigosa, no sentido de ultrapassar os limites na forma médica", destaca ainda a neurologista.
Apesar de a medida ter sido em parte bem recepcionada pelos médicos, há pontos que foram questionados pela sociedade e até mesmo por outros profissionais da área. No Twitter, por exemplo, logo após o anúncio feito pelo CFM surgiram comentários pontuando que ampliar as possibilidades da publicidade médica dá margem para que seja permitido um movimento de "mercantilização da medicina".
"Por um lado (o novo texto) flexibiliza para fatos que já ocorrem, como publicar antes e depois, expor cirurgias, entre outras coisas. Por outro lado, coloca numa posição de vulnerabilidade a veracidade das informações publicadas, limites éticos de exposição e sobretudo, aumenta a dificuldade de fiscalização por parte dos órgãos regulatórios", destaca a médica neurologista Gabriela Joca.
Segundo a advogada Maria Clara Malta, o movimento natural a ocorrer é que os Conselhos Regionais de Medicina (CRMs) aumentem a fiscalização, já que houve uma flexibilização das normas. Na concepção da especialista, se há mais pontos permitidos, a contrapartida deve ser a ampliação nas operações de vigilância.
"A resolução prevê a apresentação da publicidade de modo que a sociedade e a potencial clientela esperem dos médicos e instituições médicas a oferta das melhores práticas"
"Eu acredito que o CRM vai ficar ainda mais em cima da publicidade (...) Os médicos precisam ficar muito atentos em achar que tudo pode, (que está) tudo liberado”, pontua.
Além disso, ela frisa que há pontos do texto que podem desagradar uma parte dos médicos. Como exemplo, a especialista cita o fato de que a nova resolução permite que o profissional que não realizou residência possa destacar sua pós-graduação nas redes sociais.
"Os médicos estão muito felizes com essa publicidade, porém os médicos residentes não gostaram muito dessa parte que fala sobre a divulgação da pós-graduação, mas ainda o CRM continua respeitando esse profissional", pontua a operadora de direito.
Conforme Emmanuel Fortes, "a resolução foi construída com o cuidado de preservar a medicina como atividade meio, não como atividade fim". Porta-voz do CFM garante que os conselhos regionais vão combater a prática da mercantilização da medicina "aplicando os fundamentos" da própria resolução.
"A resolução prevê a apresentação da publicidade de modo que a sociedade e a potencial clientela esperem dos médicos e instituições médicas a oferta das melhores práticas, a dedicação e a atenção requeridas em cada relação médico-paciente construída e a resultante possível para cada caso. Em oposição, a percepção mercantilista, aquela que obriga a garantir resultados, é com veemência combatida nas proibições que estão também no corpo da resolução", destaca.
Emmanuel pontua também que a fiscalização segue sendo "fundamental" para conter as práticas transgressoras e informa que ela ocorre de forma aprimorada. Os conselhos regionais ficam responsáveis por promover a conscientização sobre a importância de seguir o Código de Ética Médica.
"Ela (fiscalização) se dá por provocação de alguém ou algum ente representativo da sociedade ou em buscas ativas que serão aprimoradas. O mais relevante será a ênfase que será dada nas campanhas educativas que os CRMS passam a ter obrigação de fazer", completa.
O Código de Ética tem como principal objetivo proteger os profissionais e os pacientes. Em caso de condutas que transgridam as regras, a atitude pode culminar em punições para o profissional.
Em fevereiro último, por exemplo, duas médicas do Amazonas foram exoneradas de seus cargos após publicarem um vídeo onde apareciam zombando de crianças que foram atingidas por um raio. Na gravação, as profissionais comparam o barulho do choro dos pequenos com um "exorcismo".
De acordo com Maria Clara Malta, advogada especialista em direito médico, em caso de desrespeito ao Código de Ética, o profissional pode ser fiscalizado e responder por Processo Ético Profissional.
"As penas disciplinares que podem ser aplicadas pelos
Vanilo de Carvalho, advogado especializado em direito do trabalho, destaca que, para evitar punições, é necessário que os médicos conheçam o Código de Ética e que as regras e relações fiquem explícitas aos profissionais.
"(Precisamos) Lembrar sempre que o Código de Ética é um orientador de conduta, que ele serve não só para essa relação trabalhador-empregador, trabalhador-empresa ou empregado-empregador, mas que ele serve para todos que compõe a sociedade, é uma forma que se deve ter explícita. Para que se componha um tecido social de tal forma que haja sempre o respeito aos direitos de todos", diz.