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Por que a renda das bilheterias do futebol cearense ainda é baixa?
Reportagem Especial

Por que a renda das bilheterias do futebol cearense ainda é baixa?

Mesmo vivendo um momento histórico, com estádio lotado e na disputa de uma competição internacional, o Fortaleza Esporte Clube ainda arrecada valores muito abaixo daqueles gerados por gigantes do futebol nacional. O que pode explicar isso? E Ceará e Ferroviário, como estão?

Por que a renda das bilheterias do futebol cearense ainda é baixa?

Mesmo vivendo um momento histórico, com estádio lotado e na disputa de uma competição internacional, o Fortaleza Esporte Clube ainda arrecada valores muito abaixo daqueles gerados por gigantes do futebol nacional. O que pode explicar isso? E Ceará e Ferroviário, como estão?
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Bons ventos foram soprados na economia do futebol brasileiro nos últimos anos. Além de contar com patrocinadores multimilionários, os clubes estão vendo as arquibancadas lotadas se tornarem fortes aliadas para abastecer suas finanças. Nesse sentido, o Fortaleza Esporte Clube tem se apresentado com um desempenho de excelência dentro de campo, o que tem causado reflexo direto na maior presença dos torcedores em suas partidas. Apesar disso, os valores gerados pelos ingressos cearenses ainda estão muito aquém daqueles levantados por times de extensões nacionais.

Na Série A do Campeonato Brasileiro de 2022, por exemplo, mais de 8,1 milhões de torcedores compareceram aos estádios, produzindo uma renda de R$ 150 milhões aos cofres dos clubes. Os dados foram divulgados por um relatório produzido pela Diretoria de Competições, da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que compilou dados de público e renda das Séries A e B do Brasileirão e da Copa do Brasil do ano passado.

Entre as equipes da elite do futebol nacional (Série A), o Flamengo foi o que mais levou torcedores ao estádio, um total de 1.037.387. O levantamento considera as 19 partidas que as equipes têm sob os seus domínios ao longo da competição, isto é, os jogos realizados em seus estádios. Deste modo, Corinthians (736.636) e Palmeiras (682.910) aparecem na segunda e terceira posições, sendo seguidos pelo Fortaleza que foi a equipe de fora do eixo Rio de Janeiro-São Paulo que levou mais público às suas partidas: 626.267 torcedores. Na mesma lista, o Ceará aparece em oitavo (518.610) – à frente de equipes como Internacional e Botafogo.

Ranking de maiores públicos presentes no Brasileirão de 2022

 

A média de público da dupla cearense foi a seguinte: Fortaleza, 32.961 torcedores por partida; Ceará, 30.506 torcedores por partida – lembrando que foram desconsiderados dois jogos do Vovô que aconteceram com portões fechados e, portanto, sem público, devido à uma punição sofrida pelo clube.

Já no Brasileiro de 2023, durante o primeiro turno, a média de público do Fortaleza na competição subiu para 33.960 torcedores. Apesar disso, o Leão desceu duas posições na lista de maiores médias de público, ficando atrás de Flamengo (54.668), São Paulo (48.650), Corinthians (39.618), Palmeiras (38.249) e Bahia (35.493).

O ponto que mais chama atenção, porém, não está na quantidade de pessoas que visitam a Arena Castelão pelo Tricolor do Pici. Isso porque, quando visualizado o ranking da média de renda, o clube cearense despenca para o 17º lugar, com arrecadação de “apenas” R$ 468.667 por partida. O líder nesse quesito é novamente o Flamengo, que contabiliza R$ 3.435.603 jogo a jogo. Palmeiras, São Paulo, Corinthians e Grêmio, por sua vez, vêm na sequência com renda superior a R$ 2 milhões.

Ranking de maiores públicos presentes no 1º turno do Brasileirão de 2023

 

Agora para além do Brasileirão, o Fortaleza trabalha em outra frente que é a Copa Sul-Americana. Mas mesmo no torneio continental, no qual fez história ao se classificar para a final contra a LDU (Equador) em jogo único no Uruguai, em 28 de outubro, o Tricolor não conseguiu sequer bater a marca de R$ 2 milhões de arrecadação. Na partida de semifinal diante do Corinthians, o clube contou com 60.451 presentes na Arena Castelão, porém registrou uma receita bruta que pode não representar a importância daquela noite para o Leão: R$ 1.829.561.

Dias antes, o futebol brasileiro viu um recorde ser batido nas arquibancadas dos estádios Maracanã (RJ) e Morumbi (SP), durante as finais da Copa do Brasil entre São Paulo x Flamengo. O troféu da competição ficou com o Tricolor Paulista, que venceu no placar agregado por 2 a 1. Mas o Rubro-Negro também pôde comemorar, já que alcançou o status de maior arrecadação entre clubes de todos os tempos.

O troféu da Copa do Brasil de 2023 ficou com o São Paulo, que venceu o Flamengo no placar agregado por 2 a 1(Foto: Felipe Iruatã / saopaulofc.net)
Foto: Felipe Iruatã / saopaulofc.net O troféu da Copa do Brasil de 2023 ficou com o São Paulo, que venceu o Flamengo no placar agregado por 2 a 1

No duelo do Rio de Janeiro, em 17 de setembro, 67.350 torcedores compareceram à partida, resultando em uma renda de R$ 26.343.300. Sete dias depois, no Morumbi, o público foi de 63.077 e a renda R$ 24.520.800, valor suficiente para agarrar o top 2 das maiores bilheterias do futebol nacional.

Mas o que explicaria valores tão discrepantes em partidas emblemáticas e com tanto público? Editor de Esportes do O POVO, Lucas Mota aponta para a diferença de preço dos ingressos cobrados nas partidas realizadas no Sudeste e no território cearense. Enquanto o preço médio das entradas para as finais da Copa do Brasil custavam cerca de R$ 390 – fator bastante criticado pelas torcidas são-paulinas e flamenguistas –, em Fortaleza os bilhetes variaram de R$ 40 (meia) a R$ 300 (inteira no setor premium).

Outro ponto relevante fica por conta da forma como as equipes atuam com seus planos sócio-torcedor. “Os planos do Fortaleza dão descontos muito significativos ou dão direito até mesmo ao ingresso sem custo adicional”, explica Lucas, que também assina coluna aqui no OP+.

 

 

Torcida de Ceará e Ferroviário comparecem mesmo em divisões inferiores

Se mesmo disputando competição internacional o futebol cearense arrecada menos do que os grandes clubes do País, imagine como é a situação de quem joga torneios menores. Participando das Séries B e D do Campeonato Brasileiro, porém, Ceará e Ferroviário contaram com o apoio do torcedor ao longo das competições nacionais durante 2023, conseguindo bons públicos e boas arrecadações.

Rebaixado em 2022, o Vovô vive uma má fase esportivamente e administrativamente mesmo após conquistar o título da Copa do Nordeste. Hoje sem muitas perspectivas de retorno à Série A de 2024, a equipe alvinegra possui a maior média entre as equipes da segunda divisão do futebol nacional. São 24.660 torcedores por partida e renda de R$ 154.750 quando joga sob seus domínios. Ao longo da competição, os ingressos variaram entre R$ 15 (meia) e R$ 240 (inteira premium).

Em duas camadas abaixo do futebol nacional, já em outro patamar financeiro e esportivo, o Tubarão da Barra realizou uma campanha histórica na Série D, tornando-se campeão de maneira invicta. No torneio, a equipe teve em seus jogos a presença de apenas 1.993 torcedores, mas contou com média de arrecadação de R$ 20.599,50 a cada partida. O clube chegou a fazer inúmeras ações durante o campeonato, como entradas gratuitas ou por troca de alimentos.

 

 

“Não é só o ingresso que tem que contar”

A estrutura financeira do futebol estaria baseada em um tripé apoiado por recursos de direitos de transmissão, de patrocínio e da renda das bilheterias. Essa última, porém, teria ficado escanteada pelos clubes brasileiros durante anos e só agora tomado seu protagonismo devido, conforme aponta o sócio-diretor da Escola The360, Lucas Benevides. Apesar disso, ainda hoje é preciso pensar estratégias que vão além da venda dos ingressos para que os clubes consigam planejar diferentes formas de receitas nos dias de jogos.

Trabalhando com cursos que pregam a melhor qualificação das pessoas que sonham em atuar no futebol, a The360 nasceu em 2014 e vem desde então acompanhando as transformações pelas quais o esporte tem passado. Entre essas mudanças está a profissionalização de diversas áreas, o que passou a impactar no jogo como um todo. De acordo com Lucas Benevides, isso serviu para que os clubes também passassem a pensar em criar novas receitas ou ampliar aquelas que já existiam.

“Hoje o mercado está mais profissional e essa foi a grande mudança que aconteceu. E isso afetou todas as áreas do futebol, incluindo as bilheterias”, afirma, explicando que antes o valor dos ingressos, por exemplo, se dava de maneira “bem aleatória” pelos times. “Antigamente, por mais que a gente já tivesse grandes jogos e com públicos gigantescos, a própria capacidade dos estádios também era maior do que hoje, não se tinha um trabalho consciente de precificação”, pontua, informando que com o decorrer do tempo os clubes foram se preocupando mais com a experiência como um todo do torcedor na arquibancada.

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Lucas Benevides defende que a profissionalização do futebol afetou diversas áreas do esporte

Tirar o torcedor da sua casa e levá-lo para o estádio também é uma ação que precisa ser muito bem estudada e que carece de muitas variáveis. O momento do time dentro de campo, assim como a competição da qual participa, certamente estão entre os principais motivos para que o clube consiga atrair um bom público.

Mas ao contrário de como acontece em um mercado convencional, onde os preços de algo com muita procura tendem a subir, os clubes têm diante de si uma balança muito sensível para lidar. Afinal, eles devem aproveitar o bom momento e aumentar os preços? Ou devem manter uma boa relação com o torcedor, com preços baixos, mas assim correrem o risco de estagnar suas finanças?

“Esse cálculo é muito sensível, porque o clube acaba acostumando o torcedor quando adota alguma estratégia. Mas isso vai muito do objetivo do clube, que às vezes pode ir além do financeiro, como no caso do Fortaleza. Por isso, é preciso levar em conta também que existem outras formas do clube arrecadar com o público já no estádio. O torcedor que já está ali pode comprar produtos oficiais ou vai se alimentar. A equipe pode eventualmente fazer uma ação com um patrocinador para expor o seu produto no estádio e assim cobrar por isso. Então não é só o ingresso que tem que contar”, declara.

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