O nanismo é caracterizado pela deficiência no crescimento, resultando em pessoas que, mesmo na fase adulta, têm um tamanho abaixo da média populacional. A condição é considerada rara. Estima-se que a cada 10 mil nascimentos no mundo, 3,2 indivíduos têm esse tipo de deficiência de crescimento, conforme dados do Instituto Nacional de Nanismo (INN).
No Brasil — e também em nível mundial —, a visibilidade, a inclusão e o fim do preconceito são as principais bandeiras levantadas por quem vive com essa deficiência.
“O nanismo é uma característica física, não uma doença”, ressaltou o médico geneticista do Hospital Sírio-Libanês e integrante do Instituto Nacional de Nanismo (INN), Wagner Baratela, no 6° Encontro Nacional do Instituto Nacional de Nanismo (INN) realizado em Maceió, no estado de Alagoas, entre os dias 12 e 14 de outubro.
O encontro anual é realizado pelo INN e engloba os movimentos Somos Todos Gigantes, que cuida de famílias de crianças e adolescentes com nanismo, e Nanismo Brasil, voltado para adultos com nanismo. No País, 25 de outubro é o Dia Nacional de Combate ao Preconceito às Pessoas com Nanismo.
No Brasil, o nanismo foi reconhecido como uma deficiência em 2004. Contudo, a falta de visibilidade, inclusive na coleta de dados, interfere na aquisição de políticas públicas. No Ceará, não há dados sobre a quantidade de pessoas com nanismo compilados pela Secretaria da Saúde do Ceará (Sesa) e pelas Sociedades Brasileira de Ortopedia e Traumatologia - Regional Ceará (SBOT-CE) e Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM).
Segundo a presidente do Instituto Nacional de Nanismo (INN), Juliana Yamin, esse deficit é falta de interesse governamental. “Políticas públicas são formuladas através do conhecimento da população e demandas. Saber quantos são e onde estão, em que condições essas pessoas vivem, certamente faria com que a pauta do nanismo ganhasse mais visibilidade”, comenta.
Ela também ressalta a dificuldade da própria pessoa se reconhecer como pessoa com nanismo, "por desinformação ou mesmo por querer fugir do estereótipo". De forma geral, ter nanismo significa que a pessoa tem uma estatura patologicamente mais baixa do que a maioria da população. Para homens, convencionou-se classificar como pessoas com nanismo os homens adultos com menos de 1,45 metro (m) de altura. Já para as mulheres, essa marca fica abaixo de 1,40 m.
“No entanto, é essencial considerar que, em uma população diversificada como a brasileira, existem variações de altura. Há famílias sendo naturalmente mais baixas e outras mais altas. Além disso, dentro das diferentes regiões do Brasil, podem ocorrer variações”, comenta Baratela.
O nanismo, contudo, vai além da altura. Há muitas comorbidades envolvidas na condição de quem tem a baixa estatura como uma de suas características. Conforme Wagner Baratela, os estudos envolvendo as pessoas com nanismo evoluíram bastante, especialmente nos últimos dez anos. Atualmente, há mais de 750 patologias raras catalogadas que podem causar alterações no ritmo do crescimento.
“O nanismo normalmente tem causas genéticas que podem ou não ser hereditárias, também podem ser hormonais. Na maioria dos casos, ele é causado por displasias esqueléticas, doenças genéticas que atrapalham o desenvolvimento do esqueleto”, comenta o especialista.
As características do nanismo se desenvolvem, no geral, na primeira infância. Com a evolução da medicina, contudo, algumas patologias que causam baixa estatura podem ser identificadas ainda no período de gestação. Existem também formas em que o bebê pode nascer aparentemente sem a condição, mas após dois ou três anos de vida começa a não seguir o padrão de crescimento esperado. Nesses casos, o diagnóstico é feito por meio da comparação das curvas de crescimento.
"A primeira etapa consiste em obter o diagnóstico daquela criança. A partir disso, é possível entender melhor o prognóstico, os possíveis problemas que ela pode enfrentar além da altura, como problemas respiratórios ou motores, e encaminhá-la para os tratamentos adequados”, explica Baratela.
Os pacientes devem ser acompanhados por uma equipe multiprofissional, como pediatra, endocrinologista, ortopedista, neurologista, fisioterapeuta e fonoaudiólogo. A maioria das opções de tratamento com medicamentos. Em alguns casos, procedimentos cirúrgicos podem estabilizar e corrigir malformações ósseas, auxiliando na melhora da qualidade de vida.
Diagnosticado com Displasia Diastrófica e também uma pessoa com nanismo, o doutor Wagner Baratela passou por 25 cirurgias, do nascimento aos 14 anos, devido à deformidade óssea da doença. Atualmente, o médico geneticista se locomove com uma scooter (especie de cadeira de rodas elétrica). “Complicações ortopédicas são uma constante em casos de nanismo desproporcional como Acondroplasia e Displasia Diastrófica. Mas a vida com nanismo varia de acordo com o tipo de condição e o grau de gravidade”, comenta.
O geneticista ainda comenta sobre os estereótipos sobre pessoas com nanismo. “Durante muitos séculos, fomos vistos como algo cômico e nunca levados a sério. Isso machuca. É sempre uma jornada difícil quando um casal tem um bebê com alguma diferença, principalmente uma doença rara. Mas, talvez, a maior dificuldade a se enfrentar é o preconceito”, diz Baratela.
O ponto de vista do médico geneticista é semelhante ao da família do cearense Eli Brito Bezerra, do Crato. Aos 10 anos, caçula foi diagnosticado com acondroplasia, doença mais comum que causa o nanismo. “No ultrassom morfológico, o médico percebeu que ele tinha um encurtamento dos braços e das pernas. Mas o diagnóstico só veio quando ele nasceu, quando nós fizemos uma consulta com um geneticista, que avaliou o crescimento. Depois fizemos um teste genético, que constatou a acondroplasia”, explica a mãe de Eli, Alessandra Bezerra dos Santos.
Para ela, que com o marido Hernando tem outras duas filhas, Maria Clara e Rebeca, de 25 e 12 anos, o maior desafio também é o preconceito. “Em termos de acompanhamento médico, embora tenhamos que ter uma atenção a mais, não é tão difícil quanto os problemas de inclusão, os olhares julgadores”, comenta a mãe.
Ela explica que o garoto está na mesma escola - com a mesma turma - desde os 3 anos, o que facilita o companheirismo com os outros colegas. Mesmo assim, a família já teve que lidar com problemas de bullying. “Aí eu pressiono a escola, e a gestão me dá muito apoio nesses momentos. O preconceito não parte das crianças, vem dos adultos e as crianças refletem. A gente tem que ensinar aos filhos da gente sobre inclusão.”
as mudanças físicas e comportamentais da puberdade são preocupações que tomam conta da cabeça da mãe. “Se para uma criança que não tem nenhum tipo de deficiência já é uma fase difícil, então para ele mais ainda. Ele vai querer conhecer o corpo dele e também se interessar por outras pessoas”, diz Alessandra.
No caso da família de Eli, a busca por tratamento para o caçula foi um obstáculo, segundo a mãe. “Embora o Crato não seja uma cidade tão pequena, por conta de não haver tantas crianças com nanismo, [aparentemente] os médicos não têm muito interesse no assunto lá. Os médicos que nós tentamos comparavam o Eli com crianças de estatura normal, então não tinha como ter um acompanhamento ortopédico ou neurológico específico para o caso dele”, relata Alessandra Bezerra dos Santos.
Pelo desejo de ver seu filho, na época ainda um bebê, ser acompanhado por profissionais que já tivessem experiência com outras crianças com nanismo, Alessandra optou por procurar atendimento médico particular em Fortaleza.
Depois de muitas viagens à Capital em busca de tratamento, principalmente em decorrência de problemas respiratórios de Eli, a família agora vai apenas a cada seis meses realizar os exames de rotina.
No Ceará, pessoas com nanismo podem ter acesso a tratamento especializado no Hospital Universitário Walter Cantídio, Hospital Infantil Albert Sabin (indivíduos menores de 18 anos) e Hospital Geral de Fortaleza - HGF (indivíduos maiores de 18 anos).
Para obter atendimento, conforme a Secretaria da Saúde (Sesa), o paciente deve primeiramente procurar uma Unidade de Atenção Básica ou Primária para ser encaminhado pelo sistema de regulação de vagas.
Um em cada 26 mil a 40 mil nascimentos, é o tipo mais comum. Membros curtos, tronco largo e estreito.
Um a cada 95 mil nascimentos. Tronco curto, epífises anormais, e corpos vertebrais achatados.
Um a cada 110 mil nascimentos. Baixa estatura, braços e pernas curtos. A maioria tem dores e deformidades articulares.
A estudante Caroline Ferreira, 27, natural de Maceió, conta que a família descobriu o nanismo quando ela era um bebê, no período em que começou a dar os primeiros passos. “Ao andar, meus pais perceberam que as minhas pernas eram um pouco arqueadas. Eles também notaram que eu não crescia como as outras crianças. Então, procuramos os médicos, mas o diagnóstico veio quando eu já tinha quase 8 anos”, relata.
Durante a infância, Caroline conta colecionar boas memórias e ter sido bem recebida nas escolas em que frequentou. Para ela, a ajuda da família foi fundamental para conseguir se tornar uma pessoa independente. O impacto da diferença, contudo, foi sentido na fase adulta.
“Quando entrei na faculdade, quando eu fiz um curso técnico, eu sentia os olhares das pessoas. Não era algo explícito, mas os olhares entregavam o julgamento. As pessoas não enxergam nossa capacidade, não nos enxergam como profissionais, que podemos ter excelência”, explica a técnica de enfermagem e, atualmente, estudante de Relações Públicas.
Outra questão apontada por Caroline Ferreira é em relação à vida amorosa. “Pode ser difícil e, às vezes, até solitário para muitas pessoas com nanismo. Infelizmente, o preconceito ainda é forte, e muitas pessoas ainda não sabem lidar com as pessoas que têm uma deficiência.”
A repórter viajou a convite do Instituto Nacional de Nanismo (INN)