Durante a sua trajetória, Sérvulo Esmeraldo foi múltiplo. As diversas facetas que o acompanhavam não se restringiam às artes. O cearense foi vários em um nos estudos (a partir das diferentes escolas nas quais estudou) e nos percursos realizados (morando em cidades como Crato, Fortaleza e Paris), por exemplo.
Em 2023, públicos de diferentes cidades puderam apreciar o legado deixado pelo artista, que foi escultor, gravador, ilustrador e pintor. De abril a agosto, o Centro Cultural do Banco do Brasil (CCBB) no Rio de Janeiro sediou a exposição “Sérvulo Esmeraldo: Linha e Luz”, que sintetizou a vasta produção de Sérvulo e recebeu mais de 100 mil visitantes.
A retrospectiva - a maior dedicada ao cearense - passou a ser exibida também em São Paulo, cuja unidade do Centro Cultural do Banco do Brasil disponibiliza para visitação até 20 de novembro 110 obras de Sérvulo Esmeraldo. Para além da quantidade de trabalhos exibidos, a mostra se destaca pelo espaço ocupado, pois preenche do segundo andar ao subsolo do CCBB de São Paulo.
Até a publicação desta matéria, mais de 23 mil pessoas haviam visitado a “Linha e Luz” na capital paulista. O movimento demonstra a importância de Sérvulo Esmeraldo no País - e contrasta com uma ausência sentida em seu estado de origem quanto a uma exposição que dimensione a grandeza de seu legado.
“Sérvulo Esmeraldo: Linha e Luz” é realizada sob a curadoria da pesquisadora Dodora Guimarães e Marcus de Lontra Costa. Entre as obras contempladas estão gravuras, esculturas, objetos e desenhos que demonstram o talento e a inteligência do artista, apresentando desde pequenos trabalhos “até a sua transposição para o espaço tridimensional”.
Sobre a exposição, Dodora enfatiza: “É muito gratificante e recebo com muita alegria, porque também é reflexo do trabalho do Instituto Sérvulo Esmeraldo. Nós trabalhamos não apenas para manter a memória do Sérvulo, mas para ativá-la. Nós queremos, com o Instituto, não somente difundir sua obra, mas colaborar para o processo da arte contemporânea do Ceará - tendo ele como referência da arte cearense”, enfatiza.
Essa é a primeira retrospectiva após a morte de Sérvulo Esmeraldo, que faleceu em 2017, aos 87 anos, e passeia por quase seis décadas de produções em São Paulo, na França e no Ceará. Nascido no Crato, chegou a passar 20 anos na França graças a uma bolsa de estudos e se consolidou como referência na arte brasileira, especialmente na arte cinética.
Dodora Guimarães relatou ter se surpreendido ao saber que “muitos críticos de arte não conheciam várias das obras do Sérvulo”. Assim, se “para os críticos e historiadores da arte a exposição surpreende”, promove o exercício de imaginação de como tem sido para as novas gerações que não tiveram contato com sua arte.
“A exposição teve repercussão nacional e foi um momento muito bacana, porque foi a primeira grande retrospectiva do Sérvulo após seu falecimento. Como ele morou parte de sua vida na Europa, parte de sua obra é desconhecida no Brasil, sobretudo para as novas gerações. ‘Excitáveis’, por exemplo, que hoje é uma série muito referendável do Sérvulo, só foi exposta na retrospectiva dele na Pinacoteca de São Paulo em 2011”, resgata.
Além de ressaltarem o legado de Sérvulo, as mostras Brasil afora podem contribuir em outros aspectos, como elevar o reconhecimento do trabalho nordestino e cearense pelo País. “Essas exposições contribuem para a difusão da obra do Sérvulo e para o reconhecimento da importância desse trabalho. Isso é muito bom para a arte cearense, nordestina e brasileira”, afirma Dodora Guimarães.
A exposição no CCBB também indica o movimento do centro cultural de “expandir” a concentração de mostras no equipamento para artistas de outras regiões, e não apenas restringir a Rio de Janeiro e São Paulo.
“Temos que sair desse eixo do Sudeste, onde existe uma concentração até geográfica de mais escolas e formações de artistas. Temos que abrir espaço para artistas do Nordeste, do Norte e do Centro-Oeste que às vezes são pouco vistos nesse eixo Rio-São Paulo”, afirma Cláudio Mattos, gerente-geral do CCBB/SP.
De acordo com o profissional, foi “uma alegria” para a instituição organizar a mostra. O espaço reveza entre projetos nacionais e internacionais - e, no caso de Sérvulo, tratou-se de um artista brasileiro com grande repercussão no exterior.
Ele ressalta o volume de visitantes na exposição: “Temos recebido diversas turmas do programa educativo. É uma mostra que chama a atenção”.
Ele acrescenta: “As pessoas saem encantadas. Acho que o próprio trabalho do Sérvulo tem potencial de diálogo com o prédio do CCBB. É uma obra muito adaptável aos espaços e traz vida. É um trabalho que teve um diálogo muito bacana”, aponta.
O fato de “Linha e Luz” ter passado por equipamentos culturais de grande relevância no Rio de Janeiro e em São Paulo contribui para a disseminação não apenas da obra de Sérvulo Esmeraldo, mas também para o incentivo ao conhecimento da produção cearense e nordestina.
Para Sérvulo, o gratificante era o reconhecimento de seu trabalho, onde quer que estivesse, mas é fato que também defendeu sua trajetória artística em Fortaleza, cidade que não era considerada o principal centro. Segundo Dodora, ele até era questionado por essa escolha. Em matéria publicada no O POVO em 7 de dezembro de 1989, ele compartilhou sua afeição pela capital cearense.
“É a cidade de minha infância, de minha adolescência e hoje é uma cidade suficientemente bem-aparelhada para que eu possa desenvolver meu trabalho. Aqui estão minha mãe e meus amigos de longas datas. A escala de Fortaleza ainda é uma escala humana, que me permite deslocamentos de uma ponta a outra em poucos minutos e a qualidade de vida aqui você não encontra em outras grandes cidades”, disse.
“Acho que a presença dele em Fortaleza foi muito importante porque ele não somente chamou a atenção da Cidade para o sistema da arte brasileira como pôde provar para nossos artistas cearenses que era possível viver de arte”, avalia Dodora.
Sérvulo Esmeraldo foi um artista de grande relevância em nível nacional e internacional. Entretanto, após seu falecimento, os holofotes para seu trabalho não têm sido direcionados da maneira devida no Ceará - ao menos essa é a interpretação que Dodora Guimarães apresenta sobre o cenário atual em terras locais.
Ela relata que ainda não foi procurada para a realização de uma grande mostra sobre Sérvulo Esmeraldo em museus cearenses nem nos novos equipamentos instalados em Fortaleza, a exemplo da Pinacoteca do Ceará, na Estação das Artes. “Nenhum museu cearense pensou ainda em fazer uma homenagem, uma exposição de Sérvulo”, enfatiza a pesquisadora.
O apontamento de Dodora se refere ao período após a morte do escultor. Houve ações em homenagem a Sérvulo Esmeraldo, sim, como em 2018, quando o Museu da Indústria realizou a exposição “A Intenção e o Gesto” como parte do Prêmio Marcantonio Vilaça. A mostra do equipamento do Serviço Social da Indústria (SESI Ceará) reuniu trabalhos de Sérvulo e outros dez artistas contemporâneos que dialogam com sua produção.
Em fevereiro de 2019, a Secretaria da Cultura do Estado (Secult-CE) abriu o “Ano Cultural Sérvulo Esmeraldo”, com programação para celebrar os 90 anos do artista plástico cearense que seriam completados naquele ano.
Além disso, Dodora confirma a intenção de levar “Linha e Luz” para o Centro Cultural do Cariri - que inclusive leva o nome de Sérvulo. De acordo com a curadora, Thiago Santana, presidente do Instituto Mirante (que gere o Centro), se mostrou interessado na proposta. Entretanto, quando entram em cena outros espaços cearenses, Dodora considera faltar diálogo para mostras. “Os museus do Ceará estão devendo uma grande exposição, uma homenagem ao Sérvulo”, indica.
Ela também considera “preocupante” um equipamento como a Pinacoteca do Ceará não realizar exposição que abranja o legado de Sérvulo Esmeraldo. “Ele é um dos pilares da arte cearense. Você pode não gostar de sua obra, mas não pode ignorá-la”, analisa.