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Desertos e pântanos alimentares: a fome que persiste mesmo com o prato cheio
Reportagem Especial

Desertos e pântanos alimentares: a fome que persiste mesmo com o prato cheio

Alimento à mesa todos os dias é o sonho de muitos brasileiros que ainda vivem à sombra da incerteza de se vão ter ou não o que comer. Mas o simples fato de "matar a fome" não os livra da insegurança alimentar e nutricional, que pode se fazer presente tanto na escassez como na abundância. Especialistas apontam que o acesso a alimentos saudáveis deve ser facilitado e que ultraprocessados precisam ser evitados. Entre os motivos estão os riscos à saúde e à vida humana

Desertos e pântanos alimentares: a fome que persiste mesmo com o prato cheio

Alimento à mesa todos os dias é o sonho de muitos brasileiros que ainda vivem à sombra da incerteza de se vão ter ou não o que comer. Mas o simples fato de "matar a fome" não os livra da insegurança alimentar e nutricional, que pode se fazer presente tanto na escassez como na abundância. Especialistas apontam que o acesso a alimentos saudáveis deve ser facilitado e que ultraprocessados precisam ser evitados. Entre os motivos estão os riscos à saúde e à vida humana
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A existência de uma mesa farta muitas vezes pode encobrir desafios profundos ligados à insegurança alimentar. Presentes em lares de todo o Brasil, diversos produtos surgem como verdadeiras miragens para quem tem fome, mas ao mesmo tempo podem esconder a escassez nutricional que afeta sobretudo as populações mais pobres. No contexto em que alimentos ultraprocessados passam a ganhar mais destaque no prato dos brasileiros frente aos alimentos naturais ou pouco processados, um alerta de perigo iminente foi aceso e está causando preocupação tanto com a saúde como com a vida humana.

É inegável que comida é para ser servida para quem precisa, principalmente no cenário atual em que o Brasil retornou ao temido Mapa da Fome. Por outro lado, uma discussão tem gerado bastante apreensão entre pesquisadores e organismos nacionais e internacionais que é a qualidade (ou a sua falta) naquilo consumido pelas pessoas dia após dia em suas refeições. Alimentos transformados, adaptados e criados de maneira totalmente industrial, comuns em dietas em todo o mundo, são de longe ricos em várias substâncias, com exceção daquelas consideradas saudáveis.

Pesquisas revelam que alimentos ultraprocessados são responsáveis por mais mortes do que as causadas por acidentes no Brasil (Foto: Tatjana Baibakova)
Foto: Tatjana Baibakova Pesquisas revelam que alimentos ultraprocessados são responsáveis por mais mortes do que as causadas por acidentes no Brasil

Biscoitos recheados, salgadinhos, barras de cereais, macarrão instantâneo, sopas de pacote, sorvetes e refeições congeladas prontas para consumo, geralmente acompanhadas de refrigerantes ou outras bebidas saborizadas artificialmente, são alimentos que indiscutivelmente fazem parte dos hábitos alimentares de boa parte dos brasileiros. Vendidos em estabelecimentos que vão dos supermercados às cantinas de escolas, dos postos de combustíveis às farmácias, esses produtos compõem uma categoria conhecida como “ultraprocessados”.

Esses alimentos fazem parte da linha de produção da indústria alimentícia, a qual foi responsável por movimentar mais de R$ 1 trilhão em faturamento no território nacional em 2022, conforme aponta a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (Abia). Principal representante do setor no País, a Abia informa orgulhosamente em seu site institucional que “a indústria de alimentos e bebidas é a maior do Brasil”, representando 10,8% do Produto Interno Bruto (PIB) "Soma de todos os bens e serviços finais produzidos numa determinada região. Este é um dos indicadores mais utilizados na macroeconomia com o objetivo de quantificar a atividade econômica de uma região."  brasileiro e processando 58% de tudo o que é produzido no campo.

Reunindo mais de 38 mil empresas e gerando 1,8 milhão de empregos diretos, ela tem entre suas missões “potencializar o papel dos alimentos industrializados na segurança alimentar do Brasil e do mundo”. Tal compromisso, a propósito, tem sido cumprido com maestria, prova disso está nas prateleiras de empreendimentos comerciais de cidades grandes e pequenas, em bairros ricos e pobres, de norte a sul do País.

A grande questão, porém, é que este tipo de alimento tem ganhado cada vez mais destaque no prato de crianças, adultos e idosos pelos mais diversos motivos, ao passo que têm causado prejuízos à saúde e à vida de milhares de pessoas anualmente.

 

Neste contexto, a frase a seguir pode ser soprada com ar de estranheza nos ouvidos de muitos, mas se torna necessária de ser propagada: os alimentos ultraprocessados seriam responsáveis pela morte de aproximadamente 57 mil brasileiros por ano. A informação foi divulgada pelo estudo “Mortes prematuras atribuíveis ao consumo de alimentos ultraprocessados no Brasil”, realizado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), da Fiocruz, da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e da Universidad de Santiago de Chile, e publicado na revista científica American Journal of Preventive Medicine.

De caráter inédito, a pesquisa calculou que das 541.160 mortes de pessoas entre 30 e 69 anos contabilizadas em 2019, 10,5% seriam decorrentes de uma dieta à base do consumo de alimentos ultraprocessados. Com o intervalo de certeza de 95%, porém, este valor pode facilmente cair para 33.493 óbitos ou mesmo saltar para 82.570 óbitos.

Ao considerar somente o dado médio trabalhado pela pesquisa (57 mil), a gravidade deste problema continua evidente. Para se ter ideia, este número por si só já seria superior aqueles ocasionados por males como homicídios e acidentes de trânsito, ou por doenças como câncer de mama e de próstata, conforme lembra o site especializado em alimentação, saúde e poder “O joio e o trigo”.

 

Mortes prematuras no Brasil em 2019 por tipo

 

Como forma de reduzir essas perdas, os pesquisadores apontam para a necessidade de diminuir drasticamente o consumo destes produtos. “(No entanto) A contribuição dos alimentos ultraprocessados na ingestão energética total dos adultos brasileiros variou de 13% para 21% entre 2002 e 2018”, dizem os especialistas no artigo, mencionando que este tema deveria se tornar uma prioridade nas políticas alimentares para tentar conter a mortalidade prematura no País.

Ilana Bezerra é professora permanente e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Nutrição e Saúde da Uece(Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal Ilana Bezerra é professora permanente e coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Nutrição e Saúde da Uece

O aumento desta presença no prato, inclusive, tem proporcionado certo espanto na comunidade acadêmica, sobretudo devido aos aspectos elementares da concepção dos ultraprocessados. “É importante destacar que suas próprias características são de alimentos ricos em açúcar, gordura e sal”, identifica Ilana Bezerra, professora permanente do curso de Nutrição da Universidade Estadual do Ceará (Uece).

Sua fala vai ao encontro da pesquisa “Os aditivos alimentares e o modelo de perfil nutricional da OPAS como elementos contribuintes para a identificação de produtos alimentícios ultraprocessados”. Realizado pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) em parceria com o Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde, da Universidade de São Paulo (Nupens/USP), o estudo foi publicado na revista Scientific Reports, apontando que 98,8% dos ultraprocessados encontrados em supermercados do Brasil têm um alto teor de sódio, gordura e aditivos químicos.

É verdade que a pesquisa analisou quase 10 mil produtos “apenas” de estabelecimentos de São Paulo e Salvador. Por outro lado, é relevante ressaltar também que pouquíssimas empresas controlam praticamente todas as marcas que produzem e distribuem a maior parte dos produtos (entre eles, os alimentos) disponíveis nas prateleiras espalhadas pelo Brasil. Desta forma, a probabilidade deste padrão se repetir no restante das capitais e cidades brasileiras é considerável.

 

Veja algumas das empresas que controlam a maioria das marcas disponíveis nos supermercados 

 

Ainda sobre o levantamento da UERJ e da USP, outro ponto que chama atenção é a identificação de dois tipos de aditivos químicos encontrados nos ultraprocessados: os cosméticos e os não cosméticos. Os primeiros servem para melhorar a aparência, a forma e o odor dos alimentos, com aromatizantes e sabores artificiais. Já a segunda categoria serve para garantir a segurança sanitária do alimento, com conservantes e estabilizantes.

Ao todo, 82,1% dos produtos ultraprocessados analisados pela pesquisa contêm pelo menos um aditivo alimentar cosmético e um nutriente crítico em excesso. Além do mais, foi identificado algum nutriente crítico em abundância em 100% de ultraprocessados como margarinas, bolos e tortas doces, chocolates e sorvetes. O percentual de biscoitos doces, alimentos frios e embutidos também com excesso de substâncias críticas foi superior a 99%. O resultado de tudo isso são graves danos à saúde dos consumidores, apontam os estudiosos.

“Os alimentos ultra processados devem ser evitados na dieta. Eles passam por um nível de processamento elevado e possuem ingredientes que não são possíveis de serem elaborados em casa, com substâncias que têm um sabor e uma cor muito acentuados”, classifica a professora Ilana Bezerra. Titular do curso de Nutrição da Uece, ela aponta que esses produtos comumente vêm em embalagens plásticas que, por sua vez, acabam por degradar ainda mais o meio ambiente.

“Outra característica é que os ultraprocessados também são feitos com muitos produtos que são sintetizados, sendo utilizados fontes orgânicas como o carvão e petróleo. Então, eles realmente não deveriam estar presentes na dieta. Segundo o nosso Guia Alimentar para a População Brasileira, uma regra de ouro é que as pessoas façam da sua alimentação baseada em alimentos in natura e minimamente processados. E evitem os ultraprocessados”, afirma.


Recomendações do Guia Alimentar para a População Brasileira (e uma regra de ouro)


 

Desertos e pântanos alimentares: onde a escassez e abundância se entrelaçam

Estudiosos por todo o Brasil apontam diferentes obstáculos a serem superados para alcançar a redução do consumo de produtos ultraprocessados. Todavia, antes de dar início a qualquer caminhada neste sentido, existe um entendimento primordial de que é necessário mapear e identificar quais tipos de alimentos são ofertados para as pessoas em cada lugar. A importância disso acontece porque dentre os muitos desafios encontrados para buscar uma mudança de hábitos alimentares está no acesso (ou na falta dele) a alimentos saudáveis.

“Hoje são trabalhados dois conceitos dentro da segurança alimentar e nutricional no Brasil, que são o acesso e a qualidade ao alimento. As pessoas têm o direito, que deve ser preservado, de acessar o alimento, comprando ou adquirindo de outra forma. Mas a gente também alerta para uma segunda face que é da insegurança alimentar, em que não basta a pessoa não passar fome. Quando ela acessa o alimento, também precisa que ele tenha qualidade”, afirma a nutricionista Larissa Loures Mendes.

Mestre e doutora em Enfermagem pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), de onde é professora adjunta do Departamento de Nutrição, ela é uma das referências nacionais na discussão sobre a disponibilidade física dos alimentos ofertados em determinadas regiões das cidades. Neste debate, são trabalhados os conceitos de “desertos e pântanos alimentares”, os quais são explicados no quadro abaixo:

 

Agora com o entendimento do que são desertos e pântanos alimentares, percebe-se que a discussão sobre esses conceitos se relacionam não somente com a escassez e a abundância, mas também com a (in)segurança alimentar e com a formatação da sociedade em si. Prova disso é que nos últimos anos o Brasil sofreu relevantes pioras de seus indicadores econômicos, o que abalou fortemente seus índices sociais. Em 2022, a propósito, o relatório Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo (SOFI) confirmou o retorno do País ao Mapa da Fome "Mecanismo que classifica países onde existe a prevalência da subalimentação (condição em que alimentos consumidos são insuficientes para manter uma vida ativa e saudável). Realizado pela Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), o mapa sinaliza países em que esta situação atinge mais de 2,5% da população." .

Mas afinal, o que é fome, palavra responsável por assombrar e causar dor em 21,1 milhões brasileiros atualmente?

Baseando-se em compreensões da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e do Unicef, a fome é “uma sensação desconfortável ou dolorosa causada pelo consumo insuficiente de calorias”. É uma privação alimentar também sinônimo de “subalimentação crônica”. Entre os principais pesquisadores da temática no Brasil, o médico Josué de Castro produziu estudos ainda no início do Século XX que apontam que as causas da fome são sociais e não naturais do ser humano.

“Seus conceitos são tão ou mais relevantes hoje”, confirma Luana Barros, nutricionista formada pela Universidade Estadual do Ceará (Uece) e mestranda no Programa de Nutrição em Saúde Pública da Universidade de São Paulo (FSP/USP). Ela informa que a definição da fome segue acompanhada da avaliação de três classificações da (in)segurança alimentar e nutricional.


Classificações de insegurança alimentar

“Assim, a fome e a insegurança alimentar grave são conceitos que se confundem, mas que dizem a mesma coisa. É a falta de comida no prato da população”, aponta.

Professora do curso de Nutrição da Uece, Ilana Bezerra menciona que segurança alimentar e nutricional também pode ser definida como a “realização do direito das pessoas ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis”. “É um conceito muito mais abrangente que vai além da privação de alimentos”, destaca.

 

 

Renda como impeditivo para acessar alimentação saudável

Obviamente que alimentar-se bem é importante, mas nem sempre isso é possível para muitos dos brasileiros. Tanto é que existem diversos motivos que impedem as pessoas de manterem um hábito alimentar saudável, conforme mostra a “Pesquisa Alimentação no Brasil - Novembro/2023”. Realizado pela plataforma Opinion Box, o levantamento aponta que quatro a cada dez brasileiros dizem que o preço dos alimentos é o principal obstáculo para que consigam comer melhor e mantenham uma alimentação saudável.


Obstáculos que impedem o brasileiro de manter uma dieta mais saudável

 

“A renda é um ponto importante, sim”, confirma Ilana Bezerra, professora permanente da Universidade Estadual do Ceará (Uece). Doutora em Ciências pelo Programa de Pós-graduação em Fisiopatologia Clínica e Experimental, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), ela lembra que existem vários estudos investigando e constatando que, nos últimos anos, os alimentos industrializados estão se tornando mais atrativos do que os alimentos naturais, principalmente para os mais pobres.

“Os alimentos ultraprocessados estão ficando cada vez mais baratos e acessíveis à população, principalmente a de baixa renda. Isso gera uma preocupação maior porque esta é uma população que tem menor acesso aos serviços de saúde e, portanto, suas condições de saúde se agravam. Então você vê que é uma questão bem maior do que só a comida em si.”

“Os ultraprocessados não atendem ao conceito de segurança alimentar e quando a gente pensa só em ‘matar a fome’, não pode pensar apenas em dar qualquer item ou substância para que a pessoa possa comer e acabar com a sensação fisiológica da fome. A gente tem que pensar em todo o contexto da segurança alimentar e nutricional, em todas as características do alimento que está sendo utilizado e consumido pela população”, prossegue.

Larissa Loures Mendes é professora adjunta da do Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)(Foto: Arquivo pessoal)
Foto: Arquivo pessoal Larissa Loures Mendes é professora adjunta da do Departamento de Nutrição da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

Para além da questão financeira que torna os ultraprocessados mais atraentes na hora da compra, os hábitos alimentares precisam ser observados com atenção. Conforme afirma a professora Larissa Loures Mendes, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), fora as pessoas que consomem esses alimentos por “questões de sobrevivência”, existem aquelas que o fazem por motivos de falta de educação alimentar e nutricional.

“Quando sai do escopo social, temos um grupo de pessoas que têm condição (econômica), mas que optam pelos ultraprocessados porque trabalham muito e precisam otimizar o tempo. Mas elas precisam ser convencidas de que o tempo economizado com a alimentação depois vai ser cobrado com a saúde”, comenta, mas sem deixar de mencionar que o “peso” da atividade de cozinhar também deve ser repensado, porque ele sempre recai sobre o gênero feminino.

Relembrando o tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que discutiu os “Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil”, Larissa exemplifica a situação de mães que mesmo tendo que sair de casa para trabalhar, ainda precisam cozinhar ao chegar em casa. “Então existe uma série de processos que envolvem uma alimentação saudável. Precisa haver a disponibilidade do gênero alimentício, a possibilidade de aquisição, a pessoa que vai prepará-lo. Não é uma mudança tão simplista”, afirma.

 

SAIBA MAIS: A discussão sobre o acesso a alimentos saudáveis já tem sido levantada nos Estados Unidos há alguns anos – inclusive com um forte viés racial. Entre os principais nomes nesse debate está Garrett M. Broad, professor de comunicação da Universidade de Rowan, em Iowa. Em seu livro More Than Just Food: Food Justice and Community Change (Tradução livre: "Mais do que apenas comida: justiça alimentar e mudança comunitária"), ele defende que a falta de acesso a alimentos saudáveis está ligada também a questões da raça, já que muitas vezes as comunidades negras são vítimas de discriminação e desigualdade no acesso a recursos e serviços básicos.

Garrett relembra que as origens do movimento por justiça alimentar nos EUA surgem com o Partido Panteras Negras no sul da cidade de Los Angeles. Ele argumenta ainda que não se pode desconsiderar as diferenças culturais e raciais em relação às desigualdades encontradas no sistema alimentar. Para o autor, “a injustiça alimentar é uma realidade quotidiana para muitos cidadãos do mundo”, diante disso, como consequência, uma série de problemas de saúde passam a atingir mais fortemente as populações negras (as mais vulneráveis em solo americano), com doenças cardíacas, obesidade, diabetes e patologias crônicas.

 


 

Iniciativas em Fortaleza que buscam alimentação saudável e o combate à fome

Como forma de aproximar o fortalezense a alimentos mais saudáveis, a capital cearense é palco para diferentes ações que visam combater a fome que atinge principalmente as populações mais vulneráveis da Cidade. Entre as operações realizadas neste sentido está o Programa de Aquisição de Alimentos, na modalidade de incentivo à produção e ao consumo de leite (PAA Leite), que tem como objetivo contribuir com a complementação nutricional de milhares de famílias por meio do abastecimento com a distribuição gratuita de leite.

Em uma ação conjunta entre Governos Federal e Estadual, o PAA Leite é conduzido pela Prefeitura de Fortaleza por meio da Secretaria dos Direitos Humanos e Desenvolvimento Social (SDHDS). À frente da Pasta, Francisco Ibiapina explica que são trabalhados dois fatores importantes na discussão do acesso à alimentação saudável na Cidade: a oferta de alimentos e o estímulo à sua produção. No programa de distribuição de leite, desta forma, o setor produtivo local e a agricultura familiar ganham prioridade na hora da aquisição desses produtos pelo Poder Público.

Atualmente, são 18,9 mil litros de leite distribuídos semanalmente para 106 instituições cadastradas e que atendem cerca de 60 mil pessoas. Entre elas estão instituições públicas, como abrigos e Centros de Referência da Assistência Social (CRAS). Associações de moradores, projetos culturais e outras entidades que realizam trabalhos sociais em Fortaleza também são atendidas com o recebimento do alimento.

Foto: Samuel Setubal / O POVO

Foto: Samuel Setubal / O POVO

Com trabalho próximo às comunidades que compõem a Barra do Ceará, a Associação Cultural Afro Brasileiro Pai Luiz de Aruanda está cadastrada no programa, com o recebimento semanal de 200 litros de leite. Implementando ações junto às comunidades tradicionais das religiões afro-nativa-brasileira, a entidade é presidida por Pai Ricardo de Xangô, cuja luta de vida vai ao encontro da construção de políticas públicas para igualdade racial e para os povos de terreiro.

“A associação fica localizada em uma das áreas da Cidade com os maiores índices de vulnerabilidade social, que é a Barra do Ceará”, comenta. Enquanto aguardava sua vez na fila de distribuição de leite em um galpão da SDHDS na avenida Bernardo Manoel, Pai Ricardo afirma que rodas de capoeira e palestras são ofertas àquela comunidade. Entretanto, por se tratar de uma instituição de matriz africana, ele conta que muitas pessoas acabam resistindo e não se envolvendo nas atividades por causa do preconceito.

“Por isso é muito interessante ter esse leite, porque com ele a gente percebe um aumento na participação das pessoas nas nossas atividades, pois a gente faz um lanche, um bolo, um mingau, então tudo isso, para quem tem fome, se torna um atrativo. Infelizmente muitas pessoas vivem nessa situação. Precisamos ajudá-las a tentar sair”, pontua.

Pai Ricardo de Xangô preside uma associação que implementa ações junto a comunidades tradicionais das religiões afro-nativa-brasileira, na Barra do Ceará(Foto: Samuel Setubal / O POVO)
Foto: Samuel Setubal / O POVO Pai Ricardo de Xangô preside uma associação que implementa ações junto a comunidades tradicionais das religiões afro-nativa-brasileira, na Barra do Ceará

Quem também participa do fornecimento é o Frei André, que atua na Casa Maria Mãe dos Migrantes na Providência de Deus, da Arquidiocese de Fortaleza. Destinado ao acolhimento de migrantes e refugiados, o local funciona no bairro Presidente Kennedy e atende hoje 27 pessoas que chegaram da Venezuela para a capital cearense. Ao todo, são seis famílias acolhidas e que recebem suporte para procurar emprego e regularizar suas documentações. O intuito é fazer com essas elas possam futuramente adquirir autonomia para dar prosseguimento às suas vidas na Cidade.

Foto: Samuel Setubal / O POVO

Foto: Samuel Setubal / O POVO

Segundo Frei André, o recebimento do leite se torna “de grande valia” por este ser “um alimento muito saudável”. Semanalmente são cem litros de leite para sua instituição. “Então é uma ajuda muito bem-vinda, porque se torna um gasto a menos para nós. Se a gente fosse comprar, sairia muito caro”, diz ele, que afirma ainda que a casa também atende aqueles que batem na sua porta. “A gente nunca diz ‘não’. A gente acolhe e serve a todos na medida daquilo que tem disponível”, completa.

“Ações como o PAA Leite ajudam a levar alimentos mais benéficos para a população”, retoma o gestor da SDHDS, que recentemente foi empossado na presidência da Câmara Intersetorial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan). A entidade é uma instância local que tem como objetivo atualizar e coordenar o Plano Municipal de Segurança Alimentar, cujas principais frentes são o combate à fome e a promoção do acesso à alimentação adequada e saudável.

Nesse sentido, Francisco Ibiapina comenta que o Poder Público pode e tem agido em diversas frentes que vão da oferta de alimentos (a exemplo do fornecimento de 145 mil refeições por mês a populações em vulnerabilidade social), passando pela orientação e educação nutricional em palestras e oficinas, até chegar à produção e facilitação de acesso à alimentos saudáveis por meio de hortas sociais e comunitárias, além da manutenção das feiras livres (abaixo veja onde elas estão localizadas na Capital).

No comando da SDHDS, Francisco Ibiapina foi recém-empossado na presidência da Câmara Intersetorial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan) para o biênio 2023-2025(Foto: Samuel Setubal / O POVO)
Foto: Samuel Setubal / O POVO No comando da SDHDS, Francisco Ibiapina foi recém-empossado na presidência da Câmara Intersetorial de Segurança Alimentar e Nutricional (Caisan) para o biênio 2023-2025

“A segurança alimentar é uma questão integrada de forma intersetorial, com uma boa participação do controle social orientando para a redução do consumo de alimentos ultraprocessados, ao mesmo tempo que tem que estar casada com o aumento da oferta de produtos saudáveis”, declara Ibiapina, informando que atualmente existe a discussão de realizar um projeto com a Fundação Getúlio Vargas de incentivo à agricultura urbana e interurbana.

“Tivemos uma conversa inicial para fazer um mapeamento da situação de Fortaleza. Logo vamos ter indicações de como aumentar a oferta de produtos saudáveis para nossa população”, projeta.

 

Veja onde funcionam as feiras livres e hortas sociais em Fortaleza

 

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