Logo O POVO+
Em três anos, 67 prédios foram interditados em Fortaleza
Reportagem Especial

Em três anos, 67 prédios foram interditados em Fortaleza

As interdições, por falta de Certificado de Inspeção Predial, ocorreram entre 2021 e 2023. São mais de mil solicitações de inspeção desde 2021. Não se sabe, porém, quantas são oriundas de algum dos 800 prédios com mais de 50 anos em Fortaleza

Em três anos, 67 prédios foram interditados em Fortaleza

As interdições, por falta de Certificado de Inspeção Predial, ocorreram entre 2021 e 2023. São mais de mil solicitações de inspeção desde 2021. Não se sabe, porém, quantas são oriundas de algum dos 800 prédios com mais de 50 anos em Fortaleza
Tipo Notícia Por

 

Em Fortaleza, 69% dos 193 edifícios vistoriados neste ano estavam sem o Certificado de Inspeção Predial (CIP) "O CIP é o documento que formaliza a realização de vistoria e análise técnica das edificações, devidamente registradas em laudo de vistoria técnica (LVT) elaborado por profissional(ais) ou empresa(s) legalmente habilitado(s). Fonte: Google" . O documento, exigido em lei municipal ainda de 2012, garante a segurança estrutural da edificação. Na Capital existem cerca de 800 prédios com mais de 50 anos, 67 edifícios - sendo 11 duplex - foram interditados nos últimos três anos, enquanto outros 1.139 fizeram a solicitação do CIP. Não há informação, entretanto, se as solicitações são oriundas dos edifícios que mais precisam de regularização.

A lei já existia e os problemas também, mas foi com o desabamento do edifício Andréa, em outubro de 2019 — quando nove pessoas morreram —, que os órgãos de fiscalização e controle de edificações do Município formaram um Grupo de Trabalho (GT) para atuar na busca por maior monitoramento. Em 2021, a Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis) começou a notificar os prédios que não possuíam CIP.

Atualmente, o GT não existe mais, porém, a chefe do Núcleo de Ações Preventivas (Nuprev) da Defesa Civil de Fortaleza, Margareth de Paula, garante que o diálogo é sistêmico. “Depois (da queda) do Andréa, sentimos a preocupação das pessoas. Nós fazemos operações preventivas. Mapeamos condomínios residenciais, através do IPTU Imposto Predial e Territorial Urbano, tributo municipal cobrado sobre propriedades , e fazemos vistorias”, destaca.

Nas ações, a Defesa Civil procura manifestações patológicas: fissuras, rachaduras, desplacamento de reboco ou cerâmica, ferragens expostas com oxidação, infiltrações, pilares e vigas danificados. A avaliação inicial, que é feita por percepção visual, classifica então o risco que aquela edificação apresenta: mínimo, médio ou crítico.

“A classificação se dará a partir do grau das manifestações patológicas. Fissura, por exemplo, depende de onde está localizada, da espessura, se é em uma viga ou em um pilar. Se for solapamento (afundamento) do solo, depende exatamente da localização”, detalha Margareth. Conforme a chefe do Nuprev, a grande maioria das edificações vistoriadas é classificada com risco médio.

Nesta condição, os prédios costumam apresentar manifestações como armadura exposta e grandes rachaduras. O condomínio, então, deve seguir as recomendações abordadas pelo relatório da Defesa Civil. “Enviamos ao síndico o grau de risco detectado, descrevemos as patologias e solicitamos as medidas de correção o quanto antes para que os problemas não venham a se manifestar”, afirma.

Uma das bases para monitoramento estrutural de edifícios é a Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), além do Código da Cidade. Uma das normas técnicas da ABNT sobre o sistema de manutenção de edificações define que, a cada três anos, a fachada dos prédios deve ser lavada e que haja substituição de rejuntes. Um problema de degradação que, junto a questões elétricas e de infiltração, são as situações mais comuns no cotidiano de um prédio.

“Não temos a cultura da manutenção, de limpar as fachadas, revisar os geradores que alimentam elevadores todo ano, de revisar o para-raio. As reuniões de condomínio são, na grande maioria das vezes, sobre espaço pet e outras questões secundárias à segurança”, explica o presidente do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (Crea-CE), Emanuel Mota.

Conforme ele, é importante que os condomínios façam diagnósticos estruturais e intervenções com supervisão profissional. “Tudo pode, desde que seja projetado por um engenheiro. Quer colocar uma banheira? Pode, reforçando a estrutura, modernizando a instalação elétrica... não pode é fazer de qualquer jeito”, frisa.

Inspeção predial é uma das ênfases dadas durante as operações de fiscalização do Crea-CE. Neste ano, das 22 mil ações no Ceará, 10% foram de edifícios que apresentam alguma desconformidade.

“Conseguimos verificar que geralmente os condomínios contratam o ‘faz tudo’ e isso acaba gerando prejuízos para a edificação. A orientação é de que seja contratado um engenheiro que possa identificar os problemas”, frisa o presidente do Crea-CE, Emanuel Mota. 

 

 

Como estão os 3 prédios interditados no ano que o Edifício Andréa desabou

Uma das edificações fez reparos e foi desinterditado, outro imóvel teve o processo arquivado e segue desocupado e um terceiro deverá ser judicializado por negligência.

Sair de casa, vestindo apenas a roupa do corpo — e talvez dê para levar os computadores e documentos. Os moradores do edifício Modigliane, no bairro de Fátima, viveram essa realidade exatamente 15 dias após a queda do Andréa, em 2019. Problemas na fachada e infiltrações na área externa eram facilmente percebidas, assim como rachaduras no teto e no chão. O prédio foi desinterditado um ano depois, após correções.

O POVO visitou outros três endereços que registraram ocorrência de desabamento ou risco de desabamento nos últimos anos. Três situações diferentes, em bairros e contextos sociais e financeiros também distintos. No Modigliane, de acordo com um dos moradores, que não quis se identificar, tudo começou quando outro morador disse ter ouvido um estalo. Como os condôminos já tinham consciência da necessidade de reparos — uma obra chegou a ser iniciada e interrompida em 2017 — houve o acionamento da Defesa Civil.

Foram indicados reparos, principalmente na laje de uma varanda, que teria sido construída fora da planta original do edifício. “Foi feito tudo que a Defesa Civil pediu. Tinha uma coluna que estava aparecendo os ferros. Eu não saí, conversei com um dos engenheiros e vi que não tinha perigo”, disse o morador. Os residentes que haviam deixado o prédio acabaram voltando depois de seis meses. A empresa responsável pela inspeção predial do Modigliane informou que há um processo em andamento e por isso não poderia fornecer mais informações.

Também em 2019, o edifício que fica na esquina da rua Lígia Monte com avenida Sebastião de Abreu, no Cocó, foi interditado. Parte da fachada desabou, abriu um buraco no subsolo do prédio e atingiu dois carros que estavam estacionados, danificando também sacadas de andares inferiores. Em matéria na época, O POVO destacou que “segundo a Defesa Civil, a estrutura dos ladrilhos dos andares pode ter caído por falta de reparos e inspeções, por se tratar de um prédio antigo”.

Atualmente, o edifício permanece de pé, mas não há moradores. Há apenas uma zeladora, que mantém o local limpo. De acordo com a Defesa Civil, a estrutura ainda oferece risco, pois as intervenções solicitadas não foram realizadas. O próximo passo será o possível ajuizamento do imóvel, por negligência.

Outra edificação, no bairro Montese, também precisou ser evacuada em 2019. Com mais de 40 anos de existência, o local apresentava rachaduras, inconsistências nas escadas, fissuras e duas caixas d’água próximas de rompimento.

O prédio nunca havia passado por reformas e, quatro anos depois, continua sem intervenções. O esqueleto da estrutura existe, mas não há janelas e nem telhado.

No bairro Montese, um prédio foi interditado em 2019 e está desde então abandonado    (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS No bairro Montese, um prédio foi interditado em 2019 e está desde então abandonado

“O caso desse prédio foi arquivado esse ano, porque são só dois pavimentos e tem um recuo grande na frente, nas laterais e atrás. Se ele desabar, não atinge os imóveis laterais. E a proprietária vedou a entrada”, explica a chefe do Núcleo de Ações Preventivas (Nuprev) da Defesa Civil de Fortaleza, Margareth de Paula.

Com a ocorrência do Andréa e as interdições de outros edifícios, um Grupo de Trabalho reuniu diferentes órgãos foi formado e atuou em conjunto para fiscalização. Hoje, com a extinção do GT, as demandas trocadas entre Defesa Civil, Seuma (Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente), Agefis, Ministério Público do Ceará (MPCE), Crea-CE, Sinduscon e Secovi, são apenas pontuais.

Questionada sobre essa troca de dados, que permitiria, por exemplo, saber quantas emissões de Certificado de Inspeção Predial (CIP) são de prédios com mais de 50 anos, a superintendente da Agência de Fiscalização de Fortaleza (Agefis), Laura Jucá, especificou as responsabilidade de cada Pasta: “Seuma emite o CIP, Agefis fiscaliza e Defesa Civil avalia”.

“O MPCE continua acompanhando e a gente continua comunicando, recebemos algumas demandas deles. Posso assegurar que as edificações de risco em Fortaleza são recebidas prioritariamente”, afirma Laura. Ela explica que as ações da Agefis que identificam a ausência do CIP ou irregularidades estruturais acontecem junto a outras temáticas também fiscalizadas. É o que a Superintendência classificou como busca ativa.

“Temos equipes em toda a Cidade, então, se os fiscais vão a um prédio para uma demanda sobre resíduos sólidos e identificam outras temáticas, também verificamos se estão em conformidade”, explica Laura Jucá. Ainda de acordo com a superintendente, o bairro que concentra mais prédios com problemas estruturais é o Centro, por ser o bairro mais antigo de Fortaleza.

 

 

A experiência de Pernambuco

“O caso do Andréa a gente conhece bem, porque foi um trabalho sem sintonia. Não é fácil olhar para um prédio e dizer um grau de risco. Tem de conhecer a história do prédio. A idade nem é tão importante, mas a história e os sintomas, sim”, detalha o engenheiro Carlos Wellington, que também é coordenador do Laboratório de Tecnologia do Instituto de Tecnologia de Pernambuco (Itep). O Estado tem um histórico de tragédias envolvendo desabamentos e, ainda na década de 1990, principalmente das construções do tipo "caixão", erguidos com a técnica de "alvenaria resistente na função estrutural".

O Itep realizou, desde 2005, um trabalho que identificou 5.300 edifícios com algum grau de risco em Pernambuco. Naquele ano, houve a proibição dos prédios construídos com alvenaria resistente, que é uma técnica construtiva que utiliza unidade de cerâmica ou concreto de vedação com a finalidade estrutural. Do total de prédios de alvenaria resistente com até quatro pavimentos, 326 foram diagnosticados com nível 4 — o mais crítico em relação ao risco de desabamento.

Carlos frisa a importância de haver muita investigação sobre o diagnóstico de uma edificação. “Não pode ser uma inspeção meramente visual. Em prédios de alvenaria, a identificação de problemas é zero. Para os de concreto armado, até dá uma indicação do está errado, mas também precisa de muita informação”, afirma.

Histórico, antecedentes, alterações já realizadas, laudos anteriores.. tudo é importante. “O mais importante é que haja tempo para investigar, não pode ser só um dia para conhecer o real problema”.

 

O que você achou desse conteúdo?