Chegamos aos 96 anos. São quase dez décadas noticiando acontecimentos que marcaram o mundo, o Brasil e o Ceará, como duas guerras mundiais, crises econômicas e políticas, além de boas notícias na medicina, tecnologia e descobertas científicas nas mais diversas áreas da atuação humana.
São poucos os veículos impressos que alcançam essa marca no País. No rastro do tempo, uma história de convivência com mudanças fundamentais que atingem a humanidade de forma cada vez acelerada.
A democracia talvez seja o sistema político mais pressionado pela disputa de espaços por diversos grupos sociais no âmbito da participação dos centros de poder. Como resultado dessa tensão, ideias que o mundo julgava mortas reviveram nos últimos anos, exigindo da comunicação a monumental observância da liberdade de expressão ao mesmo tempo que reforça os cuidados com os valores mais importantes para preservar a vida e a dignidade humanas. O POVO tem sido lume ao longo dos seus 96 anos.
Diante dos perigos que rondam a democracia, o que inclui a produção em escala da desinformação, um fenômeno com extensões mundiais, O POVO reafirma seus compromissos com os leitores, zelando pela liberdade de expressão e informação de qualidade.
Mas por que a liberdade de expressão é tão importante? Ela está diretamente ligada à democracia e ao exercício da cidadania e ao bem-estar social. Uma imprensa livre combate discursos de ódio, intolerância, desinformação.
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Um Jornalismo "sem amarras" apresenta fatos de interesse geral e que impactam toda a sociedade, desde situações cotidianas, como questões climáticas e de meio ambiente, até esquemas de corrupção na política. Ao estar informado, o cidadão consegue cobrar e reivindicar seus direitos.
No fim de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou a tese jurídica que permite a responsabilização de veículos de imprensa pela publicação de entrevistas nas quais sejam imputados falsamente crimes contra terceiros.
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Pelo entendimento, o princípio constitucional da liberdade de imprensa impede a censura prévia de conteúdos publicados.
A tese afirma que se um entrevistado acusar falsamente outra pessoa, a publicação poderá ser responsabilizada judicialmente, assim como a possibilidade de retirada de conteúdos que contenham informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas e mentirosas.
A decisão abre brecha para a retirada de conteúdos publicados nas redes sociais que forem considerados inverídicos.
Chegamos ao marco dos 96 anos do O POVO. É muito mais que uma celebração. É, na prática, o respeito e o protagonismo que o leitor tem em receber uma publicação produzida por um time de jornalistas, colunistas, fotógrafos e especialistas com preceitos de veracidade, qualidade e inovação, seja nos canais digitais ou nas edições do impresso.
Para comemorar, esta edição publica textos de importantes atores que discutem a manutenção da democracia, a liberdade de expressão, a relação entre informação e entretenimento, e os valores da nossa sociedade e o jornalismo pautado pelo interesse público. Viva à liberdade de expressão!
Redatora: Carol Kossling é jornalista e pedagoga. Primeira colunista de ESG do Ceará e editora de projetos no O POVO
Redatora: Larissa Viegas é coordenadora de Projetos do O POVO
Arte de capa: Carlus Campos é um artista visual, utilizando várias linguagens em suas experimentações como desenho, pintura, aquarela, gravura e fotografia
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A liberdade de imprensa é um princípio básico da democracia. Por isso, uma imprensa calada e subserviente está na lista de prioridades de extremistas quando assumem governos. Os profissionais sofrem violência física e virtual, a opinião pública não é formada a partir de fatos e o mundo se vê diante de guerras
Nos 96 anos de edição impressa de O POVO, nunca é demais lembrar: a liberdade de imprensa não é da imprensa, mas sim a liberdade de a sociedade se informar sem restrições, censuras ou pressões indevidas e perniciosas que porventura tentam ocultar fatos e opiniões do público.
Não por acaso, a Constituição brasileira consagra o princípio da livre informação em diferentes artigos de nossa Carta. A liberdade de imprensa é basilar nas democracias e caminha, lado a lado, com a livre escolha de representantes e o poder Judiciário independente como símbolo de sociedades livres.
Mesmo assim, vemos aqui e ali uma série de ameaças a esse pilar da democracia. De um lado, o Brasil assiste a violências físicas contra veículos de comunicação e jornalistas, com alto grau de impunidade dos agressores.
De outro, vivenciam-se ondas de violência por meios digitais. Independentemente de vieses ideológicos, radicais se organizam pelas redes e tentam silenciar a imprensa livre por meio da intimidação, criando artificialmente uma hostilidade que se materializa em invasões de privacidade de jornalistas e agressões criminosas, sobretudo contra jornalistas mulheres.
Uma imprensa calada e subserviente é o objetivo destes extremistas que, quando instalados no poder, dão curso a uma série de medidas com aparência legal que visam a perseguir meios de comunicação e jornalistas.
Essa estratégia, que se repete da Venezuela à Rússia, da Hungria à Nicarágua, ganhou os holofotes mundiais quando o Prêmio Nobel da Paz de 2021 foi concedido a dois jornalistas perseguidos: a filipina Maria Resa e o russo Dmitry Muratov. Ambos sofreram e sofrem ataques sistemáticos, emulados por governantes desconfortáveis pelas denúncias e manifestações de opinião nos veículos que dirigem.
O caso russo é um exemplo claro dos riscos sistêmicos provocados pelo garroteamento da imprensa. Com a queda do império soviético, o jornalismo livre floresceu na nova Rússia mas foi progressivamente sufocado pela estratégia de controle absoluto do Estado desencadeada por Vladimir Putin.
O estrangulamento chegou ao auge com a invasão da Ucrânia - hoje, um jornalista russo pode pegar 17 anos de prisão apenas por dizer que há uma guerra em andamento no país vizinho. O resultado: uma imprensa amordaçada, incapaz de influenciar a opinião pública contra uma guerra de invasão que isolou o povo russo e produz milhares de mortes de jovens conterrâneos.
E ainda mais grave: o mundo voltou a admitir a hipótese de uma guerra nuclear, com efeitos catastróficos generalizados a todo o mundo. Esse é, em última análise, o risco de vivermos sem uma imprensa livre.
Marcelo Rech, jornalista e presidente-executivo da Associação Nacional de Jornais (ANJ), e é defensor da PL das Fake News
Arte de capa: Jéssica Bezerra nasceu em Fortaleza e é arquiteta e urbanista. Em sete anos atuando como designer gráfico, encontrou na comunicação um meio de se expressar.
O tratamento usual dado à (liberdade de) imprensa e ao jornalismo, juntamente aos seus impactos nas mudanças do mundo, refletem na base do conhecimento e nos valores da nossa sociedade. Entretenimento versus informação, “porque” e “como” definir o jornalismo como relevante e a banalidade dos conteúdos são pontos essenciais para as resoluções de 2024
Se em um vislumbre do realismo fantástico o “menino jornalismo” se materializasse e fosse pular suas sete ondinhas no mar e mentalizar suas resoluções para 2024, certamente ele se depararia com problemas como a desinformação, a crise nos modelos de negócio, a questão da monetização da produção de conteúdo...
Ato contínuo viriam as muletas-soluções possíveis: comprar um planner ajudaria? Um personal talvez fosse a saída? Uma mentoria, quem sabe? Algo que ajudasse na condução dos problemas.
Eis aí, em uma analogia-insight de réveillon, a síntese de como as questões que envolvem o jornalismo e a liberdade de imprensa são tratadas usualmente. Um problema de “gerência” para o qual instrumentos de manejo são pensados para dar conta de fluxos informação. “A jornada do sucesso em um passo-a-passo”, para fechar o parágrafo com a ironia necessária.
O ponto central e por vezes esquecido nesse debate é que há um valor que sustenta o jornalismo enquanto figura central do século XX e que foi se transformando à medida em que um novo tempo, com usos distintos da informação, foi se construindo.
Em 1911, quando Max Weber escreveu “Sociologia da imprensa: um programa de pesquisa”, tínhamos um pensador diante do impacto da imprensa e suas mudanças no mundo. Em 150 anos, os jornalistas que caiam de joelhos diante do breach of privilegie do Parlamento inglês, inverteram os papéis quando ameaçavam não imprimir e divulgar os discursos dos deputados.
Isto contava Weber há mais de 100 anos. Dois pontos estão na sua reflexão que vale a leitura: a imprensa (e os mass media que se ampliariam ao longo das décadas seguintes) se tornaria tanto basilar para que a sociedade “soubesse das coisas” como traria para si um valor constitutivo.
Ambos estão em plena transformação e o olhar das análises parece sempre recair sobre o que é da ordem do manejo, esquecendo que nossos vínculos são alimentados por valores.
Para retomar a metáfora do tempo, se um cringe fosse folhear as páginas das revistas de maior circulação do Brasil no final dos anos 1980, tais como Veja e IstoÉ, veria que junto dos primeiros computadores pessoais tais como o Expert XP-800 ou dos modernos exemplares da indústria automobilística tais como o Escort XR3, estavam estampadas na publicidade da época fotos de Leila Cordeiro e Eliakim Araújo anunciando um telejornal com o mesmo destaque que anos depois as emissoras dariam aos reality shows.
No início dos anos 2000, Casa dos Artistas versus BBB, no investimento publicitário das TVs já sinalizava como o entretenimento era um valor a ser anunciado em detrimento da informação. A analogia temporal é mera ilustração para pensarmos sobre o “porque” do jornalismo ainda ser relevante.
As estratégias sobre o “como” devem derivar dessa pergunta primeira, sob pena de sem essa reflexão serem falhas e obtusas. É como se ao invés de discutir a democracia, ficássemos presos no debate sobre as cédulas de papel.
Quase caímos nessa cilada. Impossível prever o futuro, em especial diante de mudanças estruturais e tecnológicas inequívocas, mas é o valor que informa os usos. O storytelling deve muito aos irmãos Lumière. Se a informação é banal, não há planner que ajude nas sete ondinhas do jornalismo.
Grazielle Albuquerque é jornalista, consultora de pesquisa e doutora em Ciência Política
Arte de capa: Jansen Lucas é designer, artista visual e crítico de cinema, atua no mercado de comunicação com desenvolvimento de projetos e múltiplas experiências criativas
Em meio às transformações históricas, o Jornal O POVO é testemunha e participante ativo. O princípio da liberdade de imprensa está diretamente relacionado ao acesso aos direitos de cada cidadão. Celebrar 96 anos do O POVO é refletir também sobre o contexto atual e perceber a existência de um aliado na batalha contra a desinformação e o discurso do ódio
O jornal O Povo tem sido testemunha e participante ativo na construção da história do Ceará ao longo de quase um século. Nesse marco significativo, é uma honra expressar nossa consideração e reconhecimento.
Desde a Proclamação da República, a trajetória dos direitos dos cidadãos no Brasil tem sido marcada por momentos decisivos. Em meio a essas transformações, a liberdade de imprensa emergiu como um dos princípios fundamentais, sendo o alicerce sobre o qual se ergue a estrutura democrática de uma nação. Sem democracia, perdemos não apenas o acesso à informação, mas também o acesso aos nossos direitos.
Essa celebração não é apenas um tributo à longevidade do O POVO, mas também uma reflexão sobre a importância intrínseca da liberdade de imprensa no contexto atual. Ela não é apenas um direito; é um pressuposto basilar da democracia. É o veículo pelo qual a cidadania se mantém informada, participativa e consciente de seus direitos. Em um país onde a democracia é a bússola que orienta nossos passos, a liberdade de imprensa se torna uma sentinela incansável, vigilante na proteção dos valores que defendemos.
O jornalismo livre e independente é um aliado essencial na batalha contra a desinformação e o discurso do ódio. Em um cenário onde as notícias falsas podem se proliferar rapidamente, o papel da imprensa ganha contornos ainda mais relevantes.
O comprometimento do O POVO em fornecer informações precisas e imparciais é um farol que guia a comunidade cearense através das tempestades de desinformação. Os jornalistas desempenham um papel vital na nossa sociedade, muitas vezes enfrentando desafios e riscos para garantir que a verdade seja revelada. A OAB Ceará enaltece e apoia esses profissionais que, através de sua dedicação, contribuem para o fortalecimento da democracia. E reafirma o seu compromisso na defesa pela cidadania.
Que este periódico continue a ser a voz do povo cearense, dando testemunho e contribuindo para a construção de um Ceará e de um Brasil mais justo, transparente e democrático. Agindo sempre como um farol da verdade, um defensor da liberdade de imprensa, e um guardião dos valores democráticos que nos unem como sociedade. Parabéns pelos 96 anos, e que esta jornada de informação, liberdade e compromisso com a verdade perdure por muitos mais.
Erinaldo Dantas é presidente da Ordem dos Advogados do Brasil - Secção Ceará
Arte de capa: Gil Dicelli é editor-executivo do Núcleo de Design do O POVO e um dos jornalistas visuais mais premiados do Brasil. É o criador do atual projeto gráfico do O POVO
Desordem, polêmicas, sobrecarga informacional. Muito além da quantidade, qualidade jornalística - que precisa seguir padrões éticos e técnicos. Democracia e sociedade informada andam juntas, através de um jornalismo protegido da censura prévia e pautado pelo interesse público, que nem sempre agrada quem está no poder. O jornalismo de qualidade é um ato de resistência
Vivemos numa desordem permanente de informações. A cada instante, notificações pulsam novas polêmicas nos aparelhos celulares alentando o fenômeno da sobrecarga informacional, que, inúmeras vezes, mais confunde do que orienta.
E o problema não está só na quantidade, afinal, lidar com capitalismo informacional já é um desafio posto do mundo contemporâneo. A grande questão é a qualidade.
Na era em que a internet democratizou a palavra e que todos somos produtores de conteúdo em potencial, precisamos buscar, incansavelmente, a segurança das informações e avançar no desenvolvimento de habilidades de análise por meio da educação midiática.
O marco civilizatório informacional é tão relevante quanto fundante, especialmente para questões democráticas, e o jornalismo segue sendo o clássico antídoto para os renovados desafios, que incluem a ampla disseminação de desinformação em diferentes campos.
A informação de qualidade produzida seguindo padrões éticos e técnicos do jornalismo é caríssima, pois demanda investimento em estrutura de trabalho e em profissionais que precisam fazer a leitura sofisticada de uma sociedade dinâmica e intrigante. O que requer tempo e conhecimento de mundo.
É ainda caríssima pela capacidade de instruir tomadas de decisão capazes de definir o destino individual ou coletivo, de uma nação. Vide o ambiente democrático que demanda atuações de uma sociedade extremamente bem informada.
E uma sociedade bem informada demanda um jornalismo protegido da censura prévia, desimpedido, livre, contudo atrelado ao desafio inarredável de manter a credibilidade pautada pelo interesse público.
O que inclui reportagens que pautem inquietações e desgostos, inclusive. Até porque o jornalismo não deve ter como princípio agradar aos que exercem o poder, mas ocupar lugar de análise e crítica. Afinal, como lembra o professor Rogério Christofolleti, trata-se de atividade que amplia a compreensão humana.
Acontece que, muitas vezes, quando jornalistas denunciam, em vez de serem reconhecidos, são alvo de violência tanto física quanto virtual. Assim, a liberdade de expressão, que inclui o direito à informação, e todos os demais direitos fundamentais advindos dela seguem sob constante ameaça.
Há muito o que avançar e os desafios são diversos. Diante de tudo e em tempos de economia da atenção, em que lucra mais quem ganha os segundos do nosso olhar, privilegiar o tempo para acessar o jornalismo de qualidade, ante das mais perversas intempéries é ato importante de resistência.
Eulália Camurça é professora da Universidade Federal do Ceará e doutora em Direito Constitucional
Arte de capa: Cristiane Frota é editora-executiva do Núcleo de Design do O POVO, atua há 14 anos como designer