Logo O POVO+
Sobre bobagens, ciência e psicanálise
Reportagem Especial

Sobre bobagens, ciência e psicanálise

Christian Dunker fala sobre seu novo livro que responde à bióloga Natalia Pasternark e explica por que psicanálise não é pseudociência

Sobre bobagens, ciência e psicanálise

Christian Dunker fala sobre seu novo livro que responde à bióloga Natalia Pasternark e explica por que psicanálise não é pseudociência
Tipo Notícia Por

 

O termo negacionismo vem, de alguma forma, da psicanálise. Em 1925, Freud escreveu um texto chamado ‘A Negativa’ (Die Verneinung). Ao se deparar com uma situação muito difícil ou que não se consegue aguentar, a primeira ação, é negar, segundo o médico, pai da Psicanálise.

Para superar o negacionismo e a necropolitica "Termo criado pelo intelectual Achille Mbembe, significa o poder de ditar quem pode viver e quem deve morrer ou deixar morrer"  que ocorreu na pandemia do covid-19, a divulgação científica se mostrou como ponte entre doença e cura. A doutora em microbiologia Natalia Pasternak teve papel fundamental ao defender a vacinação contra os severos ataques. Ela preside o Instituto Questão de Ciência, que promove o ceticismo e o pensamento racional científico.

Natália Pasternak, doutora em microbiologia, questiona a cientificidade da psicanálise(Foto: Foto Paulo Vitale)
Foto: Foto Paulo Vitale Natália Pasternak, doutora em microbiologia, questiona a cientificidade da psicanálise

Em sua régua, a Psicanálise ficou marcada no livro “Bobagem! Pseudociências e outros absurdos que não devem ser levados a sério”, lançado em julho de 2023. O psicanalista Christian Dunker, com sua trena, tensionou o debate com a obra “Ciência pouca é bobagem – Por que psicanálise não é pseudociência”. A questão é: como se mede a ciência?

O livro que a cientista Natália Pasternak e seu marido Carlos Orsi escreveram se propõe a “plantar uma semente de ceticismo que leve o leitor a considerar: será?”. Dentre os temas que devem ser questionados foram elencados a astrologia, a homeopatia, a paranormalidade, entre outros. E um desses outros, a psicanálise, que por meio do Christian Dunker, respondeu.

Em dezembro do mesmo ano, o professor Dunker e o filósofo Gilson Iannini escreveram o livro-resposta, “para quem afirma, sem apresentar evidências, que a psicanálise é bobagem”, diz a sinopse. O trabalho deles oferece uma reflexão de como se constrói o conhecimento psicanalítico em relação ao conhecimento científico.

O livro do professor tece um comentário sobre como o menino Hans "O Caso do pequeno Hans é um dos mais famosos de Freud. Hans era um menino de cinco que sofria de fobia a cavalo/medo de ser mordido por um"  considerava o seu medo de cavalos uma bobagem. Freud considerou a bobagem infantil e surgiu um dos casos mais emblemáticos da psicanálise. Dunker não recuou diante das bobagens ‘pseudocientíficas’. 

Os primeiros centímetros desse debate é entender o que é ‘pseudociência’. “Esse conceito é datado. Nos anos 60, momento Pós-Guerra, estávamos ainda em um momento de rescaldo da Segunda Guerra e dos seus horrores. Os cientistas viram que podiam fazer barbaridades e fazer aquilo que se parece ciência, mas que não é”, explica Dunker.

 Christian Dunker, psicanalista, autor de vários livros sobre o tema(Foto: Camila De Almeida)
Foto: Camila De Almeida Christian Dunker, psicanalista, autor de vários livros sobre o tema

A pseudociência se apresenta como um saber científico, “um arcabouço impessoal, ela extrapola a autoridade, a possibilidade de ser checada”. O filósofo britânico, Karl Popper criou o termo onde o princípio da falseabilidade é critério central, ou seja, a validade de uma teoria científica dura até que seja provada sua falsidade. “O Popper fala que não precisamos saber o que é a verdade, mas o que é a não-verdade”, conclui.

Para o professor, “quando um saber é posto como pseudocientífico no discurso, ele é qualificado como uma impostura, algo feito para enganar o outro. A pseudociência começa como uma questão epistêmica, e termina como uma questão moral". A pseudociência não pode ser checada, a psicanálise é constantemente reelaborada para ajustar os erros cometidos. Errar faz parte da ciência.

Segundo o livro de Natalia Pasternark e Carlos Orsi, a prática psicanalítica não possui comprovação dentro do método científico. Em 1895, quando Freud escreveu ‘Projeto para Psicologia Científica’, ele estava em seu momento neurocientista. Dunker conta que “a relação entre psicanálise e neurociência surge inicialmente antagônica, havia conflito de métodos”.

Confira uma linha do tempo da história da psicanálise

Clique nos círculos para avançar 


Apesar dos conflitos metodológicos, “Freud e os neurocientistas estudavam as mesmas coisas como memória, sonhos, parafasias…”. Atualmente, “ Mark Solms "Neuropsicólogo sul-africano, tornou-se conhecido por descobrir mecanismos cerebrais do sonho por meio do uso de métodos psicanalíticos na neurociência" está traduzindo o texto do Freud e há pelo menos 20 anos ele desenvolve essa aproximação da psicanálise e neurociência”, explica Dunker.

“Muitos achados das neurociências corroboram ou não contrariam hipóteses psicanalíticas, mas outros sim. Eles dizem que é possível que Freud estivesse errado. E isso é muito interessante, uma vez que eles não são subalternos uns aos outros, mas conversam”, explica o psicanalista. Ou seja, ambas se reconhecem como campos do conhecimento e fazem ciência ao se contrapor/compactuar.

No livro, Pasternark e Orsi defendem que a psicanálise não funciona melhor do que o efeito placebo. Para Dunker, “O livro é anacrônico, desleal e desserviço. Joga a ideia de que as psicoterapias não são científicas, não têm o mesmo rigor que a medicina”.

O professor defende que tratar a psicanálise como placebo não faz sentido, pois os dois métodos são diferentes: “placebo envolve relação entre paciente, projeção, ilusões, fantasias, tudo isso que a psicanálise estuda”.

Christian Dunker, psicanalista, entra no debate para defender o lugar da psicanálise (Foto: CAMILA DE ALMEIDA)
Foto: CAMILA DE ALMEIDA Christian Dunker, psicanalista, entra no debate para defender o lugar da psicanálise

Ele completa, “qual é o princípio ativo da psicoterapia? A bibliografia responde “não sei”. Pode ser idade do terapeuta, momento, tipo de patologia, língua… A pergunta é tão idiota quanto “o que cria a intimidade entre duas pessoas?””.

“Essa aproximação é problemática. Você está tomando como modelo a existência de princípio ativo. Se existe princípio, eu consigo fazer um placebo. Se (a pílula) for colorida, funciona mais, se (o paciente estiver) no hospital, funciona mais… Mas quando você faz essa pergunta, você está aplicando para psicologia, um procedimento canônico bem estabelecido/surgido dentro da medicina. Fazer a mesma coisa na psicoterapia é uma deriva imprópria”, declara Dunker.

Dentro da discussão sobre psicanálise e neurociência a professora aposentada da UFRJ Regina Herzog comenta que há críticas ao tratamento do psiquismo, por reduzir a dimensão biológicas. Da mesma forma, as terapias medicamentosas estariam incidindo para além da doença do sujeito e que terapias comportamentais não passam de adestramento. Ou seja, sempre haverá descrentes, mas pouco se fala sobre a diminuição sintomática dos pacientes e como acessar algum tratamento.

Não é de hoje que os psicanalistas buscam explicar como a Psicanálise serve como instrumento de transformação da sociedade para a justiça social. No ideário, o cuidado com a saúde mental é privilégio das elites. Dunker nega e explica, “há várias iniciativas que estão capitalizando a psicanálise, ‘perifanálise’, psicanálise na rua, psicanálise nas comunidades... O que já estava em curso, mas ganhou impulso com a pandemia”.

“Nosso serviço de saúde acabou sendo precarizado. No Brasil, quem faz curso de psicologia já pode atender, nos outros cantos do mundo não é assim. É elite, mas menos elite que em outros países do mundo. 16% da população brasileira participa ou faz psicoterapia ou tratamento medicamentoso, 14% é via privada. O que chamamos de elitismo da saúde mental é privatização.”

Veja 5 títulos para quem quer começar a estudar psicanálise


O que você achou desse conteúdo?