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Egberto Gismonti: o descobridor de sons
Reportagem Especial

Egberto Gismonti: o descobridor de sons

Aos 76 anos, o músico diz que passar dos 70 o fez perder a vergonha, algo que se traduz em uma produção ampliada, que faz correr com as ideias e celebrar a energia de seguir compondo e tocando pelo mundo

Egberto Gismonti: o descobridor de sons

Aos 76 anos, o músico diz que passar dos 70 o fez perder a vergonha, algo que se traduz em uma produção ampliada, que faz correr com as ideias e celebrar a energia de seguir compondo e tocando pelo mundo
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"Passar dos 70 me fez perder a vergonha"

Egberto Gismonti completou 76 anos em 5 de dezembro de 2023. Pode-se dizer que durante todo esse tempo ele esteve envolvido com música. Talvez até um pouco mais, uma vez que essa relação com a arte veio de antes, da herança familiar, do sangue libanês e italiano que herdou dos pais. “A cada dia que passa eu tenho a impressão de que tenho que correr mais com minhas ideias porque elas estão maiores em número do que era antes. Passar dos 70 me fez perder a vergonha”, brinca o músico, de passagem pelo Ceará para para participar do Festival de Jazz & Blues de Guaramiranga/2024, onde apresenta um show solo de piano, nesta segunda-feira, 12, às 21 horas.

Egberto Gismonti (Foto: Roberto Cifarelli/divulgação             )
Foto: Roberto Cifarelli/divulgação Egberto Gismonti

Egberto está terminando um projeto só de piano para a gravadora alemã ECM Records e vem se dedicando ao piano. “Eu comecei a reparar que se por um lado eu tenho muita facilidade de me expressar verbalmente é porque eu tenho uma memória muito grande. Mas e a memória musical? Eu tenho cerca de 800 músicas que toco sem partitura. No show, eu escrevo o nome de cerca de 40 músicas e vou olhando. Onde bater o olho eu faço uma modulação e sigo tocando. Isso é manter vivo o que nos sustenta, que é a memória”, explica ele, não sem uma dose de orgulho.

É orgulhoso também que Egberto Gismonti conta seus mais de 70 discos, 40 peças de teatro, 50 trilhas sonoras para filmes, além de uma agenda de shows que passa por todos os continentes. “O que eu mais gosto como músico profissional é de encontrar pessoas e ficar conversando fiado. Tal hora, eu subo lá e toco. É verdade, verdadeira”, revela ele, acrescentando que, diferente de “boa parte dos meus amigos”, não precisa de um ambiente de concentração antes de ir ao palco.

“Quando eu vou a um lugar tocar é porque já estou pronto. Tanto é que eu toco há 50 anos do jeito que eu toco”, determina. E, embora seja reconhecido como um instrumentista virtuoso e sua música já tenha sido classificada como difícil por produtores e gravadoras, ele rebate: “Não pode ser tão difícil se eu faço com uma facilidade danada. Os anos passaram e quando me dei conta eu estava com minha vida absolutamente assentada sobre um porto seguro que é uma ideia que não muda: música difícil de tocar é aquela que você não estudou o suficiente. Eu toco o que é divertido”, resume.

 

 

Influência da família musical

Difícil ou não, a trama sonora registrada na discografia desse carioca nascido no pequeno município de Carmo já se expandiu por todo o mundo. Responsável por uma inclassificável mistura de sons tradicionais, pops, eruditos, modernos, elétricos e acústicos, ele dividiu espaço de grandes festivais internacionais com gente como Charlie Haden, John McLaughlin, Paul Horn e Naná Vasconcelos. Seus estudos no piano começaram ainda criança, por volta dos 5 anos, influenciado por uma família que era cheia de música.

 Gert Chesi, músico instrumentista, já lançou 70 discos (Foto: Wikipedia)
Foto: Wikipedia Gert Chesi, músico instrumentista, já lançou 70 discos

O tio Edgar, a quem ele trata como um guia, decidiu que viveria de música sem nunca sair de Carmo. Então teve a ideia de bater na porta das casas pedindo o nome e a data de nascimento dos conterrâneos. Quando chegava o aniversário, ele voltava e presenteava cada um com uma peça inédita tocada no clarinete. “Quer liberdade maior do que isso?”, reflete Egberto que até tentou levar o tio para tocar na Itália, mas nunca conseguiu convencê-lo.

Já o sobrinho estudou com o pianista cearense Jaques Klein, morou uma temporada na Europa, quando fez arranjos e acompanhou a atriz e cantora Marie Laforêt e estudou com os compositores Jean Baralaque e Nádia Boulanger. Esta, inclusive, o aconselhou a voltar ao Brasil, antes que ele se tornasse um “compositor europeu mediano”. Por aqui, ainda antes dessa temporada no exterior, ele havia participado do III Festival Internacional da Canção, no Rio de Janeiro, com a canção “O sonho”, que viria a ganhar interpretações de nomes como Elis Regina e Flora Purim.

“Flora é uma beleza, né? O Airto (Moreira, marido de Flora) é um dos responsáveis por infiltrar a percussão brasileira no jazz. O tanto que eles fizeram pela música brasileira... Quando a Flora ganha um concurso de melhor cantora de jazz do mundo, acharam que era um abuso uma branquela ganhar no lugar de Ella Fitzgerald. Quando cheguei nos EUA, em 1975, fui chamado para fazer o disco do Paul Horn, um disco inteiro dedicado à minha música. Estava lá no estúdio com vários músicos que eu nunca esperei conhecer e todos diziam que conheciam a música brasileira por causa do Airto”, relembra.

Egberto Gismonti faz show no Festival Jazz(Foto: Roberto Cifarelli/divulgação )
Foto: Roberto Cifarelli/divulgação Egberto Gismonti faz show no Festival Jazz

Em conversa por telefone, por cerca de uma hora, Egberto Gismonti rememora este e muitos outros momentos da carreira, além de ideias que o norteiam. Uma delas é sobre cantar em seus discos. Embora defenda a liberdade de criar, ele assume ter ficado mais exigente. “Isso era coisa do início. Na realidade, eu cantava porque eu não tinha quem cantasse e achava que estava uma beleza daquele jeito”, revela. “Hoje eu sou muito rígido comigo e com quem toca comigo. Eu sei quantas vezes eu entrei para gravar aquela sonoridade maravilhosa, aquelas orquestras, aqueles sons todos, até que chegou o último momento do cantor (ele mesmo) ir lá e cantar. Eu não quero fazer o que não possa oferecer o melhor”, afirma.

De volta aos planos para o futuro, Egberto Gismonti contabiliza cerca de 200 projetos que poderia realizar pelos próximos cinco anos, sem abandonar a agenda de shows. Mas sobra um tempo para ele lembrar de sua última visita ao Ceará, quando participou do 7º Festival Choro Jazz, em Jericoacoara. “Lembro de um restaurante que ficava a uns 5 metros de onde o mar parava. Lembro de amigos como Badi Assad e que fui com um amigo meu, o Antônio José Fortes. Não tenho mais detalhes porque foi uma vez só”.

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