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Escolas de ensino médio particular "somem" de 15 municípios do Ceará na última década
Reportagem Especial

Escolas de ensino médio particular "somem" de 15 municípios do Ceará na última década

Enquanto número de escolas particulares diminui, o de profissionalizantes públicas cresce pelos municípios do Interior. Estudantes de ensino médio são atraídos por formação técnica e políticas afirmativas para a educação pública

Escolas de ensino médio particular "somem" de 15 municípios do Ceará na última década

Enquanto número de escolas particulares diminui, o de profissionalizantes públicas cresce pelos municípios do Interior. Estudantes de ensino médio são atraídos por formação técnica e políticas afirmativas para a educação pública
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Escolas de ensino médio privadas estão presentes em 55 municípios do Ceará, de acordo com os dados do Censo da Educação Básica de 2022. Isso corresponde a 29% das cidades cearenses. No entanto, esse número já foi maior. De 2012 a 2022, 15 cidades deixaram de ter ensino privado nessa etapa escolar e outras 12 tiveram diminuição da quantidade de turmas ofertadas.

Baturité, Boa Viagem, Canindé, Cruz, Itapajé, Madalena, Mauriti, Morada Nova, Pacatuba, Pedra Branca, Quixeré, Reriutaba, Senador Pompeu, Trairi e Varjota são as cidades que registraram oferta de ensino médio pago no Censo da Educação Básica de 2012, mas que não têm mais turmas privadas constando no último levantamento divulgado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 2022.

Em Boa Viagem, município localizado no Sertão Central, os alunos de ensino médio poderiam escolher entre três escolas privadas em 2012. Porém, a última turma de 3º ano da rede privada da cidade foi formada em 2020, no Colégio Diocesano Valdemar Alcântara (CDVA).

Enquanto o número de escolas privadas de ensino médio sofreu retração de 2012 a 2022, a educação pública nesta etapa cresceu(Foto: unsplash)
Foto: unsplash Enquanto o número de escolas privadas de ensino médio sofreu retração de 2012 a 2022, a educação pública nesta etapa cresceu

“Fomos a última escola a fechar o ensino médio. Seguramos até onde deu”, afirma a diretora do CDVA de Boa Viagem, Lucivanda Teodoro. O colégio tem outra sede, em Quixadá, que segue ofertando a etapa. Segundo ela, a decisão foi tomada em 2018, quando admitiram a última turma do 1º ano do ensino médio.

Lucivanda explica que o ensino médio tem mais custos, sendo o salário dos professores mais alto. Além disso, a inauguração de um campus do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE) na cidade em 2016 e a melhora da estrutura de uma escola profissionalizante estadual atraíram os alunos, diminuindo a demanda para as classes particulares.

“As turmas não se pagavam. Não compensaria para o pai pagar uma mensalidade sendo que existem escolas públicas tão boas quanto (a particular)”, conta. Atualmente, o colégio ainda atende a educação infantil e o ensino fundamental. Nessas séries, a demanda segue alta, conforme a diretora. 

Escolas privadas de ensino médio no Ceará

As crises financeiras que atingiram a população na última década também afetaram a procura por escolas particulares. “A redução do poder aquisitivo é uma realidade. Os pais não conseguem colocar seus filhos nessas escolas. E as escolas da livre iniciativa não viram mais condições de se manter”, diz a presidente da Câmara de Educação Básica do Conselho de Educação Estadual do Ceará, Luzia Jesuino.

Para a presidente do Sindicato de Educação da Livre Iniciativa do Estado do Ceará (Sinepe-CE), Graça Bringel, as escolas privadas vivem um momento de “difícil sobrevivência”. Ela acredita que o problema tem a ver com a lei nº 9.870/99, chamada por dirigentes de escolas particulares de “Lei do Calote”. A legislação não permite que o aluno sofra penalidades, como proibição de assistir a aulas ou realizar provas durante o ano escolar, devido à inadimplência dos responsáveis. 

Evolução dos estabelecimentos de ensino médio privados


 

Políticas educacionais melhoraram visão sobre escola pública

A pesquisadora Ana Gardennya Linard, docente da Universidade Estadual do Ceará (Uece), afirma que diversas políticas tornaram o ensino médio público “mais atraente”, citando as cotas para o ensino superior público, acesso a programas como o ProUni O Programa Universidade para Todos é um programa do Governo Federal com o objetivo de conceder bolsas de estudo integrais e parciais em cursos de graduação e sequenciais de formação específica e Fies O Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior é um programa do Ministério da Educação destinado a financiar a graduação na educação superior de estudantes matriculados em instituições não gratuitas , além do incentivo de formação continuada e Plano de Cargos e Carreiras para professores do Estado.

Ana Gardennya Linard, pesquisadora e doconte da Universidade Estadual do Ceará (Uece)(Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Arquivo Pessoal Ana Gardennya Linard, pesquisadora e doconte da Universidade Estadual do Ceará (Uece)

Ela acredita que o preconceito que existia contra a escola pública tem diminuído. “Há 15, 20 anos, o privado indiscutivelmente era o primeiro lugar que os pais queriam deixar os seus filhos. Até mesmo por uma questão de confiabilidade. Mas com os resultados de hoje da rede pública e por conta de todas essas políticas educacionais, projetos de apoio ao aluno e ao professor, os pais vêem que podem, sim, deixar os seus filhos no ensino público”, afirma.

Gardennya explica também que o modelo de regionalização da educação adotado pelo Estado, com a garantia dos mesmos recursos e estruturas para alunos da Capital e do Interior, diminui a migração para Fortaleza. “Não tem mais porque o aluno vir para Fortaleza”, diz.

“Quando a gente vê resultados de avaliações, ainda percebe discrepâncias entre Interior e Capital, mas a partir do momento que a oferta das políticas públicas educacionais é feita de maneira equânime, a gente pode começar a conversar sobre uma diminuição de desigualdades”, afirma a pesquisadora.

Segundo Kelem de Freitas, coordenadora de Acompanhamento e Desenvolvimento Escolar para Resultados de Aprendizagem da Secretaria da Educação do Ceará (Seduc), “embora os dados do Censo Escolar tragam uma redução nas ofertas de Ensino Médio na rede privada, não foi identificada demanda reprimida nesta oferta ao longo dos anos”.

Por meio de nota, a coordenadora mencionou o investimento “no aprimoramento da estrutura física das escolas, na oferta da alimentação escolar, na ampliação do tempo integral, na preparação para o ensino superior, assim como para o mercado de trabalho e no desenvolvimento socioemocional dos jovens que ingressam na rede pública estadual”.

 

 

Interiorização do ensino público profissionalizante atrai alunos do ensino médio

Enquanto o número de escolas privadas de ensino médio sofreu retração de 2012 a 2022, a educação pública nesta etapa cresceu. Segundo dados do Censo da Educação Básica, nessa década o Ceará aumentou em 14% a quantidade de estabelecimentos que oferecem ensino médio público.

Os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia (IFs) quase triplicaram, indo de 9 para 23 campi. O fato de grande parte dessas escolas oferecer cursos técnicos profissionalizantes junto ao ensino médio desperta o interesse dos jovens alunos.

A questão financeira pesa na redução do ensino médio no interior do Ceará, assim como a melhoria do ensino na escola pública(Foto: Mauri Melo)
Foto: Mauri Melo A questão financeira pesa na redução do ensino médio no interior do Ceará, assim como a melhoria do ensino na escola pública

Álvaro Antônio de Aragão, 17, estudou a vida escolar inteira em instituições particulares. Ao chegar no ensino médio, optou pelo ensino público. Apesar da questão financeira influenciar na decisão, o estudante afirma que o principal motivo da mudança foi o curso técnico oferecido pela escola pública.

“É uma coisa que a particular não proporciona. Eu achei que seria uma agregação ao meu currículo”, afirma. O estudante é morador de Croatá, na microrregião da Ibiapaba, mas cursa o ensino médio profissionalizante em Guaraciaba do Norte, a cerca de 35 km de distância.

De 75 estabelecimentos com ensino médio integrado a cursos profissionalizantes estaduais em 2012 no Interior, os municípios passaram a ter 111 em 2022. Isso representa um aumento de 48% durante a década. 

Evolução dos estabelecimentos de ensino médio profissionalizante

Ana Gardennya Linard, pesquisadora e docente da Universidade Estadual do Ceará (Uece), explica que parte dos estudantes do ensino médio demonstram vontade de trabalhar, muitas vezes até abandonando a escola para conseguir um emprego.

É o que mostram os dados da “Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua: Educação 2022”. A necessidade de trabalhar foi a principal justificativa de 40,2% dos jovens de 14 a 29 anos para abandonar a escola.

“É muito importante que eles comecem [a trabalhar] cada vez mais qualificados para isso. Que não comecem no subemprego, com qualquer oferta de serviço atrapalhando a sua trajetória escolar”, afirma Gardennya. Para ela, com a certificação técnica, o estudante poderá prospectar um salário melhor e disputar melhores vagas no mercado.

Em dez anos, de 2012 a 2022, 15 cidades deixaram de ter ensino privado no ensino médio(Foto: Adobre Stock / imagem gerada por IA)
Foto: Adobre Stock / imagem gerada por IA Em dez anos, de 2012 a 2022, 15 cidades deixaram de ter ensino privado no ensino médio

Coordenador do Laboratório de Estudos do Trabalho e Qualificação Profissional (Labor) da Universidade Federal do Ceará, o professor Eneas Neto defende que o ensino técnico seja acompanhado de uma formação ampla para cidadania, cultura e ciência, seguindo o modelo de ensino médio integrado dos IFs.

Esse tipo de formação é dificultada pelas regras do Novo Ensino Médio (NEM), em vigor desde 2022. Para fornecer uma educação profissionalizante aos alunos, o NEM diminuiu as horas da carga horária básica, fazendo com que o aluno tivesse 1.800 horas anuais para disciplinas obrigatórias e 1.200 horas para itinerários formativos ou curso técnico.

Dados do Censo da Educação Básica de 2022 revelam que menos de um terço das cidades cearenses tem escolas de ensino(Foto: Adobre Stock / imagem gerada por IA)
Foto: Adobre Stock / imagem gerada por IA Dados do Censo da Educação Básica de 2022 revelam que menos de um terço das cidades cearenses tem escolas de ensino

“O modelo que a gente defende é esse da formação humana integrada. Com profissionalização, porque eventualmente a pessoa precisa dela, mas uma sólida formação científica, cultural, política, da qual o cidadão emerge com condições de opinar, fazer escolhas, com consciência de classe. O Novo Ensino Médio determina o caminho da formação profissional como um caminho que impede o estudante de entrar na universidade”, opina.

Na proposta de reforma do NEM enviada ao Senado Federal em outubro de 2023, o Governo Federal propõe a volta das 2.400 horas anuais de carga horária básica. Para quem opta pelo ensino técnico, a carga horária básica é reduzida para no mínimo 2.100 horas. O fato de ainda ser reduzida na reconfiguração proposta é criticada por organizações, como o Todos Pela Educação. A reforma deve continuar em debate no Senado neste mês de fevereiro.

 

 

Metodologia

Para esta análise, foram utilizados dados das sinopses estatísticas do Censo da Educação Básica de 2012 a 2022, disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Foi levado em conta o número de estabelecimentos que ofertam ensino médio registrados na pesquisa, bem como a dependência administrativa das escolas.

Sobre as escolas profissionalizantes, foi analisado o número de estabelecimentos públicos que ofertam ensino médio integrado ao técnico, descartando outras modalidades, como curso técnico subsequente, concomitante ou integrado à Educação de Jovens e Adultos (EJA). 

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