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Francisco Sá: uma avenida que atravessa o tempo
Reportagem Especial

Francisco Sá: uma avenida que atravessa o tempo

Corredor importante entre o Centro e o Oeste da Capital, avenida já foi berço da indústria. Hoje, terrenos e estruturas subaproveitadas pedem novos usos e Prefeitura de Fortaleza prevê nova dinâmica em poucos anos

Francisco Sá: uma avenida que atravessa o tempo

Corredor importante entre o Centro e o Oeste da Capital, avenida já foi berço da indústria. Hoje, terrenos e estruturas subaproveitadas pedem novos usos e Prefeitura de Fortaleza prevê nova dinâmica em poucos anos
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Uma das avenidas que mais se transformou em Fortaleza nas últimas décadas, a Francisco Sá parece perdida no tempo. Das quase três mil inscrições imobiliárias que constam na via, apenas seis são da categoria industrial. O corredor viário que tem volume diário de 27 mil carros e que por décadas já foi da produção de castanha, da cera de carnaúba e das oficinas de trens, não é mais o mesmo, embora ainda abrigue imensos armazéns e vazios estruturais. Para a Prefeitura, porém, o cenário deverá ser bem diferente ainda nos próximos cinco ou seis anos. 

Enquanto as mudanças não viram realidade, quem trabalha ou mora na avenida convive com os efeitos que a transformação das atividades econômicas trouxe. Foi lá onde, no começo da década de 1990, diversas indústrias se instalaram e, décadas depois, migraram para o Conjunto Industrial, em Maracanaú, na Região Metropolitana de Fortaleza. O tempo passou e o cenário hoje é de insegurança, imóveis em condições precárias e imprecisão sobre o que será do futuro.

O POVO percorreu a via, que soma cerca de 6 quilômetros. Durante quase duas horas, houve o registro de uma mistura de grandes supermercados, muitos carros, vielas, casas pequenas, outras grandes e antigas, alguns equipamentos públicos sem movimentação e galpões gigantes, muitos que parecem até desocupados mas que abrigam um ou diversas empresas. 

Galpões na Avenida Francisco Sá(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Galpões na Avenida Francisco Sá

Na antiga fábriga da Oiticica — a primeira a se instalar na avenida, ainda em 1934 —, três quarteirões, três enormes tonéis de ferro, dois caminhões quebrados, um trator abandonado e muito entulho dividem espaço com pelo menos mais dez empresas. "Tem sucata, tapiocaria, serigrafia, empresa de produtos químicos, transportadora, retificadora... tudo funcionando", conta João Ferreira, 55, que trabalha como serviços gerais no local há duas décadas.

Do outro lado do asfalto, outra antiga indústria de castanhas já se transformou em terreno onde será construído um condomínio de apartamentos. "Essa também foi desativada há muito tempo, mas a estrutura foi derrubada há pouco tempo", conta João. No terreno, serão erguidas três torres com 17 andares e 432 apartamentos — até oito por andar. 

Seguindo pela avenida, na altura do nº 5.700, outra grande instalação, de 12 mil metros quadrados, está disponível para aluguel. Outra estrutura com tamanho similar e que já foi um galpão de saldão de imóveis conhecido na Cidade, hoje é apenas depósito. Mais à frente, Francisco Osterno, 42, vendedor há 19 anos em uma empresa de serviços na avenida, conta que vivenciou muitas das transformações sociais e econômicas pelas quais a Francisco Sá passou. 

Vista aérea de imóveis na Francisco Sá(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Vista aérea de imóveis na Francisco Sá

"Tinha uma fábrica de eletrodomésticos, que há mais de 10 anos foi para o Conjunto Industrial. Mais ali na frente tem outro terreno grande também, onde era uma antiga distribuidora de alumínio, que acabou virando igreja", conta Osterno. Onde ele trabalha, um segurança particular está presente durante todo o expediente. "Uma das maiores consequências dessas mudanças foi a insegurança. Muita gente já foi assaltada". 

Inserida inicialmente no Fortaleza 2040 (modelo urbanístico que prioriza diversificação do uso do solo) como corredor de urbanização e com pelo menos quatro ações específicas a serem efetivadas, a Francisco Sá recebeu apenas mudanças no trânsito. Trecho de seis quarteirões passou a concentrar todo o volume de veículos no sentido leste-oeste, com desativação do contrafluxo existente. Alteração quis diminuir a taxa de acidentabilidade viária, que de 2019 a 2023 registrou 483 sinistros, com oito mortes e 56 atropelamentos. Houve ainda implantação de ciclofaixa, recapeamento e readequação de calçadas.

A reforma da Praça do Carlito Pamplona, equipamento central da região, ainda não foi realizada. A conclusão era prevista para 2019. Complementam os planos da Prefeitura para a avenida a transformação da linha oeste de metrô (que cruza a Francisco Sá) em boulevard com BRT, o que deverá gerar mais integração da avenida com os bairros vizinhos. A promessa da Prefeitura é de que as intervenções na Praça sejam iniciadas ainda em 2024. O boulevard, entretanto, não deverá sair do papel nos próximos anos. 

"Serei ousada em dizer que as dinâmicas da cidade não levam mais 10 anos. Ou acontecem em cinco ou seis anos, ou ficam mais de uma década. Não temos mais áreas esquecidas, porque as dinâmicas acontecem com muita velocidade. Não tem por que a Francisco Sá não ter um início de nova cara ou potencialidade maior nos próximos cinco anos", detalha a titular da Coordenadoria de Programas Integrados da Prefeitura de Fortaleza (Copifor), Manuela Nogueira. 

Instrumentos que ainda não foram efetivados como políticas deverão ser, conforme Manuela, os condutores de alterações mais profundas no uso e ocupação da Francisco Sá, principalmente sobre os espaços vazios que sobrevivem entre residências, comércios varejistas e estruturas industriais.

Índices construtivos que possam ser mais flexíveis, IPTU Verde ou IPTU Progressivo seriam iniciativas que poderiam contribuir para o melhor aproveitamento dos espaços.

FORTALEZA-CE, BRASIL, 24-01-2024: Galpões na Avenida Francisco Sá. (Foto: Aurélio Alves/O Povo)(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES FORTALEZA-CE, BRASIL, 24-01-2024: Galpões na Avenida Francisco Sá. (Foto: Aurélio Alves/O Povo)

O IPTU Progressivo é um instrumento polêmico, mas que definiria, segundo Manuela, prazo para que os proprietários de terrenos vazios façam uso do espaço, sob pena de pagar o imposto mais caro a cada ano.  

Transformações dependerão ainda do Plano Diretor de Fortaleza, que vigora desde 2008 e está sendo revisado. Ele definirá o que é pensado no Fortaleza 2040.

"O Plano tem essa característica de indicar em algumas áreas, com justificativas técnicas, as centralidades urbanas e zoneamentos, e isso inclui a Francisco Sá", explica Manuela, que destaca a ferramenta de Consulta de Adequabilidade Locacional, disponibilizado pela Secretaria Municipal de Urbanismo e Meio Ambiente (Seuma). Nela, é possível verificar se a atividade que o cidadão pretende empreender é permitida em determinado endereço e se atende às previsões.

 

Inscrições imobiliárias na avenida Francisco Sá

 

 

 

Mercado imobiliário e as tantas possibilidades da Francisco Sá

 

Em Lisboa, no bairro Alcântara, assim como em Fortaleza, no bairro Jacarecanga, um dos primeiros complexos industriais foi uma fábrica de fiação e tecidos. Uma área de 23 mil metros quadrados, de 1846, que foi comprada em 2005 e renasceu três anos depois. Hoje, lá funciona a LXFactory, com 35 lojas, 18 restaurantes e diferentes atrações turísticas, de cultura e de lazer. Esse ou outros destinos, como o de habitação — previsto no Plano Diretor vigente — já poderiam ter sido dados aos tantos espaços da Francisco Sá. 

LX Factory, em Lisboa, revitalizou estruturais industriais de 1846
Foto: Portal Across The Universe
LX Factory, em Lisboa, revitalizou estruturais industriais de 1846

"Lá é uma área pequena, micro, com ações de curto prazo. É pegar uma área e fazer. O erro no Brasil é porque os planejadores pensam para grandes espaços. Acredito nas operações menores, que tenham começo, meio e fim em no máximo 10 anos. Tem de ter uma estratégia política de ir reorganizando em lugares estrategicamente incentivados", detalha a arquiteta e urbanista Regina Monteiro, presidente da Comissão de Proteção à Paisagem Urbana da Prefeitura de São Paulo.  

Regina destaca que não há crescimento urbanístico se não houver desenvolvimento econômico, e o poder público precisa saber quando, onde e como agir. "Não adianta planejar para 10, 20 anos, e não ter instrumentos urbanísticos. Não é necessariamente investimentos com os recursos públicos, mas sim usar da competência para dar regras e viabilizar instrumentos urbanísticos", afirma Regina Monteiro.  

"A disponibilidade de grandes terrenos sempre é um fator positivo e favorável para o caso de grandes empreendimentos. Veja o caso do Riomar Kennedy", aponta Renato Pequeno, professor titular do curso de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Ceará (UFC) e coordenador do Laboratório de Estudos da Habitação (Lehab). O shopping foi construído em 2016 no terreno onde havia galpões desativados. 

Para ele, o contraste de uma via que fornece o deslocamento mais rápido entre o Centro e o lado Oeste de Fortaleza e onde imensos terrenos resistem vazios ou subaproveitados é justifcado pela estagnação do setor imobiliário para determinada faixa de renda e área da Cidade. "A questão é saber se a conjuntura econômica e as condições de acesso são favoráveis e se o setor imobiliário pretende investir nesse tipo de empreendimento", pondera. 

E se a ocupação dos espaços e o melhor uso urbanístico de regiões da Capital dependem do interesse de um segmento específico, só reforça a concepção de que o planejamento e o investimento do Executivo farão a real diferença.

"A Cidade precisa ser planejada em sua totalidade e não em partes, de maneira fragmentada, como ocorreu nas últimas gestões (da Prefeitura de Fortaleza). Onde houver investimentos, ocorre valorização imobiliária e atrai novos investimentos. Veja o caso do Parque Rachel de Queiroz... para não falar da avenida Beira Mar", analisa o professor. 

Sem atrativos estruturais públicos que compensem investimento privado, os terrenos e estruturas físicas desativadas ficam aguardando condições que instiguem o setor construtivo. "Esse mercado persegue as oportunidades e vantagens de cada setor da Cidade, por isso procuram sempre interferir nas diretrizes de planejamento, buscando garantir melhores índices de aproveitamento", pondera Pequeno. 

O aspecto de abandono domina parte dos imóveis na Francisco Sá
Foto: AURÉLIO ALVES
O aspecto de abandono domina parte dos imóveis na Francisco Sá

A titular da Coordenadoria Especial de Programas Integrados (Copifor) da Prefeitura de Fortaleza, Manuela Nogueira, concorda que a questão habitacional pode ser reavaliada na avenida Francisco Sá. "São terrenos grandes, que se fizermos um estudo para ver o impacto no trânsito, o que há ao redor, a necessidade de habitação... podem ser destinados a isso. Ou podem ser grandes centros, de economia digital, por exemplo, que tem sido pujante em Fortaleza", afirma.

De acordo com a Prefeitura, 3.716 pessoas foram certificadas em cursos de marketing digital na Regional 1, onde a avenida está situada, através do projeto Fortaleza Capacita. 

A secretária destaca, porém, que a grande maioria dos terrenos da Francisco Sá pertence à iniciativa privada. "O que cabe à Prefeitura é dar as diretrizes do que ela entende que seja feito na Cidade para o desenvolvimento daquela área", complementa.

O presidente do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscan), Patriolino Dias de Sousa, confirma que o maior atrativo ao mercado imobiliário é se determinada área é atrativa para moradia.

"Presença de equipamentos atraentes na região, infraestrutura, indicadores atrativos, possibilidade de ter uso e ocupações diversificadas e de qualidade, com o auxílio de uma parametrização urbana atrativa, que permita o adensamento da região/via", lista. 

Tais atrativos estão, de acordo com o presidente do Sinduscon, mais consolidados nas regiões Leste e Sul de Fortaleza, onde há procura por moradia, mesmo com poucos indicadores atraentes.

"Mas existe a procura do mercado imobiliário e da população para habitar essas regiões, pois hoje, com a infraestrutura que já existe, há grandes equipamentos públicos e privados que se instalaram nessa região (shoppings, universidades, equipamentos públicos), tornado ela atrativa para moradia também", pondera.

 

Curiosidades sobre a Francisco Sá

 

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