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De olho nos rótulos: o que são as "lupas" adicionadas às embalagens dos alimentos
Reportagem Especial

De olho nos rótulos: o que são as "lupas" adicionadas às embalagens dos alimentos

Alimentos com açúcares, gorduras saturadas e sódio em excesso podem ser mais facilmente identificados. Entenda as regras da nova política de rotulagem

De olho nos rótulos: o que são as "lupas" adicionadas às embalagens dos alimentos

Alimentos com açúcares, gorduras saturadas e sódio em excesso podem ser mais facilmente identificados. Entenda as regras da nova política de rotulagem
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Desde outubro de 2022, os rótulos de alimentos começaram a passar por mudanças. Na frente da embalagem, em local de destaque, o símbolo de uma lupa com o texto “alto em” foi inserido nos produtos que têm açúcar adicionado, gordura saturada e sódio em concentrações expressivas.

A nova regra, aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em 2020 e implementada a partir de 2022, é um esforço para deixar as informações alimentares mais objetivas para os consumidores. Em meio a alegações de produtos “saudáveis”, “fit”, “funcionais” ou “integrais”, mas que trazem composições confusas, fica difícil saber o que realmente faz mal à saúde.

Rótulos frontais foram aprovados em 2020 e começaram a ser implementados no Brasil em 2022(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Rótulos frontais foram aprovados em 2020 e começaram a ser implementados no Brasil em 2022

“Às vezes, a gente tem produtos que destacam várias frases, imagens, símbolos publicitários que dão a entender que um produto é mais ou menos saudável. Por outro lado, ele não fala de uma coisa muito importante, que é a quantidade desses nutrientes específicos que estão relacionados com problemas de saúde pública”, explica Mariana Ribeiro, nutricionista do programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

Os açúcares, a gordura e o sódio foram escolhidos para o destaque frontal nos rótulos devido às evidências científicas mostrarem uma relação direta entre o consumo frequente deles e as Doenças Crônicas Não-Transmissíveis (DCNTs): doenças do coração, respiratórias e renais, a hipertensão, a diabetes, a obesidade e os cânceres.

Se o rótulo tem o símbolo da lupa afirmando que aquele alimento é “alto em açúcar adicionado”, por exemplo, quer dizer que a cada 100 gramas do produto existem 15 gramas ou mais de açúcar, uma quantidade considerada excessiva.

Critérios para aplicação de rótulos frontais em alimentos no Brasil

Made with Flourish

As mudanças especificadas na Instrução Normativa (IN) nº 75/2020 foram inspiradas nas recomendações da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas), que criou critérios para a implementação dos rótulos frontais. A rotulagem do Brasil não chega a ser igual a da Opas, seguindo princípios mais brandos e adotando apenas alguns dos avisos frontais recomendados pela organização.

Os rótulos frontais com as "lupas" já podem ser vistos nas prateleiras dos supermercados(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Os rótulos frontais com as "lupas" já podem ser vistos nas prateleiras dos supermercados

A Anvisa também criou regras para a disposição dos símbolos na embalagem, sendo proibido colocá-los em áreas cobertas ou dobradas, espaços que serão removidos ou rasgados próximo ao lacre, ou em locais de difícil visualização. A lupa sempre deve ter o fundo branco com texto preto, enquanto o nutriente fica em fundo preto com texto branco.

Além disso, a normativa alterou as regras para a tabela de informação nutricional. Desde 2022, a tabela precisa ter letras pretas e fundo branco, respeitando as diretrizes de legibilidade. Também é obrigatória a informação dos nutrientes por 100 gramas bem como por porções caseiras (ex.: colher de chá) para facilitar a comparação com outros produtos.

Já as alegações nutricionais — como frases destacadas sobre o produto ser “rico em vitaminas” ou “zero açúcar” — não podem contradizer o rótulo frontal. Se houver o símbolo de “alto em sódio”, não é permitido fazer alegações sobre o sódio ou sal contido no produto.

Apesar de estar valendo desde 2022, as novas regras têm um longo prazo para serem implementadas em todos os produtos da indústria alimentícia. Produtos que já haviam sido fabricados podem ser comercializados até o fim da validade. Em outubro de 2023, a regra passou a valer para os produtos que já estavam sendo comercializados.

Os alimentos fabricados por pequenos produtores ainda têm até outubro de 2024 para se adequarem às mudanças. Já as bebidas não alcoólicas retornáveis podem substituir os rótulos gradualmente até outubro de 2025.

Alimentos recebem "lupa" sobre alto teor de sódio caso a concentração ultrapasse 600 mg por 100 g de produto(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Alimentos recebem "lupa" sobre alto teor de sódio caso a concentração ultrapasse 600 mg por 100 g de produto

 

 

Novos rótulos são capazes de impactar o consumo?

Se um alimento que você julgava não ser prejudicial à saúde passasse a ter um rótulo que aponta a quantidade exagerada de açúcar contido nele, você continuaria a comprar? Foi o que aconteceu com o advogado Walter Leite, 38, com os energéticos que tinha o costume de consumir. “Depois que comecei a ver em todos a lupinha com alto teor de açúcar, já fiquei com um pouco de resistência e tento não comprar mais”, conta.

Para ele, os consumidores não estão acostumados a serem confrontados com o destaque aos ingredientes mais nocivos nos alimentos. “Antes ficava meio que escondido naquelas letras pequenas e a gente não dava tanta importância. Eu creio que realmente impactou bastante essa mostragem mais explícita”, afirma.

A composição dos iogurtes também surpreendeu o representante comercial Jonatas Malveira, 33. “A gente vê que é natural, zero açúcar, mas mesmo assim é rico em gordura saturada”, diz. Jonatas acredita que os símbolos podem educar o consumidor e inibir a compra desses produtos.

Nery Braz Veras, 39, e o filho Heitor José, 2. Nery conta que tenta substituir biscoitos com a nova rotulagem por produtos mais saudáveis(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Nery Braz Veras, 39, e o filho Heitor José, 2. Nery conta que tenta substituir biscoitos com a nova rotulagem por produtos mais saudáveis

Já a coordenadora pedagógica Nery Braz Veras, 39, explica que nem sempre faz as compras com tempo de prestar atenção em todas as informações nutricionais dos produtos. Principalmente quando está com o filho Heitor, 2. “A gente tenta ter mais consciência, acho que as etiquetas ajudam muito. É mais uma informação. Os biscoitos chamam mais atenção pra mim, e aí a gente faz a troca por algo mais saudável.”

Apesar de não haver ainda estudos feitos no Brasil para avaliar a implementação dos rótulos e a mudança no consumo dos ultraprocessados, outros países que já têm a política da rotulagem frontal há mais tempo passaram por avaliações que mostram resultados positivos.

Conforme um estudo feito por pesquisadores da Universidade de Nevada, nos Estados Unidos, e publicado em 2022 na revista científica The Lancet, os rótulos frontais e as regras de marketing para ultraprocessados no Chile diminuíram as vendas de produtos altos em açúcares, gorduras, sódio e calorias.

 

 

Educação alimentar: como fazer melhores escolhas

Os ultraprocessados, alimentos com ingredientes industrializados e baixo teor nutricional, estão cada vez mais presentes na alimentação da população brasileira. Refrigerantes, biscoitos, iogurtes aromatizados, preparos “instantâneos”, entre outros, acabam entrando na dieta pela praticidade, oferta abundante e preços baixos.

“Nós temos uma vida muito corrida e agitada. As pessoas não têm tempo nem de sentar à mesa direito para fazer uma refeição. Então, esses produtos, por serem alimentos de fácil acesso e valor acessível, estão muito inseridos no dia a dia”, explica a nutricionista clínica Léa Bianch.

Além disso, a dificuldade de entender os rótulos confusos dos alimentos pode piorar as escolhas alimentares. As mudanças na tabela nutricional e na rotulagem frontal facilitam o entendimento, mas ainda é preciso mais informações para auxiliar as decisões na hora da compra.

Consumo exagerado de açúcar, gordura e sódio é relacionado a problemas de saúde como diabetes, obesidade e hipertensão(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Consumo exagerado de açúcar, gordura e sódio é relacionado a problemas de saúde como diabetes, obesidade e hipertensão

Ultraprocessados que não têm o símbolo da lupa indicando alto teor de açúcar, gordura e sódio, podem continuar sendo prejudiciais à saúde. Outros ingredientes, como os aditivos alimentares, também estão relacionados com doenças, conforme Mariana Ribeiro, nutricionista do programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

Os aditivos são ingredientes que ajudam a modificar a cor, o aroma, o sabor ou a textura, “maquiando” os produtos. Por exemplo, um sorvete sabor morango pode não ter a fruta, mas sim aditivos que imitam o aroma e o gosto do alimento.

Produtos ultraprocessados, como biscoitos, salgadinhos e refrigerantes, têm alto teor de ingredientes nocivos à saúde(Foto: AURÉLIO ALVES)
Foto: AURÉLIO ALVES Produtos ultraprocessados, como biscoitos, salgadinhos e refrigerantes, têm alto teor de ingredientes nocivos à saúde

“Então, se eu tenho um ultraprocessado e só tiro o açúcar dele e coloco o edulcorante, que é o adoçante, por exemplo, não é o suficiente para falar que o produto virou saudável”, explica a nutricionista Mariana. Conforme recomendações da Organização Pan-Americana da Saúde, os edulcorantes também devem ser identificados em destaque nos rótulos, como ocorre na Argentina e no México.

Por isso, além do esforço para implementar as novas regras de rotulagem, Mariana acredita que é necessário uma padronização também da lista de ingredientes, de forma que fique mais visível e compreensível.

“As pessoas precisam saber que o primeiro ingrediente que aparece é o que mais prevalece naquele alimento, porque a lista aparece de maneira decrescente. Se vou comprar um molho de tomate e o primeiro ingrediente é o açúcar, significa que a maior parte do carboidrato daquele molho é açúcar”, explica Léa.

Mariana indica que os consumidores procurem seguir o Guia Alimentar para a População Brasileira, elaborado pelo Ministério da Saúde, para orientar as compras de alimentos. “Ele recomenda que a base da nossa alimentação seja de alimentos in natura e minimamente processados, como frutas, verduras, legumes, carnes para quem consome, arroz, feijão”, afirma.

No início de março, uma portaria do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social divulgou a lista dos produtos incluídos na nova cesta básica, com alimentos in natura ou pouco processados. Os ultraprocessados ficaram de fora da lista.

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