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Alan Neto, personagem dele mesmo e a homenagem dos amigos
Reportagem Especial

Alan Neto, personagem dele mesmo e a homenagem dos amigos

Controverso e excêntrico, também teatral, gentil e companheiro. São muitos os adjetivos que abarcam e definem o jornalista Alan Neto, no testemunho do companheiros que partilharam (con)vivências pela redação do O POVO e pela vida. Alan partiu nesta quarta-feira, 3 de abril e, em meio à comoção que nos abraçou, O POVO+ reuniu uma coletânea de textos que traçam as muitas dimensões desse camarada

Alan Neto, personagem dele mesmo e a homenagem dos amigos

Controverso e excêntrico, também teatral, gentil e companheiro. São muitos os adjetivos que abarcam e definem o jornalista Alan Neto, no testemunho do companheiros que partilharam (con)vivências pela redação do O POVO e pela vida. Alan partiu nesta quarta-feira, 3 de abril e, em meio à comoção que nos abraçou, O POVO+ reuniu uma coletânea de textos que traçam as muitas dimensões desse camarada
Tipo Análise Por

  

 

Se havia um ínfimo que eu admirava no Alan Neto, era a disposição que ele tinha para a Redação. Digo melhor, para as Redações do jornal impresso, da rádio, da TV e, por último, até no YouTuBe. Cinthia Medeiros me lembrou, ele era um assíduo com a profissão e esbanjava alegria, cortesia e gentileza. Valem todas as redundâncias.

Além disso, Alan era um personagem controverso mesmo. Amado e odiado principalmente pela persistência singular que fazia no jornalismo esportivo. O icônico Trem Bala é um programa de auditório à moda antiga e super contemporâneo porque dava um nó na audiência.

 

Milhões de vezes ouvi de amigos, de leitores, de espectadores e de ouvintes fazerem críticas ao programa, mas não deixavam de conferir diariamente aquele apresentador performático e uma instalação ao vivo. Ele e seus elefantes na bancada... Alan, ainda bem, também era teatral (ele amava o teatro) e envelopava a informação jornalística no estilo (particular) dele.

"Olha o deeeedo... do Trem Bala" virou um jargão, uma marca, uma piada, uma manchete, uma das maneiras de ganhar a audiência... E não era raro ouvir alguém repetindo a máxima criada por Alan, sintoma de popularidade.

Alan Neto já vinha fazendo falta na Redação, desde que a pandemia mudou tudo no principal habitat dos jornalistas. Ele preenchia uma presença marcante, não tinha como não notá-lo.

Aquele personagem saído de uma coluna do jornal impresso, do estúdio da Rádio O POVO/CBN, da televisão... Ali, altão, elegante, gentil! E discutindo, aos 80 e tantos anos, grandes reportagens, riscos e memórias com alguns repórteres que admirava na Redação. Era um grande leitor também.

Fará falta, mas agradeço pelo tempo que estive ao seu lado na Redação do O POVO. E também irei rir em sua memória e por sua alegria.

Leia também>> 

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Leia abaixo a edição especial do O POVO em homenagem a Alan Neto

 

As várias facetas de Alan Neto(Foto: Fco Fontenele)
Foto: Fco Fontenele As várias facetas de Alan Neto

Ele prometeu que nunca ia parar. Nem a pau, nem a bala

Por Brenno Rebouças*

Sabíamos que a promessa não falava de si, mas da marca que criara e que se orgulhava tanto, o Trem Bala. No entanto, a afirmativa podia facilmente se aplicar também ao maquinista. Fosse pela facilidade com que atravessou gerações, conseguindo conversar com cada uma delas, até com a da internet, que ele não dominava, mas que o fez quebrar as fronteiras do Estado; fosse por ser um incansável no trabalho.

Inimigo das férias, Alan tinha no rádio, na TV e na coluna que mantinha no jornal O POVO o seu elixir da vida. Por ele, teria trabalhado até o último dia entre nós. Para além do comunicador excêntrico e autêntico, que não passava despercebido nunca e por isso foi relevante até o fim, havia o homem educado, gentil, atencioso e afetuoso da redação e das ruas. O Alan Neto agitado, caricato e polêmico à frente das câmeras e microfones era um ser totalmente ao avesso como cidadão. Sereno, paciente, cordial.

Generoso, Alan fez do seu Trem uma escola. Dividiu a bola e a audiência que tinha com muitos novatos, como eu, sem querer podá-los ou ter receio de perder espaço. Tinha o “olho clínico”. Agora, Alan segue para o Trem da eternidade, que tanto mencionava. Lá, encontrará os atletas que entrevistou, inclusive o Rei Pelé; vai rever aqueles com quem conviveu e marcou a vida, assim como marcou a nossa, e finalmente poder cumprir o sonho de não parar jamais. Neste novo trem, no entanto, ele não precisará apertar os cintos, pois já não haverá turbulência. Em paz: parte, Trem Bala!

*Brenno Rebouças é jornalista e ex-integrante do Trem Bala

 

 

 

Alan Neto – o ícone, o homem

Por Daniela Nogueira*

Quando saí da bancada do Trem Bala, ainda na TV O POVO, para assumir o cargo de ombudsman no O POVO, o Alan pediu: “Vá, mas volte. Este lugar é seu e vai ficar esperando por você”. Caminhamos por outras estações, mas sempre por perto, no vagão ao lado. Amizade.

Em setembro do ano passado, quando o “Trem Bala” voltou às telas do O POVO, o Alan me chamou. Queria que eu voltasse ao programa. Alan, não posso, tenho aula, nesse horário não dá. “Eu quero você aqui, dê um jeitinho.” Não consegui, mas continuei acompanhando no vagão do lado. Gratidão.

O Alan sabia criar personagens de maneira magistral. Entre o Homem Mau, o Nariz de Palhaço, o Britânico, o Bi Bola de Ouro, o Balacó e tantos outros queridos, fui “A bela entre as feras”. Morria de vergonha quando me reconheciam. Brincávamos muito nos bastidores, tínhamos crise de risos no ar, éramos pegos de surpresa com os improvisos dele ao vivo. A gente se divertia mais do que se levava a sério. Irreverência.

Quando estava no Esportes e editava a coluna dele, uma vez mudei uma pontuação e coloquei um ponto e vírgula. No dia seguinte, ele questionou. Mas, Alan, não cabia vírgula ali, era uma pausa maior. “Dani, sabe o que é? É que eu odeio ponto e vírgula”. Nunca conheci ninguém que odiasse o ; e nunca mais acrescentei isso aos textos dele. Respeito.

Alan era pujança, era força, era disposição. Bomba de mil megatons, cadeira elétrica, não para, não para, não para. Mas também, e sobretudo, era gentileza, cordialidade, cuidado, paciência. Onde nos visse, parava e vinha cumprimentar com cavalheirismo. Um príncipe, como diz a Fatinha. Elegância.

Nos últimos dias, os encontros com os amigos eram envernizados com falas retóricas. “Dani, e o Alan, hein?” Pois é, o Alan... Ansiedade e medo.

O Alan Neto marcou a vida de muitos de nós. Amigos e colegas, ali no vagão do lado. Admiradores e público, ali na estação mais próxima. Entre embarques e desembarques, hoje o Trem Bala mudou de direção e fez deste um dia triste, muito triste.

Boa viagem, Trem Bala! Que Deus o receba e Nossa Senhora das Graças, a padroeira do seu aniversário, o leve até a alegria que você tanto disseminou.

Meu respeito, minha admiração e minha gratidão.

*Daniela Nogueira, jornalista, assessora de Comunicação do O POVO e ‘passageira do Trem Bala’

 

 

 

 

Alan Neto: um homem gentil

Por Tânia Alves*

Ele sabia usar palavras esquisitas como poucos, criava apelidos polêmicos que acabavam corriqueiros, produzia bordões que, imediatamente, se tornavam populares, sabia utilizar os gestos, especialmente com as mãos, para transmitir sentimentos.

Podia aparentar arrogante, mas era um homem gentil, amável, carinhoso com os colegas e que trazia o dom do amor no coração. É desse Alan Neto, da convivência diária na redação, que vou lembrar agora que ele nos deixou.

Quero sempre recordar do homem que abria os braços grandes quando encontrava com colegas queridos nos corredores da empresa. Foi assim no nosso último encontro, um ou dois dias antes do acidente. Ele saindo e eu chegando no O POVO. Aquele abraço apertado, com ele falando meu nome no diminutivo antes do beijo na testa, a felicidade dele estampada num sorriso. Entendi depois que era uma despedida. Ele e eu precisávamos daquele momento nessa vida.

Quero lembrar de quando o Alan Neto voltou para O POVO se tornou um de nós.

Já era famoso em todo o Ceará numa época sem redes sociais, chegando àquela condição, apenas usando a voz nas ondas do rádio e a caneta para contar sobre os bastidores do futebol cearense.

Ao entrar na redação, fazia o ritual diário de espalhar perfume pelo ambiente antes de sentar no mesmo canto para usar a máquina de escrever ou o computador. Talvez para dissipar as energias. Puxava o telefone fixo para perto de si, e só começava a escrever a coluna, após um telefonema ou outro para apuração de notícias. Ali, no meio do barulho, ensinava, sem dizer palavras, que a convivência era combustível para a permanência viva no jornalismo.

Acima de tudo, quero lembrar do Alan Neto resiliente que passou por várias gerações de jornalistas, mas que nunca deixou de pertencer ao hoje. Do homem que foi capaz de, já com 60 ou mais, viralizar no Brasil com seus bordões sem nunca ter criado redes sociais, ou gostar de usar celular. Talvez por ter sido autêntico a vida toda.

A sensação que fica é de que Alan Neto veio ao mundo para transmitir notícias com leveza. Vou sentir saudades dos abraços e também do dedo rodando durante o Trem Bala, mas acredito que, profissionalmente, a missão dada foi bem cumprida por aqui. Siga em paz, jornalista.

*Tânia Alves é editora-chefe de Cidades do O POVO

 

 


Meu obrigado tardio

Por Rafael Luis Azevedo*

Alan Neto foi muito importante pra minha carreira. Ele se afeiçoou a mim quando trabalhamos no O POVO, então me levou pra produzir seu programa na TV Jangadeiro.

Eu ficava cheio de perna quando ouvia, na rádio O POVO, que era o filho que ele não teve. Por isso, o convidei pra ser padrinho de meu casamento, em 2007.

Foram anos de gentilezas. Quando fui pra cobertura da Copa do Mundo de 2010, Alan me enviou uma cartinha escrita à mão com alguns dólares pra eu "não me preocupar".

Sempre foi um gentleman. Quando minha mãe sofreu um problema de saúde sério, lá estava ele no hospital oferecendo o conforto.

Apesar de tudo, cometi uma indelicadeza. Tava cansado da rotina, então pedi demissão do O POVO sem conversar com ele antes. Alan parece ter ficado chateado.

De 2012 pra cá, nos falamos só três vezes. Na última, liguei pra casa dele pra buscar divulgação a um filme meu. Como a voz indicou, ele ficou emocionado com a surpresa.

Quando soube que Alan estava em estado crítico e precisava de doações de sangue, abri os trabalhos do banco de captação no dia seguinte. Uma pequena retribuição.

Todo jornalista pode listar os profissionais que o inspiraram ou abriram portas no início de carreira. Queria ter sido mais atencioso e agradecido ao Alan Neto.

*Rafael Luis Azevedo, jornalista. Trabalhou no O POVO de 2004 a 2012

 

 

 

 

Carinho e cheiro de talco

Por Ciro Câmara*

Hoje me peguei refletindo sobre o Alan Neto. Foram anos de convivência no estúdio da rádio, bancada da TV e redação do O POVO. E, incrível, de tantas memórias, o que me veio à mente em primeiro lugar não diz respeito ao dia a dia da comunicação. Eu lembro da gentileza e atenção do Alan. Dezenas de vezes vi pessoas sem recursos financeiros lhe pedirem dinheiro para um remédio, cesta básica ou pagar um boleto. O Alan nunca dizia não. Nunca!

Só rodava de táxi. Dava o dinheiro ao motorista e pedia para ele resolver o pedido durante o período do programa ou expediente no jornal. Quando entrava, cumprimentava todo mundo com carinho e cheiro de talco. Era verdadeiro périplo de companheirismo e humildade todo santo dia. Beijava a minha cabeça e soltava “Cirinho, Cirinho”, no que eu retribuía com um beijo na mão e um “Fala, Trem”. E aí começava a resenha sobre o que ia pro papel ou ao ar na rádio e TV.

Por falar em rádio e TV, ele me chamava ao vivo de “CC”, iniciais de Ciro Câmara. Por aqui a gente pouco usa o termo, mas cecê, no Sudeste, em especial, é gíria para mau cheiro. Certa vez eu disse, “Alan, você me chama de CC e a audiência fica mandando mensagem dizendo que eu tenho suvaqueira”. E ele: “Mas você é tão cheiroso, Cirinho”. Até hoje eu abro um sorriso lembrando dessa inspirada e esperta resposta, bem ao estilo dele.

Ele sabia reconhecer bom jornalista; dava corda, vibrava e apelidava, tendo sido fundamenta para projetar dezenas de colegas ao longo dos anos. Conheceu a minha atual esposa na Jangadeiro. Quando a via para cima e para baixo apurando matéria ao telefone ele falava para o seu Wanderley, outro da velha guarda na TV da Antônio Sales: “Essa menina é jornalista”. Aí certo dia ele a viu me aguardando na rádio e soltou pra gente, sério. “Eu quero ser padrinho desse casamento!”. Seis anos depois, lá estavam Alan e a amada Beth Davis na fila da cerimônia, abençoando a união.

Quando eu deixei o jornalismo esportivo ele foi a primeira pessoa a quem comuniquei. Fechou a indefectível valise que sempre o acompanhava e me disse, nos olhos: “Cirinho, você pode tentar o quanto quiser, mas o jornalismo nunca vai sair de você”. Foi a última de várias lições que me passou. Obrigado por tudo, Trem. Agora você pode passar adiante…

*Ciro Câmara é jornalista e pesquisador

 

 

 

Ao Mestre Alan, com carinho

Por Luís Pedro Neto*

O ano era 1976. Havia acabado de ingressar na Rádio Iracema de Fortaleza para compor o Departamento de Radiojornalismo. Diariamente, via chegar à emissora aquele que eu conhecia apenas como ouvinte do seu “Superlativo” e de suas bombas noticiosas de mil megatons.

Um dia, recebi dele o convite para compor a equipe. Tomei um susto. Porém, aceitei de pronto e, logo à noite, fiz a minha estreia. Confesso que fui levado pela emoção de falar em uma emissora de rádio. Não fui bem. Necessitou a intervenção do mestre Alan Neto para conter minha ansiedade e repassar as orientações da maneira correta.

Começava ali minha trajetória no jornalismo esportivo. Com o Alan, a quem passei a chamá-lo de Mestre dos Mestres, aprendi lições: a primeira, o jornalista esportivo não deve se deixar levar pela paixão clubística, imparcialidade acima de tudo; a segunda, nunca acreditar apenas na versão oficial, há sempre outro lado a ser ouvido.

O tempo acabou por nos reservar uma grande surpresa. Em dezembro de 1981, fui convidado pela direção do O POVO para assumir o cargo de editor. Naquele momento, a hierarquia me colocava como chefe do Mestre Alan Neto, redator diário da coluna Confidencial. Fui leitor assíduo até o último texto e, agora, sentirei falta. Nossa amizade e lealdade permaneceram.

No fim da tarde desta quarta-feira, quando tomei conhecimento da passagem do Alan para o plano celestial, confesso que foi difícil segurar a emoção. Agora, o Mestre dos Mestres descansa. Um profissional que teve grande audiência também na televisão pilotando o seu Trem Bala.

Encontrei-me com o Alan num supermercado, casualmente, no ano passado, quando tive a oportunidade de abraçá-lo. Não imaginava que era nosso último cumprimento. Por dever de gratidão: obrigado, Alan, pela amizade e pela oportunidade naquele ano de 1976, ao abrir o microfone para aquele jovem estudante de jornalismo.

*Luís Pedro Neto, jornalista, foi editor de Esportes do O POVO

 

 

 

Inovação e credibilidade no colunismo esportivo

Por Adeodato Junior*

Foi com muita consternação que recebi a infausta notícia da passagem do amigo e ex-companheiro de longa data do O POVO, Alan Neto, para o Reino Celestial. Convivi com o “Trem Bala” desde 1965, quando ingressamos no Jornal praticamente juntos, na antiga sede da rua Senador Pompeu. Alan introduziu um novo modelo de colunismo esportivo, “caçando” a notícia onde ela estivesse e criando bordões que se sustentaram ao longo de quase seis décadas, como “rigorosamente verdadeiro”, “passem adiante”, “há algo no ar além dos aviões” e “quem me disse não mente”.

A morte de Alan deixa uma lacuna impreenchível neste segmento do jornalismo. Também enveredou na área política e sua coluna, aos domingos, era uma das mais lidas do O POVO. Criou um estilo próprio de escrever sobre esportes, mantendo uma identificação com o torcedor ao falar a sua linguagem, de forma simples e direta, seja no jornal, no rádio ou na televisão.

Alan era um jornalista multifacetado, versátil e que sabia exatamente onde “as andorinhas dormiam”. No início da carreira, fazia questão de marcar presença “em cima do lance”, como, por exemplo, ao comparecer ao escritório de José Elias Bachá, presidente do Ceará na época, para ver o ídolo Gildo renovando contrato, ou ao de Otoni Diniz, do Fortaleza, para testemunhar o não menos famoso Mozart prorrogando seu vínculo com o Leão.

A lembrança que guardarei do Alan é de uma pessoa cordial, de fino trato, “amigo de fé e camarada” de muitas jornadas. Na Redação do O POVO, no final da noite, me perguntava: “Junior (assim ele me chamava) pode me dar uma carona hoje?” E eu o levava no meu carro, geralmente falando de assuntos diversos, extra futebol. Sempre de regime, passava horas a fio na Redação sem nada comer. Mas não perdia a chance de “filar” uma bolachinha do meu pacote para enganar a fome.

Querido amigo, que Deus o tenha e conforte os corações de Ivanilde (esposa), Alana (filha), Júlia “Xerim” (neta) e demais familiares. Adeus!

*Adeotado Junior é jornalista e foi companheiro de redação de Alan Neto no O POVO


 

 

Alan, muito mais que o jornalista

Por Luiz Henrique Campos*

A morte de Alan Neto é um dos daqueles momentos em que o jornalismo em essência, aquele que tem como arte ir atrás da notícia, vai aos poucos se entregando ao modelo atual de informar de maneira impessoal. Alan Neto, que era um personagem, pois seu nome nem era esse, soube como poucos cultivar o hábito das múltiplas fontes, sem se indispor com elas nem poupá-las.

Alan era daqueles que não sabia usar redes sociais, mas suas colunas e programas mantinham audiência extraordinária porque se sabia que dali poderia sair a qualquer momento um “furo de reportagem”. E a busca desses furos era a sua expertise, porque também era o seu alimento diário. Alan era avesso a eventos sociais, almoços, jantares ou homenagens, nunca ia. Mas tinha todos à sua mão, porque sabia tirar o que era importante para a construção de uma notícia.

Um príncipe sedutor no modo de falar, se vestir e até caminhar com a sua antiga maleta 007 pelas redações, mantinha essa característica no trato pessoal. Até poucos meses antes de ser hospitalizado, recebia semanalmente ligações suas pedindo uma informação exclusiva que “só você sabe”, como costumava iniciar a conversa.

Conversa que enveredava por análises sobre política, futebol, economia etc. Era um instigador. Era daqueles que nunca deixava uma conversa sem a contrapartida de uma boa notícia. Brincalhão, criou bordões que uso até hoje, como “uma pandega” ou “compre-me um bode”, ou até uma tal de Umarizeira das Lajes, onde disse ter nascido e chegou a se irritar quando lhe perguntei em uma entrevista se esse lugar existia mesmo.

Mas Alan era muito mais do que um jornalista e esse fato revela para mim um espírito de luz. No dia do velório de meu pai, eram 2 horas da manhã, e apenas três pessoas da família ali se encontravam. Pois de repente Alan chega e fica conosco até por volta das 4. Algum tempo depois ele me disse que esse é o horário mais doloroso, pois é quando todos vão embora e os poucos familiares ficam desamparados. Essa seria, para Alan, a verdadeira hora da solidariedade.


*Luiz Henrique Campos é jornalista, foi repórter e editor do O POVO e atualmente coordenador de Comunicação da BSPar Incorporações SA

 

 

 

Um Trem Bala para a Eternidade

Por Tércio Brilhante

Minha eulogia de adeus à Alan Neto, lenda do jornalismo cearense

Quando eu tinha 8 anos, desenvolvi um hábito que se tornaria parte da minha rotina pelo resto da minha infância: ler o caderno de esportes do jornal no caminho para a escola. Em meio às notícias de sempre, me chamava atenção uma coluna muito bem humorada, que discorria sobre o futebol local de uma forma irreverente, recheada de palavras e expressões curiosas como “pândega” e “cara pálida”.

Tratava-se do texto do grande Alan Neto, que nos deixou nesta quarta-feira (3/4). Naquele mesmo ano, estreou na TV O POVO o programa “Trem Bala”, que logo conquistou seu espaço no meu cotidiano: na hora do almoço, chegava da escola, ligava a TV e me divertia com os bordões de Alan e suas interações com Evaristo Nogueira, o “Homem Mau”, e Sérgio Ponte, seu irmão e parceiro de longa data.

Com muita história no jornalismo cearense, principalmente na cobertura esportiva, a trajetória de Alan Neto se confunde com a história recente do nosso futebol. Alan entrevistou o fundador do Fortaleza, Alcides Santos, no aniversário de 50 anos do clube tricolor; esteve presente nos primeiros dias do Estádio Castelão, comandou por anos a fio o programa “Superlativo”, na rádio e na TV.

Sempre criativo, Alan possuía um talento singular para batizar os quadros e personagens de seus programas: entrevistas na “metralhadora giratória” e na “cadeira elétrica ". Polêmico sem ser controverso, era especialmente bem quisto pelas crianças, fãs de seus bordões e frases de efeito.

Já adulto, cursando jornalismo na faculdade, criei com meu amigo Yuri Gomes o “Acervo do Trem Bala” nas redes sociais. Me sinto realizado ao saber que muitas pessoas conheceram os gracejos idiossincráticos de Alan e cia. por meio da página.

Agora o que me resta são essas doces lembranças, de uma infância que foi um pouco mais feliz graças ao trem bala, que agora parte para as estrelas rumo à eternidade.

*Tércio Brilhante é estudante de Jornalismo e autor da página "Acervo Trem Bala"

 

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