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Ceará 2050: como o Ceará pensa o meio ambiente a longo prazo
Reportagem Especial

Ceará 2050: como o Ceará pensa o meio ambiente a longo prazo

Programa Ceará 2050 estabeleceu metas, prazos e recursos, mas hoje funciona apenas como norte para ações já desenvolvidas ou previstas pelo Governo do Estado

Ceará 2050: como o Ceará pensa o meio ambiente a longo prazo

Programa Ceará 2050 estabeleceu metas, prazos e recursos, mas hoje funciona apenas como norte para ações já desenvolvidas ou previstas pelo Governo do Estado
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Desertificação, destinação de resíduos sólidos, emissão de CO2, energia de matriz renovável e acesso à água potável. Esses são os principais eixos ambientais tratados pelo Ceará 2050, projeto lançado em 2022 pelo Governo do Estado e que estabelece objetivos, metas e prazos para o desenvolvimento ambientalmente sustentável dentro do universo de segmentos econômicos e sociais mais fortes do povo cearense.

Um programa estratégico de Ativos Ambientais — junto a outros 19, de temáticas diferentes — chegou a ser elaborado para pautar ações e projetos relativos a planejamento, organização, gestão e investimentos em infraestrutura. Neste documento, há um cronograma que define datas e recursos para execução de 14 iniciativas (entre confecção de estudos e de planos à operacionalização de ações). Tudo partindo de um diagnóstico, que considerou a experiência histórica e geográfica do Ceará dos últimos 30 anos.

Imagens aéreas da desertificação que atinge o município cearense de Irauçuba: temática faz parte do projeto Ceará 2050(Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Imagens aéreas da desertificação que atinge o município cearense de Irauçuba: temática faz parte do projeto Ceará 2050

O programa, entretanto, ainda não teve seus indicativos concretizados. Divulgado de forma intensa e específica, o Ceará 2050 acabou perdendo espaço na execução de iniciativas. Atualmente, é a Lei nº 18.709/2024, que dispõe sobre o Plano Estratégico Estadual de Longo Prazo (PLP), que guia as ações do Governo do Ceará. Porém, de acordo com o próprio Governo, considerando todos os objetivos estratégicos traçados pelo programa.

Objetivos que começaram a ser pensados com o diagnóstico, feito em 2017, que mapeou a base territorial cearense, as áreas de proteção, os biomas existentes, as unidades de conservação e as áreas de preservação. “A questão climática é o primeiro desafio, mesmo fora do contexto das mudanças climáticas. Porque a gente já convive com a problemática da seca e da desertificação. E com a tendência de agravamento”, explica Magda Helena Maia, que é doutora em Desenvolvimento e Meio Ambiente e participou da elaboração do diagnóstico.

Um dos grandes problemas a ser enfrentado é a ausência de saneamento básico nas áreas urbanas — realidade que atinge 66% dos cearenses — e a consequente contaminação do solo, que também ocorre na zona rural pelo uso de agrotóxicos. Há ainda os impactos da alteração da dinâmica costeira na zona litorânea. “Mapeamos também como desafio a necessidade de educação ambiental, de uma cultura ambiental”, frisa Magda.

Pesquisadora Magda Helena Maia foi uma das participantes do eixo ambiental do documento Ceará 2050(Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA Pesquisadora Magda Helena Maia foi uma das participantes do eixo ambiental do documento Ceará 2050

A gestão dos resíduos sólidos também foi identificada como desafio, com destaque para a existência de lixões e a dificuldade ao atendimento à Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), que dá até agosto para a inexistência de lixões. No Ceará, o prazo não deverá ser cumprido, tendo em vista que ainda existem pelo menos 300 lixões a céu aberto no Estado.

Para Magda, o Ceará precisa ter um olhar diferenciado para as próprias potencialidades, no sentido de reduzir pressões em determinadas áreas. “A economia de alguns municípios é totalmente centrada na agricultura, sendo que temos um cenário de escassez hídrica intenso, então pode não ser a melhor estratégia. Temos de investir mais em inovação e em educação ambiental”, pondera a doutora em Desenvolvimento e Meio Ambiente.

 

Especialistas destacam desafios no Estado

 

“O que precisamos é dar concretude, é avançar com as transformações normativas necessárias: como vou construir minha política de desertificação para alcançar as metas? Isso depende da criação de programas.” O questionamento é do advogado e professor, especialista em transição energética e justiça socioambiental, Rárisson Sampaio. Ele destaca a importância de um programa que mostre como o Estado deve fazer para chegar onde almeja, mas critica como o processo do Ceará 2050 aconteceu.

Ele destaca o foco desenvolvimentista e de infraestrutura do programa e afirma que, enquanto plataforma colaborativa, o Ceará 2050 deixou a desejar. “Foi elaborado junto com a Universidade Federal do Ceará (UFC), mas não integra a construção científica das outras universidades estaduais. Sou do Cariri, vivo e atuo aqui, e vi muito pouco do Cariri traduzido. É um olhar do Ceará que não olha o Ceará por inteiro”, afirma Rárisson.

A gestão de resíduos no Estado é desafio e uma das pautas do Ceará 2050(Foto: Samuel Setubal-Especial para O Povo)
Foto: Samuel Setubal-Especial para O Povo A gestão de resíduos no Estado é desafio e uma das pautas do Ceará 2050

Conforme ele, o planejamento a longo prazo do Estado considera a sustentabilidade principalmente do ponto de vista do desenvolvimento das energias renováveis e da mitigação das emissões de CO2, mas sem estar bem delineado. “A questão energética é o carro-chefe e precisa de zoneamento ambiental, porque pega áreas suscetíveis à desertificação e pensa em empreendimento, e a forma como é executado acaba gerando passivo ambiental.”

O professor do Instituto de Ciências do Mar (Labomar), Paulo Sousa, ressalta que o planejamento de longo prazo tem impacto direto na redução de volume de resíduos descartados de forma errada. “Além de permitir ações de educação ambiental que possam conscientizar a população sobre a problemática do lixo e também viabilizar que gestores possam preparar melhor o Estado para lidar com o problema”, complementa.

Uma das questões mais urgentes, de acordo com o professor do Labomar, são os lixões a céu aberto. “Geram gases e chorume tóxicos que poluem o solo, a água e o ar. Um desses gases pode ser o metano, que contribui para o aumento do efeito estufa, intensificando as mudanças climáticas”, explicou.

 

 

Ações, prazos e recursos são substituídos

 

Apesar dos esforços em mapear cenários e desafios ambientais do Ceará, propor ações com prazos e recursos, estabelecendo metas específicas, o Ceará 2050 funciona apenas como norteador da Lei de Planejamento Estratégico de Longo Prazo (PLP). A legislação, por sua vez, não menciona nenhum período de execução além dos 24 anos de sua duração.

De acordo com o Governo do Estado, os programas e projetos que vão viabilizar o cumprimento do PLP — que já haviam sido especificados no Ceará 2050 — na verdade serão contemplados nos Planos Plurianuais (PPA) e Leis Orçamentárias Anuais (LOA) vigentes no período abrangido pelo PLP. Também houve mudanças na hora de unir desafios identificados no diagnóstico e as metas estabelecidas.

José de Paula Barros Neto, professor da UFC, instituição parceira do programa Ceará 2050(Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Arquivo Pessoal José de Paula Barros Neto, professor da UFC, instituição parceira do programa Ceará 2050

“Nem sempre você consegue fechar metas… precisa de produtividade, que envolve tanta coisa, e é transversal. O diagnóstico é amplo e profundo, e as metas foram resultado de discussões envolvendo a sociedade civil, empresários e academia”, explica o coordenador do Ceará 2050, Barros Neto. Ele é professor titular da Universidade Federal do Ceará (UFC), parceira do Governo do Estado na elaboração do programa.

O professor explica que o Ceará 2050 é um “nome fantasia” para o planejamento de longo prazo e considera que poderá haver mais mudanças nesse fluxo entre diagnóstico-ações-metas-execução. A pandemia de Covid-19 também teria tido grande peso nas transformações. “Precisamos lutar pela governança, para manter o projeto vivo. É ter instâncias de discussão, de priorização… Não é possível fazer tudo, não há recurso e gente, então o que será feito primeiro?”, pondera.

O professor destaca que, quanto ao programa estratégico de Ativos Ambientais, que não teve suas ações tocadas, outras iniciativas da Secretaria de Meio Ambiente (Sema) contemplam os mesmos objetivos. “Os Ativos Ambientais são importantes para o Estado. É um programa, mas as ações vão sendo feitas e outras são implantadas. É um processo dinâmico. É uma visão naquele momento, mas existe a noção de que haverá pequenas adaptações ao longo do tempo.”

Dentre essas substituições ou transversalidades das ações na temática de mudanças climáticas, a Sema destacou, sem especificar prazos, recursos e resultados, o programa “Ceará no Clima - descarbonizando e se adaptando com justiça climática”, presente no Plano Plurianual - PPA 2024-20257; a Lei nº 16.146/2016, que institui a Política Estadual sobre Mudanças Climáticas - PEMC; e a adesão a iniciativas e compromissos internacionais. Além do Plano para Adaptação à Mudança do Clima e Baixa Emissão de Carbono na Agropecuária (2020-2030).

Gestão de resíduos faz parte do programa Ceará 2050. Na foto, trilhas do Parque do Cocó fechadas ao público, em janeiro de 2024, expõem resíduos deixados no parque (Foto: FERNANDA BARROS)
Foto: FERNANDA BARROS Gestão de resíduos faz parte do programa Ceará 2050. Na foto, trilhas do Parque do Cocó fechadas ao público, em janeiro de 2024, expõem resíduos deixados no parque

Tem a Política Estadual de Pagamento por Serviços Ambientais (PSA), que virou lei estadual e aguarda decreto regulamentador em análise da Procuradoria Geral do Estado (PGE). A Sema citou ainda o Inovafauna, que pretende desenvolver inovação para reverter quadros de extinção; o Inventário da Flora, que levantou a existência de 2.465 espécies de plantas com frutos e flores no Ceará. Sobre educação ambiental, foram destacadas as campanhas fixas anuais e o Programa Agente Jovem Ambiental (AJAs).

O Programa Sertão Vivo e o Projeto Cílios do Jaguaribe também foram mencionados, além da Política e Plano Estadual de Resíduos Sólidos e os Planos Regionais de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos. Tem também os Planos de Coletas Seletivas e o Programa Auxílio Catador. Não houve repasse de informações sobre custo, prazo e resultados alcançados.

 

 

Um programa de 28 anos virou seis de quatro anos

 

Uma grande teia colaborativa. Assim o Ceará 2050 foi apresentado à população, na perspectiva de ser uma plataforma que reuniria visões de futuro de diferentes setores. Conforme informações da Secretaria de Planejamento do Ceará (Seplag), houve quatro mil participações de representantes de governos federal, estadual e municipais, dos setores econômicos, da academia, das organizações não-governamentais, dos movimentos sociais e da população em geral.

Sandra Machado, secretária da Seplag(Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA Sandra Machado, secretária da Seplag

No portal da Seplag é possível constatar dezenas de documentos, produto do que foi discutido e investido. No dia do seu lançamento, em março de 2022, cinco ex-governadores estiveram junto ao então governador Camilo Santana (PT). “A visão é de espírito público de todos os que passaram pelo Governo, sempre pensando no Estado. Nós passamos e outros virão, mas todos podem contribuir”, apontou Camilo Santana no dia.

A titular da Seplag, Sandra Machado, afirma que o Ceará 2050 foi construído por uma consultoria contratada pelo Governo do Estado e que as ações, os prazos e os recursos incorporados nele estão presentes no Plano Plurianual (PPA) 2024-2027, no eixo do “Ceará que preserva, convive e zela pelo território”.

“Nesse Ceará 2050 existiam as metas definidas para 2025, 2030, 2040 e 2050. Em algum momento essas metas precisam ser adaptadas a esse PPA e isso será feito, considerando que o prazo de 24 anos, a partir de 2024, se encerra em 2048. Mas para esse planejamento de 2024-2027, algumas metas já foram definidas e alguns programas foram tratados”, detalha a gestora. Até 2050, o Ceará terá seis PPAs de quatro anos cada.

Sandra diz ainda que a ideia não foi criar mais um elemento dissociado dos instrumentos legais já existentes, como o PPA, a LOA e a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). “Nós incorporamos essa lei de longo prazo exatamente para termos como instrumentos de longo prazo os PPAs”, reforça.

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