O desejo pela saúde plena move parte da sociedade em busca da melhor alimentação, rotina de exercícios, suplementação vitamínica e profissionais da saúde que prometem um “aumento” da imunidade. Esse bom funcionamento do sistema imunológico, no entanto, não pode ser garantido apenas com fatores externos. Além disso, nem tudo o que é prometido como benéfico para a imunidade faz diferença direta na prevenção de doenças e infecções.
Conforme Fabiane Pomiecinski Frota, presidente da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia Regional Ceará (Asbai-CE), diversos fatores contribuem para o corpo ficar suscetível a vírus e bactérias, desde o ambiente, o contato com os patógenos, o estado de saúde do indivíduo e até mesmo a genética. “Mesmo a pessoa estando com imunidade ótima pode pegar uma infecção”, diz.
A primeira defesa contra os agentes estranhos são as barreiras físicas. “A pele, as mucosas, a saliva, as nossas enzimas digestivas, a cavidade nasal e até o nosso intestino são barreiras. Quando o organismo invasor ultrapassa essas barreiras e entra no corpo, a gente tem células que combatem fazendo fagocitose, que é o ato de englobar os microrganismos intrusos e matá-los”, explica Lara Natacci, nutricionista e coordenadora de comunicação da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição (Sban).
Esse conjunto é chamado de imunidade inata. Depois, existem células especializadas que entram na linha de combate. Elas fazem parte da imunidade adquirida ou adaptativa, desenvolvida ao longo da vida por exposição aos diferentes tipos de antígenos ou por meio de vacinas. É por meio dela que produzimos anticorpos.
“É como se viessem soldados mais simples primeiro e outros mais capacitados depois. A gente vai juntando como se fosse um batalhão de defesa para responder aos antígenos, às coisas estranhas que aparecem”, afirma Fabiane.
Quando esse sistema falha e o corpo apresenta sintomas de infecções de forma repetida em um curto período, como gripes e resfriados, é comum achar que a imunidade está “baixa”. Já em casos de poucas infecções, é dito que a imunidade está “alta”.
“Não é assim que o sistema imunológico funciona. A imunidade baixa só ocorre em pessoas imunodeprimidas, como pessoas que convivem com HIV, câncer, diabetes, em tratamento médico com quimioterapia, uso contínuo de corticóides, ou uso de imunossupressores, muito comum em quem faz transplante de órgãos ou convive com doenças autoimune, como o Lúpus”, explica a nutricionista Érika Paula Farias.
Fabiane afirma que as infecções de repetição acendem um alerta quando são mais graves, precisando de internações e antibióticos endovenosos. A ocorrência de mais de duas pneumonias por ano, por exemplo, desperta a atenção dos imunologistas, conforme a médica. Nesses casos, é preciso uma investigação do sistema imunológico do paciente.
Em algumas pessoas com imunodeficiência, é possível melhorar as defesas com tratamentos farmacológicos. Em outras, a preocupação com evitar contato com patógenos e os hábitos de vida saudáveis são maneiras de tentar escapar de infecções. O mesmo vale para aquelas que têm um sistema funcionando normalmente e desejam manter a eficiência dele.
“O corpo é um sistema complexo e depende de uma cadeia de processos bioquímicos para funcionar bem”, diz Érika Paula. Além da alimentação, ela destaca o sono de qualidade como importante para regular os hormônios e a regeneração celular e uma rotina de exercícios para melhorar a circulação sanguínea.
O uso de cigarros e álcool é desencorajado, pois as substâncias podem aumentar a inflamação no corpo. A nicotina ainda pode reduzir o tempo de resposta a patógenos e a fumaça inalada causa danos às células do pulmão, diminuindo a barreira física de defesa desse órgão.
As doenças autoimunes são condições que ainda intrigam a ciência. Elas ocorrem quando o sistema imunológico falha e acaba atacando o próprio organismo como se fosse um agente estranho que precisa ser combatido. As condições variam conforme a área afetada pela inflamação, como pele, cartilagem, órgãos específicos e até mesmo o sangue.
O publicitário Wesley Bernardo da Silva, 30, sentia dores no corpo sem motivo aparente desde a infância. No entanto, apenas na vida adulta recebeu o diagnóstico de artrite reumatoide, uma doença autoimune crônica que afeta as articulações.
“As dores começaram toleráveis, eu conseguia brincar quando criança, não me impedia tanto. Mas quando fui crescendo, começou a me incapacitar mais. Eu não consigo manter uma rotina assídua na academia, por exemplo, porque frequentemente aparecem dores fortes”, explica Wesley. A doença também traz consequências para o funcionamento do sistema imunológico, e o publicitário relata crises de rinite e gripes frequentes.
Em tratamento, já passou por diferentes fármacos e agora aguarda resultados de exames para iniciar a aplicação de medicamentos biológicos, feitos com moléculas extraídas de tecidos de origem animal, células modificadas geneticamente ou fluidos biológicos.
Conforme a imunologista Fabiane Pomiecinski, pacientes com doenças crônicas já nascem com uma predisposição genética. "Ele pode ter esse 'autoanticorpo' na circulação e nunca desenvolver a doença ou ele pode desenvolver com o passar do tempo", afirma.
O intestino é a ligação entre o mundo externo e o interior do corpo. A integridade desse órgão tem grande influência no funcionamento do sistema imunológico. Com isso, uma boa nutrição se torna essencial para dar as melhores condições às células que compõem as defesas do corpo.
“Diversas funções do sistema imune dependem de um estado nutricional adequado, por exemplo, a produção de anticorpos, a manutenção da integridade das barreiras de defesa, como pele, mucosas, trato gastrintestinal, e o início e controle da resposta inflamatória”, explica a nutricionista Érika Paula Farias.
Desde o momento em que a comida entra na boca, o corpo inicia o processo de defesa contra agentes estranhos com a saliva. No estômago, a acidez reduz ainda mais a quantidade de patógenos. Já no intestino, o muco que reveste o tecido intestinal atua na proteção.
Depois de passar por essas barreiras, as substâncias podem entrar na corrente sanguínea, o que acarreta na ação de células apresentadoras de antígeno (APC). Conforme a nutricionista, são elas que levam as informações dos invasores para o sistema imunológico, que então passa a combater os agentes estranhos ou deixá-los passar.
“Quando nosso intestino não funciona bem, seja pela presença de uma doença inflamatória intestinal ou por uma alimentação rica em ultraprocessados, gorduras saturadas e açúcar, teremos um mal funcionamento dessa célula, com aumento do espaço entre uma célula e outra, chamado de hiperpermeabilidade, e o aumento da resposta imunológica, devido ao mau funcionamento da barreira. Isso pode levar a processos inflamatórios constantes”, explica.
Outra consequência do mau funcionamento do intestino é o prejuízo para a absorção de nutrientes. Segundo a nutricionista Érika Paula Farias, isso causa o aumento das bactérias presentes no órgão, favorecendo o crescimento daquelas que podem nos fazer mal. Esse processo é chamado de disbiose intestinal. “Isso influencia em todo o equilíbrio do corpo, faz com que aumentemos a quantidade de gases produzidos e pode levar à piora na absorção de muitos alimentos”, diz.
A má absorção ou consumo insuficiente de micronutrientes, como zinco, vitamina C, E, A, magnésio, cobre e ferro, também pode afetar o sistema imunológico. No entanto, a nutricionista frisa que a suplementação deve ser utilizada em casos de desnutrição ou deficiência de vitaminas comprovadas por exames.
“A suplementação para pessoas saudáveis e nutridas é inútil, vemos muito em farmácia a suplementação de vitamina C, por exemplo, que é a vitamina mais fácil de se adequar em uma dieta. Estudos trazem grandes benefícios do uso de pré e probióticos, mas a maioria esmagadora deles trazem essas orientações em forma de comida. Inclusive, a alimentação contendo esses nutrientes traz mais resultados positivos do que a suplementação”, explica.
A dieta balanceada deve ser o objetivo, pois não existe nenhum alimento ou substância que traga benefícios quando ingerido sozinho. “Seria basicamente seguir as orientações do Ministério da Saúde de três porções de frutas ao dia, dois de folhosos e vegetais e incluir feijão ou outras leguminosas e cereais integrais. Já os probióticos podem ser conseguidos no iogurte natural, kombucha, kefir, dentre outros”, afirma Érika.
Médicos e pesquisadores desvendam os segredos da função da saúde intestinal no bem-estar do ser humano em documentário. O filme divulga o que a ciência descobriu sobre o papel da microbiota na saúde física e mental. Disponível na Netflix.