O ministro da Educação, Camilo Santana (PT), tem ficado literalmente nos céus nos últimos meses. Em uma análise detalhada dos dados da Força Aérea Brasileira (FAB), o ex-governador do Ceará aparece como o terceiro que mais viajou entre todos os integrantes da Esplanada dos Ministérios, ao lado de Waldez Góes (da Integração e Desenvolvimento Regional). Ao todo, foram mais de 1.500 voos realizados por ministros no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), entre maio de 2023 e abril de 2024.
Antes de se aprofundar na quantidade de viagens realizadas pela FAB para servir os ministros, porém, é importante destacar algumas particularidades sobre a obtenção dos dados. Nos canais de transparência da Força Aérea, estão registrados apenas os voos realizados no período de 12 meses, que compreendem de maio de 2023 a abril de 2024. Portanto, os registros dos quatro primeiros meses do Governo Lula não estão disponíveis.
O POVO+ chegou a solicitar, via Lei de Acesso à Informação (LAI), os dados referentes ao início da gestão petista, mas a FAB recusou reiteradamente os pedidos. Mais detalhes sobre a metodologia para obtenção dos dados, que serão detalhados na sequência, podem ser conferidos no último tópico desta reportagem.
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), é quem lidera o ranking dos ministros que realizaram voos em aeronaves da Força Aérea Brasileira (FAB). O petista foi o único que chegou a ultrapassar a marca de cem viagens no período entre maio de 2023 e abril de 2024, contabilizando 106 voos. Na sequência vem os titulares dos ministérios da Justiça e Segurança Pública, da Integração do Desenvolvimento Regional e da Educação.
Antes conduzida por Flávio Dino (PCdoB) e agora por Ricardo Lewandowski, a Justiça e Segurança Pública registrou 91 voos, estabelecendo-se assim no segundo lugar na lista dos ministros que mais viajaram no Governo Federal. Já Waldez Góes (PDT, do Desenvolvimento Regional) e Camilo Santana (PT, da Educação) dividem o top 3 desse ranking, somando 85 viagens em aeronaves da FAB, cada um.
Na média, é como se essas autoridades tivessem realizado de sete a nove viagens por mês em voos oficiais. Ou, é como se eles tivessem embarcado em uma aeronave a cada três ou quatro dias.
Uma particularidade sobre Camilo Santana é que ele está entre os dos ministros mais bem avaliados do Governo Lula, conforme aponta pesquisa Genial/Quaest. Deste modo, seus assessores começaram a traçar novas estratégias para fazer com que o cearense deixe de ser “um ministro discreto”, revela o jornalista e colunista do O POVO+, João Paulo Biage. Para mais detalhes sobre essa análise, clique aqui.
Além dos quatro ministros mencionados acima, outros 11 ministérios chamaram a atenção pelo número superior a 50 viagens nos últimos 12 meses. Pastas do Turismo à Defesa, das Relações Exteriores à Saúde aparecem nesse recorte, que contabiliza 674 embarques e desembarques oficiais.
Dos 38 ministros do presidente Lula, 23 deles realizaram menos de 50 viagens em aeronaves da Força Aérea Brasileira ao longo da atual gestão. Ainda assim, a soma de todas as suas viagens no período compreendido pelo levantamento atingiu 469 voos.
Destaque interessante é que cinco ministros não chegaram a solicitar aeronaves oficiais nos últimos 12 meses – ou pelo menos não tiveram registros contabilizados pela FAB. São eles: Paulo Pimenta (Ministro da Secretaria de Comunicação Social), Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Carlos Lupi (Previdência Social), André de Paula (Pesca) e Geraldo Alckmin (Indústria e Comércio). Este último, porém, por também ser vice-presidente tem os registros de voos mantidos sob sigilo.
Vale lembrar que a legislação diz que membros do primeiro escalão do Governo Federal podem utilizar as aeronaves da FAB em três situações: a serviço, por segurança ou por motivos de emergência médica. Aos ministros do Poder Executivo está reservado ainda o privilégio de transportar até 15 convidados, que não necessariamente precisam ser servidores da administração pública.
Outro destaque importante é informar que os voos em aviões oficiais por membros do Governo Federal não são atividades ilícitas ou mesmo fora do normal, uma vez que as cerca de 30 aeronaves da FAB devem justamente servir em missões do Estado Brasileiro. Algo que chama atenção, por outro lado, está no uso elevado desse serviço quando comparado com o governo anterior do presidente Jair Bolsonaro (PL), por exemplo.
Enquanto os ministros bolsonaristas realizaram 929 viagens entre maio de 2019 e abril de 2020 (período igual ao dos dados disponibilizados agora pela FAB), os ministros lulistas já fizeram 1.529 viagens entre maio de 2023 e abril de 2024. O número representa um aumento de 64,6% nos uso desse recurso.
Local onde fica a sede do Governo Federal, Brasília é de longe a cidade mais movimentada de voos dos ministros do Governo Lula. Segundo dados da Força Aérea Brasileira (FAB), a capital federal registrou um total de 1.220 viagens, entre embarques e desembarques nos últimos 12 meses. São Paulo e Rio de Janeiro, por sua vez, figuram na sequência como importantes destinos e origens, com quase 600 voos no período.
Duas das maiores cidades brasileiras, São Paulo e Rio de Janeiro mostram sua relevância na política nacional ao aparecerem frequentemente nos itinerários ministeriais. A capital paulista, dividida entre os aeroportos de Congonhas e Guarulhos, contabilizou 184 voos recebidos e 183 despachados. Já no Rio, os aeroportos de Santos Dumont e do Galeão foram destino de 107 viagens e origem de 98.
Ao mesmo tempo, capitais fora do eixo Brasília-São Paulo-Rio de Janeiro também se destacam nos registros da FAB, indicando uma descentralização das atividades do Governo Federal. Cidades como Belém, Recife, São Luís e Salvador aparecem com frequência significativa, sugerindo um movimento do governo em direção ao Norte e Nordeste do País.
Em Fortaleza, o Aeroporto Internacional Pinto Martins, registrou 37 voos no período entre maio de 2023 e abril de 2024. Desses, 20 voos tiveram a capital cearense como destino de ministros em missão oficial, enquanto 17 foram originados de lá. O ministro da Educação, Camilo Santana (PT), foi o que mais visitou Fortaleza, com cinco das suas 85 viagens tendo a cidade como destino.
De modo geral, é possível perceber uma intensa movimentação de ministros por diversas cidades do Brasil, demonstrando uma agenda governamental ativa e distribuída. No mapa abaixo, observe como se comporta a tentativa do Executivo Federal, por meio de seus ministros, de alcançar uma abrangência nacional marcada pelas viagens oficiais.
No site oficial da Força Aérea Brasileira (FAB) existe uma página em que é possível consultar os registros diários de voos realizados para atender as autoridades da República do Brasil, como membros dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. Nesse espaço, é anunciada a possibilidade de encontrar informações como a autoridade solicitante, trajeto, data, horário de decolagem e de pouso, o motivo da solicitação, além da previsão do número de passageiros.
Durante a coleta de dados, no entanto, pode-se perceber uma falta de padronização nos arquivos da FAB, que são disponibilizados em formato PDF, o que impossibilita um agrupamento e uma leitura dessas informações de maneira unificada. Um cidadão comum que não seja especialista em ciência de dados, por exemplo, teria que acessar documento por documento, dia após dia, para entender quais autoridades brasileiras mais utilizam os aviões da FAB durante o Governo Lula.
Dos arquivos tornados públicos pela Força Aérea, nem todos seguem o padrão informado no próprio site, principalmente no que se refere à motivação do voo e o número de passageiros em cada viagem. Deste modo, O POVO+ decidiu desconsiderar essas informações para evitar eventuais leituras equivocadas, apesar do seu alto grau de importância.
>> Análise
Por Guálter George *
Concordo que toda vez que a gente se debruça sobre os dados do uso da frota oficial de aeronaves pelas autoridades brasileiras encontra números impactantes, independente de qual seja o governo ou de sua coloração partidário-ideológica.
É muito voo o tempo todo acontecendo, aviões e helicópteros aos montes cortando os nossos céus pra lá e pra cá, autoridades utilizando-se de um privilégio que sabem diretamente relacionado ao cargo que ocupam etc, enfim, um conjunto de coisas que costumam mesmo gerar uma boa história jornalística.
Não fui chamado para questionar a pauta e não o farei, inclusive porque reconheço o seu valor como notícia. Farei aqui o papel do ponderado, de quem defende um pouco mais de racionalidade na análise de números que, efetivamente, reconheço como espetaculares. Acontece que nem tudo é abuso, diria como ponto de partida na minha forma de compreender a questão.
O Brasil é um país, lembrarei aos esquecidos ou desavisados, com uma extensão territorial de mais de 8,5 milhões de quilômetros quadrados. Coisa muita, que não dá para se imaginar percorrível, com a dinâmica que exige a agenda de um ministro de Estado ou de um presidente da República, por exemplo, através de um veículo de quatro rodas desses que ocupam nossas estradas, com seus buracos e problemas.
Porém, a dificuldade real a considerar é a distância que, por característica própria, a opção aérea encurta. O importante é olharmos a agenda efetiva do agente público para entender se aquela presença faz sentido, sua justificativa, até necessidade, dependendo da situação específica.
Haverá casos nos quais a crítica se fará inevitável, como o episódio recente no qual o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, enriqueceu a lista de razões que tornam incompreensível sua permanência no cargo (tema para outra abordagem, em outro contexto), ao fazer uso de um jato da FAB para deslocar-se de Brasília a São Paulo e, lá, gastar a maior parte do tempo da agenda no atendimento aos interesses pessoais como criador de gado em detrimento das atividades ligadas à pasta que comanda.
Vale lançar luz sobre um caso assim, criticar com ênfase o abusador (no sentido do que estamos tratando) e exigir mais respeito com um direito que aceito lhe caber dentro de critérios. Ou seja, desde que utilizado estritamente para atender a necessidade de sua presença País afora. Ou, adentro.
Em resumo, não acho que se deva olhar para os números procurando apenas localizar e nominar quem aproveitou-se mais ou quem menos de um direito que todos têm por igual. Somente uma verificação criteriosa das agendas e atividades pode permitir que sejam identificadas as situações nas quais, de fato, a palavra "uso" ganha umas letras a mais e transforma-se em "abuso".
Guálter George é diretor de Opinião do O POVO
Para este material, gostaríamos de verificar a quantidade de voos em aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) dos ministros e ministras do atual governo desde o início do mandato do presidente Lula, em Janeiro de 2023, bem como as cidades e trajetos mais utilizados durante a atual gestão do Palácio do Planalto.
No entanto, até esta data estão disponíveis (nos portais de dados abertos relacionados) apenas os voos registrados até dezembro de 2022 e uma série mensal de 12 arquivos que correspondem a maior de 2023 a abril de 2024. Ou seja, os 4 primeiros meses de 2023 não estão disponíveis no portal, inviabilizando uma análise completa dos voos durante o atual mandato presidencial. Vale ressaltar que os 12 arquivos citados apresentam a estruturação dos dados com pequenas diferenças, sem um padrão bem definido. Em alguns arquivos o cabeçalho está definido e disponível, em outros não, por exemplo.
Existe ainda a possibilidade de consulta diária aos registros de voos da FAB, com resultado expresso de maneira individual em arquivos PDF. Entretanto, cerca de 120 consultas individuais (jan-abr) em um portal interativo, associadas à tabulação manual dos dados, não apenas seria inviável como também poderia resultar em diferentes erros de coleta.
Deste modo, solicitamos via Lei de Acesso à Informação (LAI), a tabulação dos dados do voos até então indisponíveis no portal de dados abertos (os registros de 2023). Entretanto nossas solicitações foram reiteradamente negadas com a justificativa de que o painel de consulta diária já contempla a disponibilização dos dados, apesar disso não verificar na prática, tendo em vista que a consulta diária inviabiliza análises de séries temporais consistentes. Todo o histórico da nossa solicitação via LAI estão disponíveis neste link, contendo manifestação inicial, recursos e respostas.
A análise apresentada a seguir, portanto, envolve apenas os registros de voos durante a gestão do presidente Lula que estão disponíveis em formato aberto e estruturado, ou seja, de maio de 2023 a abril de 2024. Para garantir transparência e reprodutibilidade, os códigos utilizados para agrupar, segmentar e analisar os dados estão disponíveis neste link. Atenção ao reproduzir os códigos: os dados são coletados diretamente do repositório de Dados Abertos disponibilizados pelo Gabinete do Comandante da Aeronáutica (Gabaer) e alterações na fonte podem interferir no resultado.