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Ansiedade infantil, um problema nada incomum!
Reportagem Especial

Ansiedade infantil, um problema nada incomum!

Profissionais ouvidos pelo O POVO consideram que a exposição a tela digitais e o excesso de responsabilidades nas crianças e nos adolescentes são fatores de risco para ansiedade

Ansiedade infantil, um problema nada incomum!

Profissionais ouvidos pelo O POVO consideram que a exposição a tela digitais e o excesso de responsabilidades nas crianças e nos adolescentes são fatores de risco para ansiedade
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“Oi, sou a ansiedade!” Talvez essa seja uma frase que se tornou popular no imaginário de muitos após assistir o filme “Divertida mente 2”. Se engana os que pensam que ansiedade é coisa apenas de gente adulta que tem boletos para pagar, uma carreira profissional para cuidar, ou um curso superior para ter que assistir aula.

Imagine a seguinte rotina, uma criança levanta pela manhã, toma café e vai para para aula de inglês, retorna, almoça, e vai para escola a tarde, volta para o jantar e vai para aula de reforço a noite, pode até parecer ficção, mas é a realidade de muitas crianças sobrecarregadas e obrigadas e dá resultados aos investimentos dos pais.

Personagem Ansiedade, do filme "Divertida Mente 2"(Foto: DIVULGAÇÃO/PIXAR/DISNEY)
Foto: DIVULGAÇÃO/PIXAR/DISNEY Personagem Ansiedade, do filme "Divertida Mente 2"

Quem nunca ouviu um pai ou uma mãe dizer, “eu dou tudo pra ele, só faz estudar”, ao se questionar o porquê das notas ruins na escola. O desconhecimento de que é justamente o acúmulo de responsabilidades que pode ocasionar a sobrecarga mental nas crianças e adolescentes.

É como explica a médica neuropediatra Cristine Aguiar, especialista em dificuldade de aprendizagem pela Universidade de São Paulo (USP). “Você tem um número muito grande de tarefas de casa, cursos de inglês, ou em aulas de natação, de futebol; às vezes isso passa do ponto. Em alguns casos, a criança não tem tempo de ficar em casa, ela tem compromissos demais” explicou a médica.

“E isso também gera uma ansiedade, porque todos nós e as crianças também, precisam de descanso, daquele momento livre em casa sem muito o que fazer para que eles possam brincar e ter o prazer de brincar sem pressa. Sem ter compromissos e ficar descansando do excesso deles” completa Cristine.

Para a médica Cristine Aguiar, a infância é um período de desenvolvimento do indivíduo, onde devem ser valorizadas atividades de lazer e descanso. Segunda Cristine, "na atualidade algumas famílias sobrecarregam as crianças, com muitas atividades escolares, colocando a criança para curso de inglês, às vezes reforço além das aulas escolares. Essa busca(dos pais) pela alta performance pode gerar um grau de ansiedade e depressão, pois a criança se sente impotente, achando que nunca alcança o nível de notas que a família deseja”, diz a profissional.

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Essa posição também é compartilhada pela pediatra Vanuza Chagas, especialista em Nutrologia infantil pela Universidade de Boston, para quem o descanso é importante principalmente pelo indivíduo que está em crescimento e maturação do cérebro. De acordo com a médica, “esses momentos geram melhores habilidades sensoriais, cognitivas, de linguagem, em um pensar criativo da criança, contribuindo para o desenvolvimento neuropsicomotor adequado”, explica Vanuza.

Foto Ilustrativa. Segundo especialistas excesso de atividades afeta as crianças estimulando a ansiedade(Foto: Adobe Stock)
Foto: Adobe Stock Foto Ilustrativa. Segundo especialistas excesso de atividades afeta as crianças estimulando a ansiedade

A psiquiatra Ana Carolina Asfor, do Hospital Regional do Vale do Jaguaribe (HRVJ), explicou ao O POVO, que esse comportamento dos pais, que acaba por sobrecarregar os filhos, pode ocorrer por ansiedade ou dúvidas deles próprios. A profissional explica que a condição de medo em relação ao futuro dos filhos pode surgir por vários motivos.

“Esse comportamento pode surgir por diversos motivos, incluindo preocupações com o futuro dos filhos, comparações sociais e expectativas culturais e pessoais. Isso pode levar as crianças a desenvolver um medo constante de decepcionar, perfeccionismo e necessidade de validação externa” explica Ana Carolina.

Para além das questões de alta performance, a neuropediatra Cristine Aguiar a exposição excessiva a telas de eletrônicos é um dos fatores que podem ser fatores que contribuem para o surgimento e agravamento de quadros ansiosos.

“As telas são nosso maior desafio na neuropediatria e na sociedade atual. A exposição a tela durante todos os dias tem preocupado. Tem saído mais trabalhos mostrando aumento de incidência de doenças da neurologia, ansiedade, desatenção, irritabilidade, agressividade, tudo sendo relacionado ao excesso de exposição a telas. As telas têm sido o maior problema na neuropediatria”, disse Cristine.

Na avaliação da profissional, as telas produzem estímulos visuais que aumentam a frequência das ondas cerebrais: “Todos os aparelhos, telefone celular, TV, Tablet, todos eles produzem estímulos luminosos que geram uma 'fotoestimulação', e ao olhar para esses aparelhos que emitem uma fotoestimulação, isso afeta o cérebro aumentando a velocidade das ondas cerebrais” conclui a médica.

A pediatra Vanuza também defende que o uso de telas também é um fator de risco ansioso. “O uso de telas, a exposição prolongada a elas, às redes sociais, podem desencadear ansiedade nas nossas crianças. O excesso de telas, o jogos online, as redes sociais inclusive com cobranças excessivas, como o corpo perfeito, a busca por padrões de beleza, o incentivo o consumo, com pessoas ostentando padrões de vidas virtuais perfeitas, isso gera cada vez mais insatisfação em adultas, mas em crianças também”, explica a médica, dizendo que a vida virtual pode gerar ansiedade no consumo em crianças.

Foto Ilustrativa. Profissionais que atuam na área da infância aconselham ter atenção ao comportamento da criança(Foto: Adobe Stock)
Foto: Adobe Stock Foto Ilustrativa. Profissionais que atuam na área da infância aconselham ter atenção ao comportamento da criança

Além dessa questão, Vanuza Chagas explica que os comportamentos inadequados dos pais podem contribuir também para o desenvolvimento de quadros de ansiedade, podem ser repetidos pelas crianças e pelos adolescentes.

“Famílias onde a gente vê que os pais vivem muito essa vida virtual, que mostram esse exemplo ruim aos filhos, sem viver a vida em família, a gente ver que isso reflete na vida das crianças, que passam a também repetir os comportamentos dos pais”, explicou Vanuza.

Cristine Aguiar explica as recomendações da Sociedade Brasileira de Pediatria, que aconselha que até os dois anos, as crianças não devem ser expostas a nenhuma tela; de dois a seis anos, uma hora no máximo de exposição.

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Houve ainda mudanças de hábitos nas famílias, onde crianças e adolescentes passaram a se envolver mais em problemas de adultos, desde o divórcio dos pais, a problemas profissionais e financeiros. Foi o que explicou Cristine Aguiar.

“A criança começa a ouvir os problemas do adulto, e se torna impotente querendo resolver, mas não é necessariamente uma impotência das crianças, elas naturalmente não têm como resolver os problemas dos adultos”, disse Cristine.

É preciso os pais ficarem atentos aos sintomas como perda de apetite, dificuldades no sono, queda de rendimento escolar, falta de motivação, excesso de preocupação, dores de cabeças e tonturas, pesadelos, irritabilidade ou apatia.

A psiquiatra Ana Carolina Asfor explicou fatores que devem ser de atenção para pais e cuidadores. “Medo e preocupação excessiva em situações como ir à escola, falar em público, ou preocupações gerais sobre a saúde, segurança e futuro. Também pode haver insegurança e baixa autoestima, irritabilidade, sensação de sobrecarga, fadiga, vergonha e até mesmo tristeza e isolamento social”, disse a psiquiatra.

Foto ilustrativa. Excesso de telas na infância é prejudicial para as crianças, além de estimular ansiedade infantil (Foto: Adobe Stock)
Foto: Adobe Stock Foto ilustrativa. Excesso de telas na infância é prejudicial para as crianças, além de estimular ansiedade infantil

Para Cristine Aguiar, um dos caminhos para os pais controlarem ou até mesmo evitarem o aparecimento da ansiedade em crianças e adolescentes são as brincadeiras e momentos de lazer.

“O caminho é a retirada ou mesmo a redução de telas, brincadeiras ao ar livre, brincadeiras de antigamente, andar de bicicleta, jogar bola, escorregador, balançador, o contato com a natureza, para você conseguir desacelerar essa criança. O cansaço físico ajuda a criança a diminuir a ansiedade. É voltar e fazer com que a criança possa ser criança; possa brincar e ter um ócio criativo”, explicou Cristine.

E para os momentos de descanso para as crianças, as férias são fundamentais e devem ser bem aproveitadas pela família. “As férias deveriam ser usadas para novas experiências, novas atividades e colocar a criança para fazer aula experimental, de skate, por exemplo,  ou de algum outro esporte, ou atividades ao ar livre, não deixando as crianças usarem durante o dia todo os aparelhos eletrônicos” disse a Cristine.

As médicas também lembram da importância do sono adequado das crianças, sendo recomendado oito horas de sono diárias, que devem ser prioridade na rotina da criança.

Para Vanuza, o sono adequado é importante até para o desempenho das atividades diárias da criança. A falta de descanso também causa na criança irritabilidade, déficit de atenção e até algum comprometimento motor como perda de equilíbrio, além da qualidade da memória. Além destas questões, a pediatra lembra que o sono é importante para o crescimento, pois alguns hormônios são liberados durante o sono, como o hormônio do crescimento, que é liberado cerca de 95% durante o sono, segundo a médica.

 

 

A ansiedade é uma vilã?

Não é romântico dizer que todas as emoções são importantes para os seres humanos, inclusive a ansiedade, quando moderada. O desenvolvimento de todos os indivíduos é marcado por adversidades e por vários sentimentos que aparecem no decorrer do crescimento e das mudanças de ciclos na vida de uma pessoa. Segundo a psiquiatra Ana Carolina Asfor do Hospital Regional Vale do Jaguaribe (HRVJ), a ansiedade faz parte do leque de emoções dos indivíduos.

“A ansiedade em níveis moderados não é uma vilã. Ela pode ser benéfica, ajudando a evitar perigos e motivando a preparação para a resolução de problemas”, disse Ana Carolina Asfor.

Ansiedade, no centro, é a nova personagem de Divertidamente 2(Foto: Pixar/Divulgação)
Foto: Pixar/Divulgação Ansiedade, no centro, é a nova personagem de Divertidamente 2

A psicóloga Aline Franco, atuante no HRVJ, também ressalta o papel da ansiedade. “Ela não pode ser considerada uma vilã. Toda emoção tem uma função importante, seja ela a tristeza, raiva, alegria e a ansiedade", afirma.

"Entendemos a ansiedade como uma emoção que serve como um alerta, ela nos protege do perigo e nos aciona para lutar ou fugir. Por exemplo, essa emoção faz com que tenhamos cuidado ao atravessar a rua e também com que não coloquemos a mão em uma jaula, onde tem um animal perigoso que pode nos machucar. A questão é quando ela começa a acionar esse 'botão de alarme', quando de fato não há um perigo à vista. Como por exemplo: em apresentações de trabalho na escola ou comunicação com outras pessoas”, explicou a psicóloga.

Foto Ilustrativa. Proporcionar momentos de lazer e estabelecer tempo para tarefas é mais saudável para as crianças  (Foto: Adobe Stock)
Foto: Adobe Stock Foto Ilustrativa. Proporcionar momentos de lazer e estabelecer tempo para tarefas é mais saudável para as crianças

As mudanças de ciclos acontecem da infância para adolescência, depois para a fase adulta e, por fim, na terceira idade. E é comum ao entrar na adolescência durante o período pré-vestibular, o aparecimento de novas emoções, como paixão ou mesmo a ansiedade, na hora de decidir qual curso superior se quer fazer.

Os pais devem estar atentos às presenças dos sinais e sintomas característicos de quando há ansiedade nas crianças e nos adolescentes passa a prejudicá-los. Isso é importante tanto para não confundir a ansiedade com outros problemas psíquicos, ou mesmo para evitar um diagnóstico tardio da doença que pode até mesmo levar à depressão ou outros problemas.

Portanto, ansiedade não é uma vilã, como ela mesma disse no final de "Divertida mente 2": “Eu só queria ajudar”. O desafio dela é entender que ela ajuda na mesa de comando apenas em momentos específicos.

 

 

Como é feito o diagnóstico?

 

Sem dúvidas essa é uma interrogação para muitos pais, que passam a observar comportamentos ou sintomas apresentados pelos seus filhos. Segundo explicou a psiquiatra Ana Carolina Asfor, o diagnóstico é feito por meio de conversas com os pacientes, e por profissionais específicos da área da saúde.

“O diagnóstico é realizado por meio de entrevistas, observação comportamental e questionários padronizados e validados por profissionais treinados. Os profissionais mais capacitados incluem psiquiatras, pediatras e psicólogos”, explicou Ana Carolina.

Filme "Divertida Mente 2" se transformou numa metáfora no funcionamento mental de crianças e adolescentes(Foto: DIVULGAÇÃO/PIXAR/DISNEY)
Foto: DIVULGAÇÃO/PIXAR/DISNEY Filme "Divertida Mente 2" se transformou numa metáfora no funcionamento mental de crianças e adolescentes

Já a psicóloga Aline Franco explica que o psiquiatra e o psicólogo são os profissionais preparados para laudar os quadros de saúde dos pacientes.

“O diagnóstico é feito através da análise dos sintomas apresentados, compreendendo de forma detalhada desde o ambiente em que a criança se encontra, aos diversos fatores que a influenciam, sendo realizado por psicólogo e/ou psiquiatra”, disse Aline Franco.

Para a médica neuropediatra Cristine Aguiar, especialista em dificuldades na aprendizagem, a ansiedade precisa ser tratada, para que se evite o agravamento do quadro da criança. “A ansiedade não sendo bem tratada, ela pode precipitar outras complicações, como a depressão infantil e a síndrome do pânico. Por isso, é importante diminuir o ritmo das crianças e fazer com que elas brinquem mais e possam ser crianças como antigamente”.

 

 

E as outras emoções?

 

Mas quais as emoções que a ansiedade trás no final da nossa infância e no começo da adolescência que não estão presentes no filme? 

Ana Laura Coller, psicóloga que trabalha com crianças (Foto: Acervo Pessoal )
Foto: Acervo Pessoal Ana Laura Coller, psicóloga que trabalha com crianças

Dizer quais os sentimentos faltaram é uma ação difícil, pois as percepções das emoções podem variar de pessoa para pessoa. Porém a psiquiatra Ana Caroline Asfor considera que é possível tirar algumas conclusões de emoções que poderiam ou deveriam aparecer no próximo filme da franquia da Disney.

A médica explica que poderiam fazer parte do elenco do filme a “culpa, a frustração, a independência, a identidade e o amor romântico”. Mas também o orgulho pode dar as caras.

Mas, de forma geral, os especialistas consideram que o filme retrata muito bem a mudança da fase de vida da personagem Riley Andersen. Para a psicóloga Ana Laura Collyer, todas as mudanças corporais e de rotina, geralmente levam ao “desejo por liberdade e autonomia e ao interesse em grupos de amigos".

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