Semear sonhos, cultivar valores: no distrito de Balseiros, em Ipueiras, a cerca de 300 quilômetros de Fortaleza, a Escola Família Agrícola (EFA) Padre Eliésio dos Santos espalha as sementes desse lema e tem colhido os resultados.
No sertão dos Crateús está a melhor unidade estadual do Brasil entre todas as escolas públicas. É o que mostra o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de 2023, divulgado na última quarta-feira, 14, pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do Ministério da Educação (MEC).
Formada em grande parte por filhos de agricultores, a escola alcançou a nota 7,5 e possui, portanto, o segundo melhor ensino médio do País — atrás somente da Escola Preparatória Cadetes do Ar (Epcar), de Barbacena (MG), uma unidade federal.
As dez escolas com maior nota no Ideb 2023 no ensino médio
No caminho contrário ao do modelo de desenvolvimento feito pelo agronegócio, as EFAs nascem pelas mãos de camponeses e se fundamentam na agroecologia e convivência com o semiárido para manter viva a cultura do campo.
Por meio da pedagogia da alternância como princípio metodológico, a
No período em que ficam na escola, esses estudantes (também chamados de educandos) recebem a formação do curso técnico em Agroecologia.
Essa metodologia busca valorizar os vínculos pessoais, a herança cultural, o resgate da cidadania, os saberes da terra e a cultura camponesa, o que possibilita a interdisciplinaridade.
O modelo também torna os educandos capazes de elaborar e implantar projetos produtivos de base agroecológica nos quintais produtivos das comunidades rurais em que vivem.
É o que explica ao O POVO+ a professora Lucélia Galvino, diretora da EFA Padre Eliésio dos Santos: “Essa organização promove a criação de laços de amizade, valoriza a organização dos trabalhos, facilita o ensino de modo geral e garante a construção de uma verdadeira familiarização entre eles e elas, bem como garante a valorização da herança cultural, o resgate da cidadania e a promoção dos saberes da terra e da cultura camponesa”.
A gestora escolar observa que essa metodologia “tem apresentado um desenvolvimento muito significativo na vida de todos(as) os(as) estudantes, pois, eles(as) têm se tornado cada vez mais atuantes nos movimentos sociais, estão cada vez mais inseridos nas ações das suas comunidades, se mostram pessoas mais sensíveis aos problemas e às questões sociais e ambientais”.
Ao conhecer as histórias de vida e compreender os aspectos sociais, culturais e econômicos de cada sujeito, a escola “desenvolve o projeto de vida da família camponesa e ajudam na questão da autossustentação”.
“Eles estão se inserindo cada vez mais nas universidades e adquirindo possibilidades para permanecerem no campo e estratégias de convivência com o semiárido”, continua.
O resultado do Ideb 2023 foi “algo extremamente significativo” para a comunidade escolar da EFA, nas palavras da diretora, “pois marca o resultado de muitas mãos e muitos rostos que sempre lutaram por uma educação contextualizada, popular e de qualidade”.
Um desses rostos é o do professor-monitor de física Rosberg Chaves, que participou das discussões levantadas por trabalhadores rurais que levaram à criação da EFA Dom Fragoso, em Independência, no ano de 2002.
Para ele, a nota do Ideb é recebida com “satisfação” e é “algo animador para nós que estamos no campo, sempre trabalhando pelo desenvolvimento do povo camponês, porque mostra que com todos os desafios que a gente encontra, todas as lutas dos movimentos sociais, a gente está conseguindo atingir o que sempre buscou”.
O professor ressalta, contudo, que “o resultado do Ideb fortalece, mas o fortalecimento maior é ver nossos educandos e suas famílias conseguirem atingir um patamar de conhecimento e experiência que nem sempre tiveram”.
“É um trabalho de toda uma equipe a nível local, estadual e, agora, nacional, de um projeto que dá certo e transforma várias realidades dentro do emprego, do conhecimento, da valorização do campo e de suas práticas culturais. Toda a comunidade se alegra com o notório respaldo”, destaca.
O acompanhamento personalizado é um dos diferenciais dessa metodologia, ressalta Rosberg: “Eu me sento com minha turma para saber como foi o período da sessão familiar, como está o desenvolvimento do projeto que eles precisam apresentar no fim do curso, se está tudo bem, se há alguma questão psicológica. É todo um monitoramento para trabalhar também as questões afetivas entre eles e para com a comunidade de modo geral”.
“Quando a gente está trabalhando a questão do atrito, ou as três leis de Newton, por exemplo, a gente usa o exemplo da mecanização agrícola, o trator, que tem um pneu maior e outro menor. Isso faz sentido para o educando. Não é só uma aplicação de fórmula ou resolução de questões”, exemplifica.
Os educandos, por sua vez, enriquecem a sala de aula com sua bagagem de experiências, informações e conhecimentos próprios que vêm das comunidades, aldeias, assentamentos e outros espaços de origem.
Segundo o professor, “esse modelo de escola ajuda essas pessoas, que não perdem o vínculo com o campo e nem deixam de estudar”.
Conforme pontua a professora Lucélia Galvino, as Escolas Família Agrícola possuem quatro pilares fundamentais que norteiam os trabalhos.
São eles: a pedagogia da alternância, o associativismo, a formação integral e o desenvolvimento local sustentável.
“Todos estes pilares são importantes e fundamentais. Eles se unem ao trabalho com a contextualização e a interdisciplinaridade dos conteúdos com foco no currículo integrado, e às demais ferramentas da pedagogia da alternância tais como as místicas, os serões, as noites culturais, os planos de estudo, os acompanhamentos personalizados, as visitas familiares e o projeto de vida da família camponesa”, conclui a diretora.
“Com eles, acreditamos que o governo e a Secretaria da Educação devem se sensibilizar cada vez mais e apoiar as demais EFAS que estão em processo de construção, além das EFAs que são organizações filantrópicas e comunitárias”, frisa.
Inaugurada em 2018, a Padre Eliésio dos Santos é a única EFA totalmente mantida pelo Governo do Estado que está em atividade atualmente.
Pela rede estadual de ensino, outras duas EFAs estão em construção no Interior do Ceará: uma em Cruz, na zona norte, a 248 km da Capital, e outra em Santa Quitéria, a 223 km de Fortaleza.
Há, ainda, outras quatro EFAs comunitárias no Estado: a EFA Danilo Almeida, no município de Quixeramobim, no sertão central; a EFA Jaguaribana Zé Maria do Tomé, em Tabuleiro do Norte, no Baixo Jaguaribe; a EFA Ibiapaba Chico Antônio Bié, em Tianguá, na Chapada da Ibiapaba; e a EFA Dom Fragoso, em Independência, no sertão dos Inhamuns.
Autônomas, essas unidades existem Brasil afora e são mantidas por associações. Sua construção social é fruto da mobilização dos camponeses por uma formação contextualizada e integral para os jovens do campo.
Durante a pandemia de Covid-19, quando muitas unidades educacionais aderiram ao ensino remoto como alternativa, as escolas do campo se depararam com o desafio da exclusão digital.
Isso porque essas escolas estão em regiões onde geralmente o acesso à internet é escasso. Assim, o período de isolamento social necessário para barrar a transmissão do vírus impediu o pleno desenvolvimento da aliança entre atividades escolares e rotina de agricultura familiar.
Foi o caso da Escola Família Agrícola (EFA) Jaguaribana Zé Maria do Tomé, que fica na comunidade de Olho D'água dos Currais, em Tabuleiro do Norte, a 211 quilômetros de Fortaleza.
O nome é uma homenagem a um dos grandes lutadores do povo no Vale do Jaguaribe, cujo sangue foi derramado no dia 21 de abril de 2010 por causa da luta que assumiu em defesa da vida ao denunciar o uso abusivo de agrotóxicos por empresas do agronegócio na Chapada do Apodi.
Quem conta essa história é o engenheiro florestal Daniel Lemos, que integra a equipe pedagógica da EFA Jaguaribana.
“A pandemia atrasou a formação e isso incidiu em não ter formado outras turmas desde 2023. Estamos iniciando outro processo, mas esse é outro desafio para as EFAs: conseguir educandos”, coloca.
Os motivos são diversos: “após a pandemia, todas as escolas de ensino médio encontraram dificuldades. Há muita evasão pela questão da pobreza, a juventude precisa trabalhar e, nesse cenário para a juventude rural, que vem de comunidades quilombolas, indígenas, a prioridade é a renda para a família”.
A expansão do “agro” é um “reflexo do nosso País” e outro ponto que impacta nessa formação, segundo Lemos: “a gente traz essa perspectiva de conseguir renda através da produção de alimentos saudáveis, mas a agricultura familiar não é favorecida como o agronegócio no Brasil”.
E continua: “Agricultura familiar não é só enxada, há perspectiva de autonomia e organização social de diversas formas. Há uma manutenção das tradições, mas sempre refletindo sobre como avançar em alguns processos, fomentar a agroecologia para produzir alimentos mais saudáveis. Muitas famílias ficam dependentes de produzir através de fertilizantes químicos”.
Por meio da ênfase em agroecologia e convivência com o semiárido, os estudantes transitam entre o conhecimento técnico e os saberes populares — o que promove o intercâmbio e constrói novos saberes. A falta de apoio, no entanto, é outro gargalo.
“Essas escolas se mantêm através das associações comunitárias, com parcerias e voluntariado, movimentos sociais, sindicatos e muita luta. Precisamos atender esse perfil da educação do campo com material didático, alimentação, visto que elas contribuem com um processo diferenciado de educação”, finaliza.
Até 2021, educadores atuavam de forma voluntária e essas instituições buscavam sustentação a partir de editais e doações.
Em setembro do mesmo ano, o Governo do Ceará aprovou o projeto de lei que trata do Programa Estadual de Apoio Técnico-Financeiro às Escolas Família Agrícola (EFAs) do Estado a fim de investir em projetos e ações integradas.
Por meio do programa, a Secretaria da Educação do Estado do Ceará (Seduc) ficou responsável por realizar parcerias com entidades sem fins lucrativos mantenedoras das escolas para contribuir para a manutenção e o funcionamento das EFAs cearenses.
A pasta também se responsabilizou por fiscalizar a correta aplicação dos recursos repassados e por analisar a prestação de contas de modo a contribuir para que as EFAs possam atingir os objetivos da educação do campo — sem prejuízo da fiscalização a cargo dos pais que compõem as associações.
Criado em 2007, o Ideb é um indicador sintético que relaciona as taxas de aprovação escolar, obtidas no Censo Escolar, com as médias de desempenho em Língua Portuguesa e Matemática dos estudantes no Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb).
A análise desses dados, segundo o ministro da Educação e ex-governador do Ceará, Camilo Santana, permite que gestores aprimorem as políticas públicas de educação: “O Ideb é o mais importante indicador da educação básica do nosso país. Não há nenhuma política que tenha êxito sem ter meta, objetivo, planejamento e estratégia”.
Quando avaliados o Ensino Médio tradicional e o Ensino Médio integrado à Educação Profissional, o Ceará tem o terceiro melhor resultado do Brasil no Ideb (4,6), consolidando a liderança na Região Nordeste ao lado de Pernambuco.
Espírito Santo e Goiás lideram (4,8), com Paraná na segunda posição (4,7). A média do Brasil foi 4,1. Observe o gráfico a seguir:
Resultado do Ideb 2023 na rede estadual do Ceará
A rede estadual do Ceará é formada por um total de 512 Escolas em Tempo Integral, sendo 132 Escolas Estaduais de Educação Profissional (EEEPs), 367 de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral (EEMTIs), 12 Escolas do Campo e 1 Escola Família Agrícola.
Sobre a inclusão desse recorte que evidencia o ensino profissionalizante no País, Camilo Santana explicou que é um reconhecimento ao esforço dos estados que buscam ampliar a rede de Ensino Médio de Educação Profissional.
“Os estados que fizeram esse esforço, que faz parte da rede do Ensino Médio, então não justifica não contabilizar na avaliação. Mas, como a série histórica não considera separado, a gente vai discutir, pactuar, com as redes como serão os indicadores do Ideb, se inclui ou não suas redes. É um debate importante”, afirmou.
Essas unidades de ensino estão distribuídas em 175 municípios com o atendimento de mais de 177 mil alunos.
As dez escolas estaduais do Ceará com maior nota no Ideb 2023
“Não apenas temos 22 escolas entre as 100 melhores do Brasil no Ensino Médio. É uma imensa satisfação termos 10 escolas entre as 30 melhores públicas do Brasil. Ainda mais considerando que elas se localizam em diferentes municípios, e com diferentes formatos de estruturação pedagógica. Esse é um sinal claro de como desenvolvemos um ensino de excelência, independente do tamanho do município”, celebrou o governador Elmano de Freitas (PT).
O Colégio Militar do Corpo de Bombeiros Escritora Rachel de Queiroz (CMCB) foi a única escola pública estadual de Fortaleza entre as dez melhores do Ceará no Ideb 2023 — o que, para o diretor da instituição, coronel Francisco Albert Einstein, é recebido com “imenso orgulho e satisfação”.
“Ser a única escola pública estadual de Fortaleza entre as dez melhores do Ceará no Ideb 2023, e a melhor escola de ensino regular do estado, competindo com escolas de tempo integral, é uma conquista extraordinária que reflete o compromisso e a dedicação de toda a comunidade escolar”, diz.
E continua: “Este resultado destaca a força de um projeto pedagógico que alia excelência acadêmica e formação cidadã, e nos impulsiona a buscar a meta de nos tornarmos uma escola de tempo integral, elevando ainda mais a qualidade da educação oferecida no CMCB”.
A disciplina, o respeito, a responsabilidade e o espírito de corpo são alicerces da instituição, de acordo com Einstein.
O diretor reforça que, “aliados a um corpo docente qualificado, infraestrutura moderna e ambiente de aprendizado estimulante, impulsionam o alto desempenho dos nossos alunos em vestibulares, concursos e olimpíadas”.
Por outro lado, o colégio compartilha os desafios comuns à educação pública, como a necessidade de atualização tecnológica constante, a busca por recursos para projetos e atividades extracurriculares e a garantia de equidade no acesso à educação de qualidade.
Porém, na avaliação do tenente-coronel, “com planejamento já estruturado e o apoio dos setores responsáveis, superaremos esses desafios e consolidaremos o CMCB como referência em educação de tempo integral no Ceará”.
"Oie :) Aqui é Karyne Lane, repórter do OP+. Te convido a deixar sua opinião sobre esse conteúdo lá embaixo, nos comentários. Até a próxima!"