Há 50 anos, o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), partido de oposição ao regime militar, conquistou maioria no Senado, elegendo 16 candidatos das 22 vagas em disputa, e 44% da Câmara dos Deputados. O cearense Mauro Benevides foi um dos eleitos no pleito de 1974, que marcou o início do lento fim da ditadura no Brasil — que ainda duraria mais de uma década.
Após o golpe de 1964, o ato institucional número 2 (AI-2), de 1965, instituiu o bipartidarismo, extinguindo as antigas legendas. Siglas como UDN, PSD, PTB e outras de menor expressão tiveram de se reorganizar entre uma das opções existentes: a Aliança Renovadora Nacional (Arena), de apoio ao governo ditatorial, ou o MDB, a oposição consentida.
Não havia a proibição formal a mais partidos, mas os requisitos estabelecidos, na prática, não permitiam a existência de outras forças. Para um partido existir, era necessário um mínimo de 20 senadores e 120 deputados federais.
Diante da edição do ato institucional nº 5 (AI-5), em 1968, que autorizava o governo a usar os meios necessários para assegurar "a ordem e a tranquilidade”, a oposição, com muitos de seus líderes presos ou exilados, pregou a abstenção nas eleições de 1970.
Com voto direto apenas para deputados, senadores, vereadores e parte dos prefeitos, a Arena obteve maioria entre os eleitos naquele ano. O partido ocupou 59 vagas das 66 disponíveis no Senado Federal, além de 223 das 310 cadeiras na Câmara dos Deputados.
Nas eleições de 1974, o cenário sofreu uma mudança que levou à recuperação de espaço no Congresso pelo MDB. A chamada “oposição consentida” conseguiu eleger 16 senadores, diante de uma disputa para 22 vagas. Na Câmara, o partido conquistou 44% dos lugares, obtendo 161 cadeiras, diante das 199 ocupadas pela Arena.
Fatores externos e internos contribuíram para esse contexto de crescimento da expressão política oposicionista. A Guerra do Yom Kippur, entre Israel e os países árabes, promoveu a alta no preço do petróleo e contribuiu para o fim do “milagre econômico” brasileiro. No cenário nacional, após a vitória da Arena em 1970, surgiram divisões dentro do próprio governo.
Além disso, a preocupação com a imagem de regime de “partido único”, levou ao afrouxamento das regras eleitorais, permitindo pela primeira vez debates entre os candidatos no rádio e na televisão.
No Ceará, a disputa pela vaga no Senado Federal aconteceu entre Mauro Benevides (MDB) e Edilson Távora (Arena). O governador do Estado na época, César Cals de Oliveira, apoiou o candidato do partido alinhado ao regime ditatorial.
Apesar do parentesco com o arenista, Virgílio Távora, senador no período e um dos políticos mais poderosos do Estado, trabalhou pela eleição de Mauro Benevides. Além de desavenças entre os dois, Virgílio tinha gratidão a Benevides.
Em 1964, quando houve o golpe, Virgílio era governador e Benevides, presidente da Assembleia Legislativa. Virgílio era próximo ao presidente deposto João Goulart e esteve ameaçado de cassação, mas Benevides, em nome do Legislativo, não deu respaldo.
O então deputado estadual teria avisado aos majores: "Vocês estão esquecidos que o Virgílio é sobrinho do Juarez Távora?" O general Juarez Távora foi um dos principais líderes militares do Brasil desde o governo Getúlio Vargas. Chegou a ser candidato a presidente na eleição indireta de 1964, após o golpe, vencida pelo também presidente Castello Branco.
Na eleição de 1974, Virgílio teria dito a Mauro Benevides: "Não esquecerei do seu gesto", conforme narrou o jornalista J. Ciro Saraiva. Na campanha, Virgílio viajou ao exterior e deixou o aliado Manoel de Castro, que viria a ser governador, à frente da articulação do grupo contra Edilson.
A vitória de Mauro Benevides foi definida antes mesmo da apuração total das urnas, com a contabilização de cerca de 515 mil votos no Interior, dos 600 mil válidos esperados, e 84.687 dos 210 mil previstos na Capital.
“Conhecidos esses números, a vantagem do Sr. Mauro Benevides sobre o candidato arenista já é de 23.516 votos. Como no Interior, na melhor das hipóteses, a vantagem do Sr. Edilson Távora subirá a cerca de 30.000 votos, e, na Capital, a maioria do candidato do MDB poderá render a casa dos 100.000 votos, tudo indica que a vitória do Sr. Mauro Benevides se consubstanciará por volta de 70 mil sufrágios”, publicou O POVO na época.
O resultado do pleito no Ceará compôs o crescimento da presença da oposição no Congresso Nacional.
“Entendo que a arrancada democrática do dia 15 passado constituiu o início efetivo de uma abertura política, reclamada por quantos aspiram o ingresso do País na inflexível normalidade institucional”, afirmou o senador eleito em entrevista ao O POVO, na época.
O desastre eleitoral da Arena em 1974 teve como resposta a chamada Lei Falcão (número 6.339/1976), idealizada pelo então ministro da Justiça, o cearense Armando Falcão. A norma determinava que a propaganda eleitoral de rádio e televisão devia se restringir à narração, por um locutor, do nome, partido, número e currículo de cada candidato. Na TV, era exibida ainda a foto do candidato. Era permitido divulgar data e local de comícios. E só.
A propaganda política, desse modo, consistia praticamente numa lista de chamada. Os candidatos não podiam expor nenhuma ideia ou proposta.
Em 15 de janeiro de 1974, em eleição indireta pelo Congresso Nacional, o general Ernesto Geisel foi eleito o quarto dos cinco presidentes da ditadura militar. Porém, aquela eleição foi marcada por um dos gestos mais emblemáticos da oposição ao regime: a "anticandidatura" do deputado federal Ulysses Guimarães (MDB-SP) à Presidência da República, tendo como candidato a vice o jornalista Barbosa Lima Sobrinho.
Não havia chance de vitória no colégio eleitoral, mas a "anticandidatura" foi um desafio ao regime. Desde o golpe de 1964, nunca houve uma candidatura contra os militares na disputa presidencial. Era uma "anticandidatura" porque a derrota se sabia certa.
"O Movimento Democrático Brasileiro não alimenta ilusões. Na situação, o anunciado como candidato, em verdade, é o presidente, que não aguarda a eleição, e sim a posse. Na oposição, também não há candidato, pois não pode haver candidato a lugar de antemão provido. Dura e triste tarefa esta de pregar numa 'república' que não consulta os cidadãos e numa 'democracia' que silenciou a voz das urnas", discursou Ulysses ao se lançar na empreitada, em 22 de setembro de 1973.
"A inviabilidade da candidatura oposicionista testemunhará perante a nação e perante o mundo que o sistema não é democrático", resumiu sobre o objetivo.
A campanha percorreu o País. Houve passeatas. Comícios eram em locais fechados, como clubes, teatros e universidades, pelas restrições impostas pelo regime. A imprensa, sob censura, praticamente ignorava a campanha.
Geisel foi eleito, como se projetava. Teve 400 votos no colégio eleitoral, contra 76 de Ulysses e 21 votos nulos.
Dez meses depois, entretanto, quando a população teve oportunidade de se manifestar, no voto direto, para deputados e senadores, a ditadura sofreu a mais significativa derrota nas urnas.
No período das eleições de 1974, 22 estados contavam com representação no Senado. Amapá, Rondônia e Roraima eram territórios federais e não elegiam senadores, assim como o Distrito Federal.