“Montar a cavalo é um ato mágico.” A cavalo, a humanidade aprendeu a potencializar sua força e a explorar as imensas possibilidades em torno da montaria, conforme evoca em um de seus livros a escritora brasileira Elma Sant’Ana. Este mercado equestre, hoje, tornou-se responsável pela movimentação de milhões de reais no Ceará.
Dentre as inúmeras atividades em que os cavalos estão envolvidos, a área esportiva tem atraído mais adeptos e movimentado grandes quantias. No hipismo, houve um crescimento no número de participantes associados à Federação Equestre do Ceará (FEC) desde antes da pandemia de covid-19 até 2024, de 30 para 250 atletas.
A FEC regulariza o esporte no Estado, contando com seis entidades filiadas. “Um grande benefício do hipismo, que acredito que se aplica a outras categorias, é o impacto positivo que o cavalo tem na vida das pessoas”, já que os praticantes têm contato direto com a natureza e com os animais, de acordo com a presidente da entidade, Renata Holanda.
Um empresário, atleta profissional e instrutor na área de equinos, dono de hípicas no Nordeste e Sudeste, que preferiu não ter seu nome citado, explora o segmento com olhar atento aos investimentos. Ele já chegou a comprar um cavalo “inexperiente” por R$ 68 mil em 2021 e vendeu por R$ 1 milhão em 2024, após anos de treinamentos.
Os preços desses animais diferem bastante, indo de R$ 15 mil até R$ 3 milhões, a depender da raça e de potencialidades individuais. Ele conta que já chegou a negociar cavalos também para outros clientes, comprando por R$ 170 mil e recebendo proposta de R$ 1,2 milhão; e, mais recentemente, um foi adquirido por R$ 220 mil e vendido por R$ 600 mil.
“Existe um grande potencial nesse mercado. Mesmo com esses ganhos, não parei. Estou buscando uma fêmea para explorar a parte reprodutiva no Brasil, onde o consumo e a criação de cavalos têm aumentado”, acrescenta o empresário, que, atualmente, viaja por alguns países europeus para ampliar sua busca por oportunidades vantajosas.
“Isso é como se fosse o comércio de jogadores de futebol: você contrata aquele jogador jovem da base, explora o potencial dele para colocá-lo nas grandes competições”, compara. Todavia, os custos para manter os animais são caros, com mensalidade média de R$ 5 mil nas hípicas cearenses, incluindo alimentação, treinamento e atendimento veterinário.
Devido aos altos valores envolvidos, a advogada atuante no mercado equestre, Gabrielly Lessa, faz uma ressalva sobre a busca frequente pelos seguros dos animais. Isso engloba, ainda, a formalização contratual das negociações de compra e venda. Essa documentação é enviada às seguradoras, e os custos dos seguros ficam em torno de 10% do preço do animal.
A especialista em direito empresarial e sócia-fundadora do Lessa e Lima Associados também explica que pratica hipismo há anos, comprando e vendendo cavalos à medida que avança nas categorias das competições, mas nunca como forma de investimento, a fim de evitar perdas financeiras por conta do risco. “O preço que eu pago é um valor seguro”, diz Gabrielly.
O acesso ao hipismo é um pouco mais barato para os iniciantes, que não possuem cavalos próprios, com custos mensais de R$ 350 a R$ 400 para aulas práticas uma vez por semana nas hípicas. A maioria das escolas está localizada na Região Metropolitana de Fortaleza (RMF). São aceitos praticantes a partir dos três anos e sem limite máximo de idade.
O secretário-executivo do Agronegócio da Secretaria do Desenvolvimento Econômico (SDE), Sílvio Carlos, destaca que vê um grande potencial nesse setor no Ceará, a exemplo da negociação dos cavalos, das vaquejadas, dos esportes e dos segmentos veterinário e terapêutico. “É um setor muito rico, (...) empregando muitas pessoas.”
A estimativa é que cerca de 10 mil empregos estejam relacionados ao mercado equestre no Estado, na visão do presidente da Associação dos Criadores do Cavalo Mangalarga Marchador do Ceará, Moacir Cavalcanti. Além disso, ele acredita que “as pessoas estão começando a abrir mais o bolso para gastar com os animais, porque os cavalos unem as famílias.”
O POVO solicitou dados à SDE sobre a movimentação financeira do mercado equestre, empregos e exportações, mas o órgão não dispõe desse tipo de levantamento específico.
Modalidade terapêutica que envolve a interação com cavalos e foi oficialmente reconhecida pela Lei Nº 13.830/2019, a equoterapia promove significativas melhorias sociais, físicas e cognitivas em seus praticantes, especialmente na população com transtorno do espectro autista (TEA), síndrome de Down e pessoas com deficiência (PCD).
A prática da equoterapia requer uma equipe multiprofissional composta por médicos, veterinários, psicólogos, fisioterapeutas e profissionais de equitação. Juntos, eles proporcionam atividades de cavalgadas, exercícios de equilíbrio e postura, dinâmicas lúdicas, estimulação sensorial, coordenação motora, interação social e cuidados com os animais.
O Regimento de Polícia Montada da Polícia Militar do Ceará (RPMont) atua com um projeto de equoterapia há quase 30 anos em Fortaleza. De forma gratuita, 60 pessoas são atendidas atualmente, em sua maioria crianças com TEA. A recomendação médica é um pré-requisito para a inscrição. São aceitas crianças a partir dos três anos, sem limite máximo de idade.
Todavia, o tempo de espera para entrar é longo após a inscrição, com uma fila composta por 270 pessoas. A advogada Pliciana Maia inscreveu o seu filho Plínio, de 9 anos, em 2019, quando buscava por terapias voltadas ao TEA. A tão esperada vaga surgiu apenas em 2024 e, há menos de dois meses, o garoto iniciou os tratamentos.
“Tem dias que ele quer descer antes do cavalo e, em outros, ele fica zangado porque saiu. Eu estou gostando muito, não tenho muito como avaliar a evolução, porque não tem nem dois meses ainda que a gente começou”, detalha. Os praticantes têm uma sessão de 30 minutos toda semana, já o tratamento completo dura entre um a dois anos.
“As crianças chegam muito fechadas e, ao longo do tratamento, começam a evoluir, melhorando a comunicação”, conforme o assessor de comunicação do RPMont, Capitão Rommel. Ele também cita benefícios motores e cognitivos, como a melhora do tônus muscular, desenvolvimento afetivo e aumento da autoestima dos praticantes.
A psicóloga, equoterapeuta e proprietária da Hípica Sítio Siel Camará – no Aquiraz –, Victoria Erel, relata que, apesar dos benefícios, ainda existe muita desinformação em torno da prática, pois muitas pessoas acreditam que é só andar a cavalo. “A gente não monta apenas em um cavalo. É um ser vivo. Existem emoções entre os dois.”
“Fiz psicologia e comecei a trabalhar na equoterapia, estagiei, fiz cursos fora e vi como é maravilhoso. Já tinha visto na prática, com a minha irmã, que, com oito anos, estava passando por dificuldades psicológicas e fazendo acompanhamento. A gente viu como um cavalo mudou a vida dela, tanto no contexto familiar quanto no escolar”, explica.
“Eu sentia isso também, porque eu tinha o meu cavalo e já era apaixonada, e percebi como isso me mudou, principalmente na questão da minha ansiedade nos estudos. A relação com o meu cavalo influenciava muito. Então, resolvi trabalhar com equoterapia, e há uns dez anos, abrimos a equoterapia aqui no Sítio”, acrescenta Victoria.
Equoterapia gratuita na Cavalaria da PM
O Ceará conta com uma população de 120 mil equinos em 2024, segundo dados da Agência de Defesa Agropecuária do Ceará (Adagri). O diretor de sanidade animal da instituição, Amorim Sobreira, explica que o órgão regula todo o trânsito dos animais no Estado, a fim de evitar o alastramento de doenças, como a anemia infecciosa equina.
“Ela sabe de onde o animal está indo, para onde está indo e de onde veio, para que, caso aconteça qualquer doença, possamos entender a origem e debelar o problema lá. (...) Temos uma estatística que mostra que em torno de 25 animais semanais testam positivo para a anemia infecciosa equina, mas é um número insignificante comparado ao total”, detalha.
Dentre as raças de equinos mais comuns no Ceará, Amorim lembra do Quarto de Milha – principalmente em vaquejadas –, o Mangalarga Marchador – em passeios e em roças –, o Árabe e o Brasileiro de Hipismo, comum na prática esportiva. “A criação de cavalos é um segmento muito difundido, principalmente na Região Metropolitana.”
A médica veterinária, especialista em equinos e proprietária do Hospital de Equinos, Joilde Gadelha, analisa que há um crescimento no mercado de equinos nos últimos anos, pois muitas pessoas passaram a investir nesse ramo, tanto na modalidade de vaquejadas quanto em outros contextos, como o próprio hipismo, com eventos recorrentes.
O atendimento veterinário para cavalos chega até a um salário mínimo, no valor de R$ 1.412, se for realizado com especialistas, como odontologia, fisioterapia, ortopedia e oftalmologia. No caso de clínicos gerais, a consulta varia entre R$ 300 a R$ 600, independentemente da raça do animal.
Mercado de equinos no Ceará
Joilde não considera os valores caros, mas compatíveis com o valor do cavalo, além de que os custos para se especializar na área são caros. “Essa especialização tem um custo de mais de R$ 40 mil e dura cerca de 18 meses. Para quem está iniciando e saindo de uma faculdade particular, é um valor considerado alto. Há dificuldades para a formação de turmas.”
A médica veterinária com atuação no mercado de equinos, Livia Antunes, detalha que lida bastante com a medicina esportiva. “Esses cavalos recebem todos os cuidados que um atleta de alto rendimento tem, desde a parte reumatológica até a alimentação, cuidados locomotores, fisioterapia, suplementação. Temos todas as dificuldades semelhantes desses atletas.”
Filiados à Federação Equestre do Ceará
“Além disso, precisamos lembrar que nossos pacientes não falam, então temos que ter a sensibilidade de perceber sinais e entender o que o cavalo está sentindo. Ele nos transmite de forma bem nítida a dor, o mal-estar e o estresse. Os exames complementares ajudam muito, mas essa sensibilidade é fundamental”, acrescenta Joilde.
O POVO questionou à Adagri sobre a quantidade de hípicas no Ceará, as raças mais comuns e o quantitativo de equinos por ano, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
Campeões cearenses de hipismo em 2024