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De compra de votos a ligação com facção: entenda acusações contra prefeito eleito de Choró
Reportagem Especial

De compra de votos a ligação com facção: entenda acusações contra prefeito eleito de Choró

Polícia Federal aponta que Carlos Alberto Queiroz Pereira, o Bebeto do Choró (PSB), criou uma organização criminosa que influenciou eleições em municípios como Choró e Canindé

De compra de votos a ligação com facção: entenda acusações contra prefeito eleito de Choró

Polícia Federal aponta que Carlos Alberto Queiroz Pereira, o Bebeto do Choró (PSB), criou uma organização criminosa que influenciou eleições em municípios como Choró e Canindé
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Compra de votos, fraudes em licitações públicas, influência em órgãos de segurança, envolvimento com facções criminosas, ameaças e tentativa de homicídio. Essas foram algumas das suspeitas levantadas pela Polícia Federal (PF) ao investigar denúncias contra o empresário Carlos Alberto Queiroz Pereira, o Bebeto do Choró (PSB), eleito prefeito daquele município do Sertão Central do Estado, mas impedido de assumir o cargo após ter a prisão preventiva decretada.

Ao apreender, em cumprimento a ordens judiciais, os celulares de Bebeto e de pessoas ligadas a ele, a PF se deparou com conversas que indicam crimes praticados não só nas eleições em Choró, mas também em municípios próximos, como Canindé e Morada Nova. Nas investigações, também surgiram nomes de deputados federais como Júnior Mano (PSB), embora não haja acusações formais contra eles, que negam a prática de irregularidades.

Bebeto foi preso em 23 de novembro em uma operação do Ministério Público Estadual (MPCE) que investiga supostos atos ilícitos em contratos de abastecimentos de veículos da Prefeitura de Choró. Ele foi solto dez dias depois, mas teve a prisão preventiva decretada novamente por ocasião da operação da PF contra os crimes que teriam sido cometidos durante as eleições municipais.

Atualmente, Bebeto é considerado foragido. Contra ele, o Ministério Público Eleitoral (MPE) ingressou, no último dia 17 de dezembro, com uma Ação de Investigação Judicial Eleitoral (Aije). Nesta ação, também é requerida a irmã dele, Cleidiane de Queiroz Pereira, apontada como operadora financeira dos supostos esquemas do prefeito eleito.

Também são pólo passivo na Aije, o prefeito e o vice-prefeito eleitos de Canindé, respectivamente, Francisco Jardel Sousa Pinho, o Professor Jardel (PSB); e Ilomar Vasconcelos (PT). Além deles, também foi citado o candidato a vereador José Evelton Xavier Coelho, o Professor Evelton (PRD), que não foi eleito. Todos eles teriam sido apoiados por Bebeto.

O MPE os acusa de abuso de poder econômico e político e, por isso, pede a cassação do diploma dos eleitos e a decretação da inelegibilidade deles. A Justiça Eleitoral ainda não decidiu se aceita ou não o pedido de Aije.

O POVO entrou em contato com a defesa de Bebeto Queiroz na tarde dessa terça-feira, 7, mas não obteve retorno até o fechamento desta matéria. O prefeito de Canindé, Jardel Sousa, também foi procurado, via assessoria de imprensa e em seu número profissional, mas igualmente não respondeu. As defesas dos demais citados não foram localizadas.

Testemunho de prefeito e apreensão de quase R$ 600 mil deram início à investigação

A investigação contra Bebeto teve início em setembro de 2024 a partir de dois fatos: o depoimento de uma rival do empresário e a apreensão de quase R$ 600 mil com um policial militar que trabalharia para ele. No dia 26 daquele mês, a então prefeita de Canindé, Rozário Ximenes (Republicanos), procurou o Ministério Público Eleitoral (MPE) para relatar uma série de denúncias contra Bebeto.

Entre as acusações, Ximenes disse que Bebeto estava ameaçando-a, assim como oferecendo dinheiro a vereadores e eleitores para que estes apoiassem Jardel. Ela ainda afirmou que Bebeto teria mais de R$ 58 milhões para “gastar” nas eleições municipais, dinheiro que seria enviado a cerca de 51 de prefeituras — ela só citou o nome de seis municípios e, como ainda não há comprovação de que o valores foram, de fato, encaminhados, O POVO opta por não divulgar quais seriam essas cidades.

Um dia antes dessa denúncia, a PF apreendeu R$ 599.407 em espécie com o policial militar Emanuel Elanyo Lemos Barroso, em Fortaleza. O dinheiro estava em uma caminhonete modelo Hilux que era dirigida pelo militar, sendo que ele havia acabado de realizar um saque em uma agência bancária do bairro Papicu.

Em depoimento, Emanuel Elanyo disse não saber a origem do dinheiro, afirmando apenas que um colega havia pedido para que ele transportasse o montante a uma empresa, a MK Serviços em Construção e Transporte Escolar Eireli, cujo proprietário é Mauricio Gomes Coelho. A PF, porém, encontrou indícios de que Maurício seria apenas um “testa de ferro” e que o empreendimento, na verdade, é de Bebeto.

Documentos da Receita Federal mostram que, até 2020, Maurício tinha vínculo empregatício com uma empresa de segurança privada, na qual ele era cadastrado como segurança e tinha como remuneração média R$ 2.418,77.

Apesar disso, a MK Serviços em Construção e Transporte Escolar Eireli possui R$ 8,5 milhões de capital social, tendo dezembro de 2019 como o início de suas atividades. A empresa realizou contratos com inúmeras prefeituras municipais, em um valor total de R$ 318.927.729,42.

“Não foram localizadas, durante as pesquisas realizadas em bancos de dados, elementos que justifiquem MAURICIO GOMES COELHO, vigilante com remuneração média nominal de R$ 2.418,77, a constituição de empresa com capital social de R$ 8.500.000,00 (oito milhões e quinhentos mil reais), sendo possível inferir, com forte grau de segurança, que MAURÍCIO GOMES atua como interposto de terceiros”, afirma a PF em relatório.

A PF ainda localizou no celular de Bebeto conversas em que o empresário realiza pagamentos através de contas que estão em nome de Maurício. “Maurício utiliza suas contas para realizar movimentações financeiras sob o comando de BEBETO”, descreve relatório da corporação.

Ao lado de Cleidiane, Bebeto e outras pessoas, Maurício foi alvo de busca e apreensão em 4 de outubro solicitada à Justiça pela PF. Bebeto foi localizado em um apartamento da avenida Beira-Mar, em Fortaleza, e, conforme os policiais, quando abordado, ele “furtivamente” arremessou o celular em direção a uma fonte d'água de um edifício vizinho.

O aparelho, porém, foi recuperado pela PF e submetido à extração de dados. No endereço, foram encontrados R$ 14.500 em espécie, dinheiro que Bebeto afirmou ser de seu filho.

Indícios de compra de votos e de apoio de candidatos

Das mensagens extraídas pela PF do celular de Bebeto, despontam indicativos de que ele transferiu dinheiro para pessoas que lhe pediam favores variados, incluindo eleitores e candidatos a vereador. Em uma conversa com, Bebeto pede que ela “arrume uma conta para você botar 100”; o beneficiário era o coordenador da campanha de uma candidato a vereador de Canindé.

Ele também pediu que a irmã “arranje os 200” para o Professor Evelton (PRD), também candidato a vereador de Canindé. Conforme o MPE, os “200” são R$ 200 mil, dinheiro usado para garantir apoio do candidato a prefeito Professor Jardel. A promotoria destaca que Evelton, inicialmente, estava alinhado com o candidato Kledeon Pinho, mas, em outubro, logo no dia seguinte ao diálogo de Cleidiane e Bebeto, uma publicação mostra Jardel agradecendo o vereador Evelton pelo apoio.

“Chama atenção, ainda, a completa ausência de publicações no perfil da rede social de Evelton até a data do dia 03/10/2024 no tocante à declaração pública de apoio à candidatura de Jardel, o que pode ser facilmente observado em seu perfil no Instagram”, pontua o MPE.

Eleitores também teriam tido votos comprados. Um deles, em 1º de outubro, aparece em mensagens no Whatsapp dizendo estar “precisando de uma ajuda”, pois estaria com salários atrasados e devendo dois meses da mensalidade da escolha do filho.

“Quando é assim em época de política, nós se ajunta todo mundo pra votar num candidato só, entendeu!... todo mundo junto... esse ano se Deus quiser, nós estamos apoiando vocês…”, diz o homem em áudio. Bebeto, então, envia R$ 300 a ele, através de uma conta Pix que estava em um nome de terceiro.

Outro cidadão pediu R$ 200 a Bebeto, dizendo que “você pode mandar em quem eu votar”. Em outra conversa, um candidato a vereador de Canindé pede uma “assistenciazinha” a Bebeto e este pede para que ele procure a sua irmã. “Ela vai ver o que pode fazer e lhe dá uma forcinha, viu!”. Já em outra troca de mensagens, um homem diz que consegue 25 votos no distrito de Targinos “pro seu prefeito”, ou seja, Professor Jardel.

 

Para isso, o eleitor disse que precisaria de uma “ajuda” para o combustível. “Mande seu PIX aí pra eu mandar um agradozinho pra você, pra você ficar agradando o povo aí, esses indultos, você ficar puxando logo pra nós”, responde Bebeto, que envia R$ 1000 via pix, tendo prometido ainda outros R$ 1000 na semana seguinte.

Bebeto também manteria atuação nas eleições de Morada Nova, conforme indica um diálogo em que aparece conversando com Edgar Amaral Castro de Andrade, então candidato a vice-prefeito de Morada Nova. Este último envia uma mensagem a Bebeto pedindo um valor de R$ 20 mil, que os dois teriam combinado previamente para o “negócio” do distrito de Aruaru.

“Vamos começar amanhã a operação lá... e lá nós estava com 25 pontos, veio pra 16 e semana passada só tava com 10 atrás", diz em áudio Edgar. Para a PF, ele está se referindo a uma desvantagem no quadro eleitoral. Bebeto, então responde: "Chefe! Deixa eu terminar essas contas aqui... que eu tenho mais de 100 mil de despesa hoje...".

Relação com policiais e com facção criminosa

Outra acusação existente na investigação da PF diz respeito a uma suposta ligação do grupo de Bebeto com integrantes da facção criminosa Guardiões do Estado (GDE). Relatório Circunstanciado da PM aponta que, na localidade de Targinos, em Canindé, circularam áudios em que uma pessoa proferia ameaças a um morador daquela região que apoiava um candidato rival a Jardel.

A PM apurou que a linha telefônica de onde teriam partido as ameaças pertenceria a uma mulher apontada como “uma das principais traficantes de drogas da região dos Targinos e (que) está ligada diretamente à ORCRIM (organização criminosa) GDE”. O relatório ainda afirma que a suspeita “está participando ativamente da campanha do professor Jardel, inclusive como dirigente de um ‘comitê’ que funciona naquela localidade”.

“Foi levantado ainda que (a suspeita) também tem aproximação com Bebeto Queiroz, do qual recebeu um veículo modelo GOL, de cor vermelha, que foi cedido para seu pai cancelar o apoio ao candidato Kledeon e apoiar o candidato Professor Jardel (não foi possível coletar identificação de placa de tais veículos)”, consta também no relatório.

A PF também apontou elo de Bebeto com policiais. Conversas no Whatsapp de Bebeto com um tenente do Batalhão de Polícia de Trânsito Urbano e Rodoviário Estadual (BPRE) indicam que o PM visava influenciar o policiamento na região de forma a favorecer a campanha do então candidato a prefeito de Canindé.

“Obrigado Amigo, por todo apoio, viu!... muito obrigado... muita gratidão... que Deus abençõe nós... até o dia 6... a eleição é nossa…”, diz Bebeto em uma ocasião ao oficial. “Chego na coordenação do sertão central na terça 24 até dia 07. Já afastei a PM dos plantões na região”, diz o tenente em outra mensagem, enviada em 22 de setembro.

Bebeto também foi flagrado em conversas com um policial rodoviário federal em que este envia o contato do chefe da corporação na região. “(O PRF) orienta Bebeto a se apresentar como ‘fulano de tal, BEBETO, fazendeiro, empresário, candidato a vereador e prefeito’, destacando a importância de o chefe da PRF estar ciente ‘da situação’, já que, caso contrário, ele não conseguiria resolver o problema e poderia ser multado, até por fotografias”, narra o MPE.

“O diálogo, ocorrido um dia antes da promoção de grande carreata por Jardel e Ilomar em Canindé, sugere uma clara tentativa de obter vantagens ilícitas e influências políticas para garantir que o evento fosse realizado sem maiores problemas ou fiscalizações, como se depreende da preocupação com as possíveis multas e irregularidades”, escreveu o promotor Jairo Pequeno Neto.

A PF pediu o compartilhamento dos dados com a Controladoria Geral de Disciplina dos Órgãos de Segurança Pública (CGD) a fim de apurar a atuação dos policiais citados, assim como com a Procuradoria de Justiça dos Crimes contra a Administração Pública, do MPCE.

Tentativa de homicídio de ex-aliado

No dia 6 de outubro de 2024, o ex-PM Alan Deybson Paulino Bezerra trafegava em seu carro pelo bairro Palestina, em Canindé, quando, nas proximidades de um posto de gasolina, foi surpreendido por uma série de disparos. Cinco dos tiros atingiram-no e ele colidiu o veículo contra um poste. Socorrido a uma unidade hospitalar, Alan Deybson sobreviveu.

Em 8 de novembro, por ocasião das investigações dessa tentativa de homicídio, policiais civis cumpriram mandados de prisão e de busca e apreensão em um apartamento de Maurício Gomes Coelho, localizado no bairro Benfica, em Fortaleza. Naquela ocasião, ele também foi preso em flagrante por porte ilegal de arma de fogo, já que, no endereço, foi encontrada uma pistola calibre 9mm.

Para a Polícia Civil, conforme documentos aos quais O POVO teve acesso, Maurício é o “principal” suspeito do crime. Ele tem “histórico de desavenças com a vítima e envolvimento em licitações fraudulentas”, descreveram os investigadores. Conforme a vítima, Maurício solicitou a José Mário Pires Magalhães, o “ZM”, autorização para a execução. José Mário é apontado como uma das principais lideranças da facção criminosa Comando Vermelho (CV) no Estado.

Na investigação da PF, é mencionado que Alan Deybson “aparenta ser um colaborador de confiança, atuando na logística de distribuição de recursos financeiros e demonstrando lealdade ao núcleo de Bebeto”. Em outro trecho da investigação, é dito que Allan realiza viagens transportando dinheiro do empresário, assim como “também é utilizado por este para solucionar suas demandas”.

Entretanto, o grupo de Bebeto teria passado a desconfiar que Alan Deybson seria um possível delator. “A tentativa de homicídio, da qual MAURÍCIO é suspeito de participação direta, ventila a estratégia do grupo em eliminar potenciais ameaças internas”, descreveu a PF.

Além disso, a vítima relatou que, no dia 10 de outubro, enquanto estava internado em leito hospitalar, percebeu “uma mulher desconhecida” filmando-o, “o que aumenta a suspeita de que sua execução possivelmente ainda está em curso”.

O inquérito que apura a tentativa de homicídio segue em andamento, em segredo de Justiça, e outras pessoas são investigadas.

Por meio de nota, a defesa de Maurício, realizada pelo advogado Kaio Castro, afirmou que ele já prestou depoimento e que “tudo foi devidamente explicado”. Castro também afirmou que o inquérito já passou de 90 dias e Maurício sequer foi indiciado. “O processo se encontra em sigilo e a defesa não pode pormenorizar neste momento mais detalhes sobre os fatos”.

Suposto envolvimento de Júnior Mano

Nas investigações sobre os supostos esquemas criminosos Bebeto, ainda esbarraram nos nomes de deputados federais, incluindo o de Júnior Mano (PSB-CE). O parlamentar salientou que as acusações partiram de adversários políticos.

Não há acusações formal contra ele, mas o caso foi enviado ao Supremo Tribunal Federal (STF), com relatoria do ministro Gilmar Mendes, que pode determinar abertura de investigação.

Rozário Ximenes afirmou ao MPE que os recursos de Bebeto eram provenientes de fraudes em licitações e emendas parlamentares, esquema que ele atuaria junto a Júnior Mano. “O deputado concede as emendas, manda para ele (Bebeto) e ele lava”, afirmou a ex-prefeita. “A lavagem consiste em contatar o gestor, oferecendo como exemplo um milhão com retorno de quinze por cento para ele”.

 

Júnior Mano afirmou a O POVO que não tinha detalhes das acusações porque o inquérito está em segredo de Justiça. À Rádio Poty, ele declarou, porém, ser vítima de “pessoas que não têm voto e que, por isso, vão para a parte sorrateira, de perseguição”.

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