O fim da escala de trabalho 6x1 (seis dias trabalhados, um de descanso) viralizou nas redes sociais após as eleições do ano passado e se concretizou em projetos legislativos apresentados nas últimas semanas. Em 25 de fevereiro, a deputada federal Erika Hilton (Psol-RJ) protocolou proposta de emenda à Constituição (PEC) número 8/2025.
Propostas similares tramitam na Assembleia Legislativa do Ceará e na Câmara Mucicipal de Fortaleza.
A PEC em âmbito federal estabelece a semana de trabalho de quatro dias, dois a menos que os seis dias, de segunda-feira a sábado, que compõem a escala da maior parte dos trabalhadores. A jornada de trabalho máxima é reduzida em oito horas semanais, das atuais 44 horas semanais para 36. Seriam quatro dias de trabalho por semana, com uma hora a mais de trabalho por dia — a jornada passaria de oito para nove horas.
A PEC foi apresentada com 234 assinaturas, 63 a mais que o necessário para começar a tramitar. Já a aprovação depende do voto de pelo menos 308 dos 513 deputados federais (três quinto do total), em cada um dos dois turnos de votação. Se a proposta passar pela Câmara, vai para o Senado, onde segue o rito de tramitação e também precisa ser aprovada em dois turnos por pelo menos três quintos dos parlamentares — no caso, 49 dos 81 senadores. Porém, o principal desafio provavelmente é colocar a proposta em pauta.
Desde o fim do ano passado, parlamentares são alvo de pressão para que endossem a proposta.
O que a PEC pretende mudar
No mesmo dia em que a PEC começou a tramitar na Câmara dos Deputados, foi protocolado na Assembleia Legislativa do Ceará o projeto de lei 126/2025, de autoria da deputada estadual Larissa Gaspar (PT).
O texto proíbe a escala de trabalho 6x1 para trabalhadores terceirizados ou contratados para obras e serviços pela administração pública estadual do Ceará ou em parcerias com organizações da sociedade civil que recebam dinheiro do Estado.
A proposta limita a execução da jornada de trabalho dos empregados a 40 horas semanais, a serem cumpridas em cinco dias da semana. O trabalhador deve ter dois dias de repouso remunerado por semana, pelo menos um deles no sábado ou no domingo.
Na Câmara Municipal de Fortaleza, o projeto de lei 55/2025, do vereador Gabriel Aguiar (Psol), prevê dois dias de descanso semamal remunerado a contratados da administração pública de Fortaleza.
As composições do mundo do trabalho são reinventadas, abolidas ou criadas em diferentes contextos. No Brasil, experimentos de mudanças na escala de trabalho iniciaram em setembro de 2023, por meio da iniciativa “4 Day Week”, ou 4 Dias por Semana, em português.
Esta campanha por uma semana laboral de quatro dias começou em 2017. Desde então, a 4 Day Week é parceira de empresas em 14 países, conforme dados disponibilizados da instituição.
A proposta é manter 100% da produtividade — e da remuneração — em 80% da carga horária. Há o modelo de redução da jornada diária de oito para seis horas por dia, ou a diminuição de cinco para quatro dias de trabalho — o que dá nome à proposta, e tem sido a preferência da maioria das empresas participantes.
Países que participam da 4 Day Week
Para isso, é necessário treinamento para aumentar o foco no trabalho, além de uso da tecnologia e metodologia para tornar também reuniões mais eficazes.
Após os seis primeiros meses, algumas empresas decidiram adotar o formato em definitivo. Ao ouvir os trabalhadores, 87% disseram ter mais energia para o trabalho, 81% apontaram aumento de criatividade de inovação e 72%, aumento na produtividade, segundo Sylvia Hartmann, do grupo de pesquisa Gestão Estratégica e Internacional de Pessoas e do Programa de Pós-Graduação em Administração da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da Universidade de São Paulo (USP), ao Jornal da USP.
Além disso, foi registrada redução de 50% de casos de insônia. Mais profissionais relataram dormir mais de oito horas por noite e o tempo e a qualidade do lazer em família cresceu.
Por outro lado, 20% dos trabalhadores disseram se sentir mais pressionados e 48% identificaram aumento no ritmo de trabalho.
Para a realização do mesmo trabalho necessário em um dia a menos, a jornada se torna mais intensa. Momentos de distração e relaxamento, quando ocorrem trocas sociais, são comprometidos para manter a produtividade.
Além disso, aproximadamente um terço das empresas tiveram de reforçar as equipes. Porém, em alguns casos, identificou-se que já havia déficit de pessoal e sobrecarga dos funcionários.
Dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT) indicam a média de horas trabalhadas nos países. Vanuatu, na região sul do Oceano Pacífico ocupa a primeira posição da lista de menos horas laborais por semana, com 24,7.
No levantamento, o Brasil aparece no 71° lugar ao listar, em ordem crescente, as horas trabalhadas por país. Os trabalhadores brasileiros exercem em média 39 horas por semana. A última atualização foi em janeiro de de 2025.
Países com menores médias de horas trabalhadas
É difícil estimar o quanto se trabalhava nas sociedades pré-industriais. O primeiro parâmetro de definição foi a luz do sol. Ao amanhecer, trabalhava-se desde a primeira luz até escurecer.
Ao longos dos milênios em que seres humanos foram escravizados — o que chega a coexistir com a sociedade industrial — o limite da jornada era aquele que o proprietário acreditava que iria prejudicar a continuidade do trabalho pela pessoa explorada.
O tempo de trabalho cresceu significativamente no século XIX nos países ricos, por fatores como revolução industrial, urbanização, mudanças na produção agrícola, aumento populacional e demanda por alimentos.
A migração de trabalhadores para atividades não relacionadas à agricultura reduziu a sazonalidade e aumentou o tempo de trabalho ao longo do ano. Por outro lado, para africanos e descendentes que haviam sido traficados para as Américas, as horas de trabalho caíram bastante com o fim da escravização.
Era um ambiente sem lei, com crianças pequenas trabalhando longas jornadas que entravam pela noite. As primeiras empreitadas para regulamentar o trabalho, na Inglaterra, foram para evitar que crianças trabalhassem mais de 12 horas por dia e que tivessem expediente depois de 21 horas e antes de 6 da manhã. Posteriormente, foi proibido o trabalho de crianças com menos de 9 anos de idade.
Nas décadas subsequentes, a organização dos trabalhadores avançou e as mobilizações levaram à regulamentação de jornadas de 10 horas, até chegar a 8 horas diárias, a partir da fundação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919.
Nos Estados Unidos, em 1926, Henry Ford adotou jornada de 40 horas semanais em suas empresas, na defesa da necessidade de tempo para o lazer dos operários. A medida pressionou outros empresários. A medida se difundiu até ser adotada em lei federal nos Estados Unidos em 1938, com a Fair Labor Standards Act (FLSA).
O modelo de oito horas por dia durante cinco dias — 40 horas semanais, portanto — disseminou-se em Estados Unidos e Europa após a Segunda Guerra Mundial. No fim do século XX, a jornada foi reduzida em muitos lugares para em torno de 35 horas semanais. No Brasil, porém, a legislação nunca chegou a prever as 40 horas semanais. A jornada é, até hoje, de 44 horas, como vem desde a Constituição de 1988.
Jornada de trabalho pelo mundo
Se, nos países ricos, houve longa trajetória de gradual conquista de direitos trabalhistas, no Brasil houve apenas duas regulamentações da duração da jornada de trabalho ao longo da história.
A maior parte da história do Brasil, desde a colônia, teve a economia organizada em torno do trabalho escravizado. Na passagem do século XIX para o século XX, em incipientes urbanização e industrialização, era comum o padrão observado na segunda metade do século XIX nos países de industrialização anterior, de 10 a 12 horas de trabalho, seis dias por semana.
Jornada de trabalho no Brasil
A primeira regulamentação das relações de trabalho foi instituída em 1° de maio de 1943, na ditadura de Getúlio Vargas. À época, a Consolidação das Leis Trabalho (CLT), então concebida no período do Estado Novo, na ditadura varguista, não foi discutida pelo Senado nem pela Câmara dos Deputados, ambos fechados. A jornada prevista foi de oito horas por dia, seis dias na semana — 48 horas semanais.
Ao longo da história, outros direitos foram adicionados ao regime trabalhista. Em 1962, o 13° salário foi aprovado. Cinco anos depois, em 1967, foi criado o Fundo de Garantia de Tempo de Serviço (FGTS).
CLT nas páginas do O POVO
Com a Constituição de 1988, a jornada passou a ser de 44 horas semanais, com no máximo oito horas de trabalho por dia, seis dias na semana. A regra segue até hoje, com inovações introduzidas em legislações posteriores, como a possibilidade do home office e do trabalho intermitente.
Como regra geral, o trabalhador precisa cumprir 8 horas diárias de trabalho, 44 horas semanais e 220 horas por mês. A forma de distribuir essa jornada é diversa. A forma mais comum de cumprimento da jornada é com oito horas diárias de segunda-feira a sexta-feira e quatro horas no sábado.
Os segmentos mais adeptos à escala 6x1 são a indústria, o comércio e os transportes. Alguns desses setores têm também atividades laborais aos domingos. Nesse caso, a lei estabelece que deve haver pelo menos uma folga a cada sete domingos. No comércio, a lei estabelece que a cada três semanas deve haver ao menos uma folga aos domingos.
Amparado pela Constituição, o salário não pode ser reduzido. Em condições normais, há a possibilidade de discutir, em coletivo, a redução da jornada, mas não a diminuição dos salários, salvo em situações específicas.
A remuneração mínima substancial do colaborador, alicerce para a dignidade do trabalhador, é preservada pela Constituição.
A escala 6x1 é mais comum em alguns segmentos. Com possíveis mudanças, “a redução da jornada semanal, em princípio, beneficiaria especialmente trabalhadores de setores com alta carga de trabalho e jornadas intensivas, como os profissionais da saúde, do transporte e da indústria, que hoje são frequentemente submetidos a jornadas extenuantes”, analisa Emmanuel Furtado Filho, advogado e professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC).
O professor enfatiza a importância de, caso a PEC caminhe para aprovação e implantação, é necessária “uma regulamentação para evitar que a redução na jornada semanal seja desvirtuada pelo uso de horas extras regulares ou banco de horas, o que comprometeria o descanso do trabalhador”.
Após ser protocolada, a PEC passará a ser discutida na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania da Câmara. Um relator para o texto será designado e poderá modificar o texto, além de acatar sugestões de outros deputados.
Em caso da aprovação da Comissão, a proposta seguirá para apreciação de uma comissão especial. No fim desse processo, o texto estará apto para ser pautado no plenário, onde precisará do voto de 308 dos 513 deputados.
Ao ser aprovado na Câmara, o texto segue para o Senado, no qual precisará de votos favoráveis de 49 dos 81 membros da Casa. Em PECs, não há sanção presidencial após aprovação das propostas pelas duas Casas do Legislativo.
Com Agência Estado