Em 6 de junho de 2005, a história política do Brasil teve um ponto de virada. O País foi sacudido por um dos maiores escândalos políticos já vistos — até aquele momento. A estranha palavra "mensalão" foi incorporada ao vocabulário político.
Duas décadas depois, o caso ainda reverbera na memória nacional. Foi um divisor de águas. Os mais atingidos foram o governo Luiz Inácio Lula da Silva, o PT e o centrão. Todos eles se recuperaram. Lula teve mais dois mandatos, ambos pelo PT, e o centrão é hoje mais forte do que nunca.
Mas houve uma geração de dirigentes petistas e líderes do velho centrão que foram atingidos. Alguns dos quais retornaram à cena da política.
Outro reflexo destacado, o escândalo foi um ponto de virada para o protagonismo político do Poder Judiciário — em particular o Supremo Tribunal Federal (STF) — e do Ministério Público.
O jornalismo político também se transformou, com a primeira grande cobertura da era digital, por meio dos blogs, ainda antes da era das redes sociais.
O neologismo "mensalão" surgiu a partir da entrevista concedida pelo então deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ), que revelou a existência de um esquema de pagamentos mensais a parlamentares da base aliada do governo Lula, no valor de R$ 30 mil, em troca de apoio no Congresso Nacional. A entrevista foi publicada em 6 de junho daquele ano, na Folha de S.Paulo.
Jefferson era alvo de investigações e se sentia abandonado pelo governo. Em 14 de maio, havia sido revelada uma gravação em vídeo de Maurício Marinho, então funcionário dos Correios, recebendo dinheiro de propina de pessoas identificadas como empresários. Na gravação, ele falava ter aval de Roberto Jefferson.
O que se comentava na época era que o "quarteirão estava sendo esvaziado" em torno de Jefferson. Ou seja, ele seria sacrificado como responsável pelo escândalo. O "quarteirão esvaziado" seria para não afetar mais gente ou o próprio governo. Então, o "homem-bomba" decidiu se explodir.
Segundo as investigações ocorridas após a divulgação do esquema, os recursos eram desviados de contratos com estatais, como os Correios e o Banco do Brasil, e repassados a parlamentares por meio de agências de publicidade ligadas ao publicitário Marcos Valério.
As denúncias atingiram diretamente o núcleo do governo petista, incluindo o então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu (PT), e aliados de alto escalão. Dirceu deixou o governo em 16 de junho.
A revelação deu início a uma ampla investigação da Procuradoria-Geral da República (PGR), resultando na açao penal 470, um dos processos mais emblemáticos da história recente do País.
Conforme o relatório do ministro Joaquim Barbosa, relator da ação penal 470, a empresa DNA Propaganda tinha contrato com o Banco do Brasil desde 2000, renovado em março de 2003, começo do governo Lula. No mesmo ano, a Câmara dos Deputados, sob presidência de João Paulo Cunha, assinou contrato com a agência SMP&B Comunicação Ltda.
Houve repasses de dinheiro desses contratos sem que qualquer serviço tivesse sido prestado e sem garantia de contrapartida. Essa era a verba para os pagamentos aos políticos. O contrato da DNA com o Banco do Brasil não envolvia verbas da Visanet que, ainda assim, foram pagas à agência por meio de antecipações.
A forma de "esquentar" ou "lavar" os recursos públicos repassados irregularmente às agências de publicidade era por meio de empréstimos bancários falsos. Aí entrava o Banco Rural.
O Banco Rural, de olho em vantagens no Governo Federal e em lucros, promovia classificação irregular de risco de empréstimos e fazia renovações sucessivas sem as garantias exigidas. Também disponibiliva agências bancárias para os pagamentos e para lavagem do dinheiro.
O dinheiro dos desvios de contratos de publicidade teria sido usado para pagar a dívida do PT com o publicitário Duda Mendonça, que fez a campanha que elegeu Lula em 2002. Duda admitiu que recebeu o dinheiro via caixa dois.
Diferentemente do que denunciou Roberto Jefferson, nunca se constatou que tenha havido pagamentos mensais aos parlamentares — o que justificava o nome "mensalão".
Na época procurador-geral da República, o cearense Antonio Fernando de Souza denunciou ao Supremo Tribunal Federal (STF), em 11 de abril de 2006, 40 pessoas pelo mensalão.
Em 28 de agosto de 2007, após cinco dias de debates, o STF recebeu a denúncia e abriu processo criminal.
Em 7 de julho de 2011, o também cearense Roberto Gurgel, que havia assumido a PGR, pediu a condenação de 37 dos 40 denunciados.
O STF julgou e condenou, pela primeira vez na história do combate à corrupção no Brasil, políticos e empresários de alto escalão.
O julgamento teve início em 2012 sob a relatoria do ministro Joaquim Barbosa e durou mais de um ano devido à complexidade e ineditismo de tantos políticos e empresários com foro privilegiado. Foram 53 sessões, totalizando 138 dias de julgamento e gerando uma cobertura até então inédita da imprensa.
Entre os condenados estavam o ex-ministro José Dirceu, o ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro Delúbio Soares e Marcos Valério, considerado operador do esquema. Eles foram condenados por crimes como corrupção ativa, corrupção passiva, lavagem de dinheiro, peculato e formação de quadrilha.
Passadas duas décadas, muitos dos envolvidos já cumpriram suas penas e seguiram novos caminhos:
O escândalo do mensalão mudou a forma como a sociedade brasileira enxerga a corrupção política. Foi o primeiro grande caso em que figuras de alta projeção foram julgadas e condenadas, o que representou, à época, um avanço institucional na responsabilização de agentes públicos.
No Judiciário, o próprio conceito de corrupção mudou. Na ação penal 307, o julgamento do ex-presidente Fernando Collor, ele foi inocentado ainda que se tenha comprovado que ele recebeu dinheiro. Porém, não se conseguiu provar por que ele recebeu aquele dinheiro.
Na ação penal 470, do mensalão, o recebimento dos pagamentos foi suficiente para a condenação. Nesse caso, os pagamentos seriam para que votassem a favor do governo em determinadas votações. Entretanto, o posicionamento de alguns parlamentares foi contrário à orientação governista. Mesmo assim houve as condenações.
Contudo, o legado do mensalão traz uma ambiguidade: se por um lado mostrou que a Justiça pode alcançar os poderosos, por outro revelou as falhas estruturais do sistema político brasileiro — muitas das quais permanecem. A sensação de impunidade ganha ares de realidade ao passo que nomes envolvidos no escândalo seguem em posições de poder e no meio do debate público.
O mensalão teve personagens, episódios e consequências para a política do Ceará. Inclusive com um caso de repercussão nacional que se tornou um dos símbolos do escândalo: "dólares na cueca".
Cearenses também estiveram do lado dos investigadores. A ação penal foi proposta pelo procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza, e teve prosseguimento com o PGR seguinte, Roberto Gurgel. Ambos nasceram em Fortaleza.