26 anos depois de vencer o Kikito de Melhor Atriz no Festival de Gramado, Denise Fraga voltou à serra gaúcha em agosto para apresentar outra comédia dramática, dessa vez muito mais áspera: ‘Sonhar com Leões’, dirigido pelo português Paolo Marinou-Blanco, vencedor de uma Menção Honrosa do júri oficial.
“Eu acho o humor revolucionário”, responde Denise em entrevista ao O POVO+, para contextualizar por que essa história sobre uma mulher em busca de eutanásia acaba fazendo a plateia rir tanto. Com estreia marcada para o dia 11 de setembro, o filme deve ter uma recepção controversa justamente pelo jeito irreverente com que trata o tema.
A direção toma decisões estéticas arriscadas porque filma essa violência de forma muito gráfica e direta, fato que vai na contramão da direção pública a respeito do assunto. Para Denise, o susto se dá principalmente porque isso não é uma discussão ativa no País. “Aqui a gente nem fala, nem é um tema. É preciso”, conta.
Para dar uma camada irônica impermeável ao drama, a atriz constantemente quebra a quarta parede para conversar com o público e questioná-lo sobre pudor, moral e tolerância. Confira a entrevista completa.
Como é para você lançar o filme este ano, que já é tão especial para o cinema brasileiro?
Denise Fraga - Eu falo que ‘Sonhar com Leões’ é desses trabalhos que eu quero puxar as pessoas para verem. A Gilda é um dos melhores personagens da minha vida. Paolo Marinou-Blanco é um dos diretores mais incríveis com quem eu já trabalhei. Quando eu li o roteiro eu fiquei… gente, quem é essa pessoa? Porque ele fez um filme único. É uma maneira muito original de tratar esse terreno tão delicado e ousado.
É um filme sobre a eutanásia, com uma mulher que tem um câncer. As pessoas não querem falar da morte e esquecem que falar da morte é falar da vida. É um filme que dá vontade de viver. Eu costumo dizer que, quando a gente está criando uma coisa, não precisa ter um final feliz. Precisa ter vontade de viver.
Uma das grandes funções da arte é recuperar o fascínio pela existência. O filme tem isso. Compreender nossa finitude faz com que a gente queira viver de uma forma mais sem desperdício.
Sua personagem no filme é tragicômica e você tem outras personagens com humor e tragédia na sua carreira. Como você avalia a importância da comédia nesse filme e no cinema brasileiro?
Denise - Eu acho engraçado que as pessoas vivem uma espécie de ditadura da comédia. Quando se fala para ver uma peça as pessoas perguntam: ‘é comédia?’. As pessoas às vezes pagam para ver uma comédia ruim com tanto medo de se divertir no drama. Muitas vezes o drama o divertiria muito mais. Esse terreno entre a comédia e o drama é recorrente em quase todos os meus trabalhos, principalmente no teatro.
Eu acho o humor revolucionário. O humor abre a trilha para o pensamento. Você só ri daquilo que você entende. Qualquer questão, por mais espinhosa que seja, pode ser tratada com ironia e humor. Quando você ri no timing cômico você aguça sua inteligência para a compreensão daquilo.
Um terreno delicado e espinhoso, se você conseguir olhar para aquilo com humor, compreendendo que aquilo faz parte da vida e que muitas vezes a gente vai a absurdos… como pagar uma fortuna para uma eutanásia no nosso cão que está sofrendo, mas a gente não consegue fazer isso com nossa mãe que pede por favor, que quer ir, e você não tem como filho essa autonomia. Como sociedade, a gente nem discute a eutanásia no Brasil. Em outros países já estão discutindo.
Quando a gente estava ensaiando o filme, foi aprovado (a eutanásia) em Portugal no congresso. Depois teve um retrocesso, ainda não foi completamente aprovado, mas a lei já estava em aprovação. Aqui a gente nem fala, nem é um tema. É preciso.
A medicina deu conta de uma sobrevida que, muitas vezes, cria indignidade em pessoas encarceradas em seus corpos e em sofrimento, que elas mesmos não querem. Pesquisando para o filme, vi que tem as prerrogativas que você pode fazer. Você pode hoje colocar em cartório, em justiça, como que você quer morrer. Que você não quer ser alimentada artificialmente. Eu vou fazer isso logo.
Você é uma atriz que atravessa teatro, cinema e TV. Como é para você conviver nesses três espaços?
Denise - Eu acho que um ajuda o outro. Eu tenho um lugar prioritário que seria o teatro porque, como a gente produz nossas peças, eu sempre acabo uma e já estou pensando na outra seguinte. Eu fico muito feliz de o cinema, a televisão também, mas o cinema por ser ainda uma coisa que você ensaia, se debruça, por ser uma obra fechada. Eu acho tão bonito.
Pela minha idade, eu ainda tenho a ideia de que o cinema é uma lata, é um rolo, que o ator está ali. Quando ele resolve passar a mão na cabeça ele está desenhando aquela fita que vai passar. Eu acho que um filme é um objeto, é uma obra, um negócio que você tem, que você pode pegar e mostrar. É bonita essa ideia do filme ser uma coisa completa.
Eu adoro uma série também, mas eu acho que um filme condensa ali em duas horas um universo. O que a gente sabe do Irã pelos filmes iranianos? A gente não saberia. O cinema é um veículo de comunicação de um país. Os EUA perceberam isso há muito tempo e faz parte do poder americano. O cinema foi uma das grandes armas dos EUA.
E a gente ainda questiona, a cultura do país, o que o cinema faz voar um país. Eu fico vendo que cada vez que o cinema é incentivado no Brasil, a gente chega longe muito rapidamente. Você vê o que está acontecendo. Oscar, Berlim, Cannes. É muito impressionante o nosso talento.
Finitude
Uma das grandes funções da arte é recuperar o fascínio pela existência. O filme tem isso. Compreender nossa finitude faz com que a gente queira viver de uma forma mais sem desperdício
Humor
Acho o humor revolucionário. O humor abre a trilha para o pensamento. Você só ri daquilo que você entende. Qualquer questão, por mais espinhosa que seja, pode ser tratada com ironia e humor
Filme
Acho que um filme é um objeto, é uma obra, um negócio que você tem, que você pode pegar e mostrar. É bonita essa ideia do filme ser uma coisa completa