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Direitos na educação: Autistas enfrentam barreiras e lutam pelo cumprimento legal
Reportagem Seriada

Direitos na educação: Autistas enfrentam barreiras e lutam pelo cumprimento legal

Na busca por uma educação inclusiva, pessoas autistas enfrentam desafios na busca por um sistema educacional que respeite e promova os seus direitos. A luta pelo cumprimeiro da lei revela a força e a determinação de quem se recusa a desistir.
Episódio 2

Direitos na educação: Autistas enfrentam barreiras e lutam pelo cumprimento legal

Na busca por uma educação inclusiva, pessoas autistas enfrentam desafios na busca por um sistema educacional que respeite e promova os seus direitos. A luta pelo cumprimeiro da lei revela a força e a determinação de quem se recusa a desistir.
Episódio 2
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A busca por direitos à educação inclusiva é um caminho repleto de desafios para pessoas autistas e suas famílias. Enquanto tentam conquistar o reconhecimento e a valorização de suas necessidades, pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) frequentemente se deparam com a falta de compreensão e apoio de parte da sociedade e do sistema educacional.

Assim, é fundamental que se amplie o debate sobre a importância da educação inclusiva, promovendo não apenas a legislação necessária, mas a conscientização coletiva sobre a diversidade no ambiente escolar e a aplicação de políticas pública que façam ser cumpridas as leis vigentes. 

Apesar do Brasil não ter, por enquanto, estatísticas próprias sobre o número de cidadãos com autismo no país, nos EUA, o Centers for Disease Control and Prevention (CDC) calcula que 1 em cada 36 crianças de 8 anos seja autista. Em 2000, era 1 em 150. Os dados também mostram que a prevalência global de crianças diagnosticadas com Transtorno do Espectro Autista aumentou, aproximadamente, trinta vezes nos últimos anos.

 

Órgão calcula que uma em cada 36 crianças de 8 anos seja autista nos EUA

 

Quando o tema é educação, de 2022 a 2023, dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostra que, no Brasil, o número de crianças e adolescentes com TEA matriculados em salas de aula comuns — ou seja, junto com alunos sem deficiência — aumentou 50%. Isso significa que ela saltou de 405.056 para 607.144, segundo dados do Censo de Educação Básica.

A presença desse grupo nas escolas vem crescendo a um ritmo acelerado, como é possível observar no gráfico abaixo. Em 2017, o total de alunos com TEA em escolas públicas e privadas não chegava nem a 100 mil. Agora, de um ano para outro, surgiram 200 mil novas matrículas.

 

Número de alunos com autismo nas escolas brasileiras

 

Em meio a promessas legais de inclusão, pessoas autistas ainda enfrentam barreiras significativas no acesso à educação. Apesar das legislações que garantem direitos, como a Lei Brasileira de Inclusão, muitos alunos não recebem o suporte necessário para seu pleno desenvolvimento.

Vale lembrar que esses direitos não são meras formalidades legais. A legislação conquistada até hoje é um dos pilares que sustentam a construção de um ambiente educacional onde o potencial de cada criança pode florescer e contribuir para um futuro com mais autonomia e independência.

Quando falamos do autista na educação, existem três direitos principais que todas as pessoas no espectro têm assegurados:

 

Legislações existentes sobre pessoas com autismo

 

 

Plano educacional: uma obrigação para a rede particular ou pública

Especialistas defendem que o PEI deve ser construído de forma colaborativa, a partir de uma parceria entre o professor de sala e as regras estipuladas pelo Atendimento Educacional Especializado (AEE), instituída pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

O texto visa possibilitar o acesso ao currículo pelo atendimento às necessidades educacionais específicas dos alunos com deficiência, incluindo o TEA e altas habilidades ou superdotação, devendo a sua oferta constar do projeto pedagógico da escola, em todas as etapas e modalidades da educação básica.

O cumprimento da legislação, todavia, está distante do ideal. Em entrevista ao O POVO, a advogada especialista em direito aos vulneráveis (mulheres, crianças, idosos, animais, LGBTQIAP+), Antilia Reis, afirma ter obtido várias decisões favoráveis aos seus clientes, onde as escolas se negavam a conceder direitos já previstos em lei, como o profissional certificado para crianças autistas.

“Tem uma ação inclusive que virou uma ação civil pública contra a prefeitura. Então, isso é muito grave, porque é um direito. Tem que ter um professor de apoio, tem que ter inclusive reforço escolar. Isso se chama dano pedagógico, porque sem o professor de apoio eles não conseguem, minimamente, ser alfabetizados”, detalha a jurista.

A advogada reforça a necessidade de uma educação especializada como política de proteção aos direitos da pessoa com um transtorno de espectro autista. A prática é obrigatória para a rede particular ou pública (municipal e estadual), segundo também já previsto no Estatuto da Criança e Adolescente e na Constituição Federal.

 

 

Discriminação a autistas pode condenar escola a indenização

Ao O POVO, a advogada comentou o caso da Aline Viana, mãe do Lucas, em Fortaleza. Segundo ela, o ato de negar o Plano de Educação Individualizado a criança com autismo representa, além do descumprimeiro de uma norma federal, um caso de discriminação de vulnerável e deficeiente, o que pode levar a instituição ao pagamento de indenizações.

“Eu entendo que, além das sanções cíveis de descumprimeiro de ordem da lei federal, ela (Aline) pode entrar inclusive com dano moral para obrigar essa escola a tomar as providências. Não pode em hipótese alguma retirar essa criança porque ela tem o TEA. Isso é um absurdo. Se mães tiverem filhos com espectro autista e as escolas não tiverem respeitando, que faça um boletim de ocorrência, procure o MP e entre com ação para obrigá-la a ter um professor de apoio. E entre com dano moral, porque esse tipo de discriminação é um crime e dá aso a indenização”, detalha Antilia Reis.

A jurista também critica os casos onde há uma eventual negligência e omissão dos órgãos públicos. “O estado, pela Constituição Federal, é obrigado a dar essa acessibilidade. Se ela [Aline] procurou o Conselho de Educação, Secretaria de Educação e ela foi omissa, essa ação tem que ser contra a escola e contra o município por conta da omissão da secretaria. E o dano moral é solidário também a Secretaria de Educação, juntamente com a escola, são solidários”, afirma.

Ao ser procurada, a Prefeitura de Fortaleza afirmou que o Conselho de Educação possui autonomia administrativa, não havendo responsabilidade da administração municipal no trato com o tema. Apesar ser vinculado, o órgão é autônomo e responde por suas demandas.

Negar o apoio a pessoa com deficiência e aos seus familiares fere a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência nº 13.146/2015, que fala sobre o Estatuto da Pessoa com Deficiência. Em seu artido 4º, o texto deixa claro que “toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação”.

"“Considera-se discriminação em razão da deficiência toda forma de distinção, restrição ou exclusão, por ação ou omissão, que tenha o propósito ou o efeito de prejudicar, impedir ou anular o reconhecimento ou o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais de pessoa com deficiência, incluindo a recusa de adaptações razoáveis e de fornecimento de tecnologias assistivas." Lei nº 13.146/2015 - ART 4º / “§ 1º

 

 

Autismo em Pausa: Falta de políticas públicas compromete proteção legal

A advogada Antilia Reis defende que “no Brasil inteiro, tanto o poder público quanto as empresas privadas estão acostumados a não respeitar os vulneráveis”. A crítica, segundo ela, deve-se à falta de políticas públicas que cumpram as legislações já aprovadas e em vigor em todo o território nacional.

“O estado é obrigado a dar proteção social para essas famílias e crianças. Você viu que nesse caso a Secretaria de Educação se omitiu. Eles têm medicamentos gratuitos. Então a maioria não sabe dos seus direitos. Infelizmente, faltam políticas públicas para cumprir a legislação que já tem. Nós temos legislações federais que não são cumpridas”, analisa a advogada.

Segundo Reais, a maioria das famílias atípicas não possuem conhecimento dos direitos já adquiridos, principalmente no quesito da educação.

"Elas não sabem que o filho pode ter um acesso ao mercado de trabalho diferenciado, que tem atendimento prioritário, que tem isenção de IPI, podendo comprar um carro para transportar essa criança. Elas não sabem que os ambientes têm que ser adaptados para ter essa criança, que essa mãe típica tem uma redução de carga horário sem diminuição do salário para cuidar dessa criança. Não sabem que o SUS tem que dar tratamento, terapia e medicamento”, completa.

 

Neste ano, a Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Câmara dos Deputados aprovou propostas importantes a favor de pessoas com TEA. Porém, a maioria está com tramitação congelada.

A primeira define um aumenta em 1/3 a pena de quem praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa com TEA, déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) ou visão monocular. O texto aumenta ainda a pena no mesmo 1/3 quando o ato for cometido por professor no exercício da função.

A proposta acrescenta a medida ao Estatuto da Pessoa com Deficiência. Atualmente, a pena geral para quem praticar, induzir ou incitar discriminação de pessoa em razão de sua deficiência é reclusão de um a três anos e multa.

O texto aprovado é um substitutivo apresentado pelo relator, deputado Sargento Portugal (Podemos-RJ), aos projetos de lei 1600/23, do deputado Bruno Farias (Avante-MG), e 4203/23, do deputado Mario Frias (PL-SP). O substitutivo reúne o conteúdo das propostas e amplia a medida.

No site da Câmara dos Deputados, os projetos estão parados e ainda aguardando serem analisados pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, antes de serem votados pelo Plenário.

Plenário da Câmara dos Deputados em Brasília(Foto: Agência Brasil)
Foto: Agência Brasil Plenário da Câmara dos Deputados em Brasília

Em junho, a mesma comissão aprovou um projeto que prevê punições, como advertência e multa, para quem praticar, induzir ou incentivar atos discriminatórios contra pessoas com TEA. O texto define discriminação contra pessoas com TEA como qualquer forma de distinção, recusa, restrição ou exclusão, inclusive por meio de comentários pejorativos, por ação ou omissão, presencialmente, por redes sociais ou veículos de comunicação.

As punições previstas abrangem advertência por escrito e encaminhamento do infrator para participação em palestras educativas sobre o TEA, multa de 1 salário mínimo no caso de pessoa física, multa de 5 salários mínimos para empresas e suspensão de participar de licitações públicas.

O texto prevê ainda a responsabilização do agente público que, no exercício de suas funções, praticar um ou mais atos descritos no texto. O projeto, no entanto, ainda será ainda analisado, em caráter conclusivo, pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ).

Em 2023, a Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que garante como direito a oferta de atendimento educacional especializado a estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA), seja na escola pública ou privada. A proposta ainda aguarda apreciação do Senado Federal.

O texto aprovado é um substitutivo da deputada Helena Lima (MDB-RR) para o Projeto de Lei 1874/15, do ex-deputado Victor Mendes (MA). Segundo o substitutivo, as escolas privadas não poderão cobrar valores adicionais de qualquer natureza nas mensalidades, anuidades e matrículas desses estudantes pela oferta de profissionais de apoio escolar.

O texto define alguns pontos:

 

 

Autista na educação: quais são as leis vigentes? 

 

 

Educação Inclusiva: MPCE como aliado na luta pelos direitos das crianças com autismo

Em um cenário onde a inclusão escolar ainda enfrenta desafios significativos, o Ministério Público do Ceará (MPCE) tem se destacado como um defensor crucial dos direitos das crianças com autismo e seus familiares. Com a responsabilidade de assegurar o cumprimento das leis que garantem uma educação acessível e de qualidade, o órgão atua em várias frentes, desde a fiscalização das instituições de ensino até a mediação de conflitos entre famílias e escolas.

Segundo Eneas Romero, Promotor de Justiça, titular da 19° Promotoria e Secretário Executivo do Núcleo do Idoso e da Pessoa com Deficiência (Nupid), do MPCE, essa atuação é fundamental para que crianças autistas possam usufruir plenamente de seu direito à educação, promovendo não apenas a inclusão, mas também o desenvolvimento integral de cada aluno.

“No caso das pessoas com autismo, nós recebemos as mais diversas denúncias, desde denúncias de dificuldade no diagnóstico dos pacientes, de atendimento dos profissionais multiprofissionais e acompanhamento médico especializado. E também a questão da inclusão nos diversos órgãos do Estado, dos municípios e também da sociedade”, explica o promotor.

Eneas Romero Vasconcelos é promotor de Justiça na área de direitos humanos, proteção de idosos e deficientes(Foto: MPCE / Divulgação)
Foto: MPCE / Divulgação Eneas Romero Vasconcelos é promotor de Justiça na área de direitos humanos, proteção de idosos e deficientes

Romero destaca ainda que cidadãos que testemunharem situações de discriminação, falta de atendimento adequado ou qualquer forma de negligência em relação às pessoas com autismo podem formalizar suas queixas pelo site oficial do MP, onde encontram um formulário específico para denúncias.

“A gente também pode receber denúncias de qualquer caso de violação em todos os 184 municípios do Estado do Ceará. Atendemos a população, seja presencialmente, vindo até às promotorias, como também virtualmente, por denúncias pelo sistema do MP, por e-mail, ou pelo WhatsApp de cada uma das promotorias em todo o Estado”, explica Eneas.

Na educação, o promotor defende a inclusão como um direito fundamental e cada aluno tem o direito sim a ser matriculado em qualquer que seja a instituição de ensino. A aplicação de um plano individual para que sejam analisadas as necessidades do aluno, segundo Eneas, é indispensável para que se “crie as adequações e adaptações necessárias para a inclusão do matriculado, seja do ponto de vista pedagógico, seja do ponto de vista de sociabilização”.

Um dos apoios mais eficazes, segundo Romaro, é a atuação das equipes de Atendimento Educacional Especializado (AEE) e das equipes especializadas, “com material acessível e toda a assistência técnica necessária”. A modalidade de atendimento é complementar à educação regular, destinado a alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades. Seu objetivo é oferecer suporte pedagógico individualizado, adaptando currículos e metodologias para atender às necessidades específicas de cada estudante, como é o caso de crianças autistas.

Em casos de ilícitos, ao receber a denúncia, o promotor lembra ser função do Ministério Público atuar e verificar se naquela escola o problema é pontual ou mais generalizado, assim, garantindo o direito das crianças, adolescentes e adultos com TEA.

Em entrevista especial ao O POVO, o promoetor de Justiça, Eneas Romero, detalhou as ações realizadas pelo MPCE em prol da ampliação dos direitos das pessoas com TEA, assim como os direitos que as famílias atípicas possuem e como a sociedade pode realizar denúncias, em caso de omissões e negligências, por exemplo, nas insituições de ensino. 


 

Em agosto, o MPCE promoveu o encontro “O Direito à Educação Inclusiva: legislações relacionadas à pessoa autista”. A reunião virtual recebeu ativisas, promotores e especialistas em educação inclusiva.  Durante pronunciamento, o promotor Jucelino Oliveira Soares, coordenador auxiliar do do Centro de Apoio Operacional da Educação (Caoeduc), destacou que a educação inclusiva para pessoas com TEA é um "tema macro" já amplamente discutido e trabalhado. 

"A educação inclusiva é um tema macro que nós sempre discutimos, conscientizamos e trabalhamos em prol no Centro de Apoio da Educação e nas promotorias de Justiça, mais especificamente as legislações relacionadas à pessoa com autismo. E os desafios são muitos. É uma luta árdua que vem sendo travada na sociedade, de uma reforma em geral, já usando desde o passo inicial, que é a inclusão da pessoa com deficiência, a pessoa atípica dentro da sala de aula, dentro do ambiente escolar", defende o promotor.

Segundo Jucelino, uma vez inserida na institução de ensino, para qualquer atipia dentro da sala de aula, há necessidade de que essa inserção seja de qualidade.

 

  • Textos Filipe Pereira
  • Edição Wanderson Trindade
  • Identidade visual Camila Pontes
  • Recursos digitais Wanderson Trindade
  • Imagens Acervo pessoal
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Autismo: educação inclusiva

Série de reportagens mostra, a partir de um caso concreto, as dificuldades enfrentadas para garantir o direito à educação inclusiva aos filhos autistas, como a falta de acompanhamento escolar necessário ao desenvolvimento e integração