No dia 17 de outubro, Aline Viana, de 35 anos, cancelou a matrícula do filho no Colégio Marinheiro Popeye, localizado no bairro Conjunto Ceará, em Fortaleza. Aos 6 anos, Lucas lida com o Transtorno do Espectro Autista nível 2 de suporte, apresentando dificuldades de lidar com mudanças e hiperfoco, entre outros obstáculos.
Aline é uma das mães atipicas que desistiram de lutar por uma educação inclusiva. Ela conta que, desde 2022, vem solicitando, sem sucesso, relatórios por cima de relatórios para receber o Plano Individual de Educação (PEI), um direito segundo a Lei nº 13.146 de 06 de julho de 2015.
Quando matriculado, a mãe destaca que o filho costumava se autoagredir em situações de estresse, o que a fazia sugerir, além de diversas soluções para a escola, a implementação do PEI na educação do aluno. Porém, segundo ela, nenhuma sugestão foi acatada pela instituição.
“O sentimento é de total humilhação, frustração em mim, no meu filho, nos anos iniciais dele da escola, quando criança, está sendo tratado dessa forma dentro da escola, com essas discriminação, com essa omissão de atendimento de qualidade”, conta Aline.
Durante dois anos, a mãe de Lucas procurou neuropsicólogos, consultorias particulares, advogados e médicos para convencer a escola que o aluno precisa de acompanhamento especial. Em Boletim de Ocorrência feito contra o local, em agosto de 2024, ela relata que o sentimento é de “total insegurança”.
O Boletim de Ocorrência foi feito após Aline receber a quarta negação de auxílio para seu filho pela escola. Desta vez, o colégio alegou que Lucas não necessitava de atividades adaptadas “por não apresentar dificuldade de mobilidade física”.
O próximo passo foi procurar o Conselho Municipal de Educação de Fortaleza (CME), que recebeu a manifestação da mãe acerca de situações que, segundo ela, têm ocorrido na instituição. De acordo com o relatório do Conselho, o colégio funciona há 41 anos, e, até agosto de 2024, não tinha autorização para funcionar com Educação Infantil.
No entanto, a escola alega que “a comunicação com a Senhora Aline Viana tem sido desafiadora” e que Aline não compareceu às reuniões com a equipe multidisciplinar “devido a compromissos de trabalho, comprometendo-se a dar retorno, o que não ocorreu”. A declaração está presente em relatório do Conselho Municipal de Educação (CME) de visita à instituição.
Aline nega o discurso da escola. Ela tentou fazer uma contestação, ainda pelo Conselho Municipal, porém, em uma ligação conturbada, lhe foi sugerido que tirasse seu filho da escola como solução do problema. Questionada pela reportagem, a representante do Conselho Municipal de Educação, Fátima Garcia Lima lamentou a situação: “Foi uma resposta muito infeliz. Não sei nem quem foi a pessoa, mas eu vou tentar identificar porque a gente não vai proibir uma criança ou dizer uma mãe que tire o filho da escola, a gente vai tentar resolver da melhor forma possível”.
Sobre a denúncia de Aline para o Conselho, a representante do CME admite que estranhou a “insistência” de Aline em relação ao assunto. “Geralmente as denúncias que a gente recebe são de escolas que não querem receber a criança e essa escola não. Eles não tem só essa criança atípica, eles têm muitas crianças atípicas. Inclusive tem uma pessoa, uma assistente que fica especialmente exclusivamente com ele, ou seja, a gente não detectou nada de estranho na escola”, comentou Fátima.
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"Foi o que eu acabei de fazer. Dia 17 de outubro eu cancelei a matrícula do meu filho, porque estava causando um dano psicológico muito grande nele e em mim também. Eu estava precisando me consultar também com psiquiatra, tomar a medicação para ansiedade, porque estava sendo muito chato”, conta Aline.
A presidente do Conselho Municipal de Educação, Fátima Garcia Lima, comentou sobre o caso e revelou que, segundo a escola, “a mãe não frequenta mais a escola e o que elas sabem da mãe é através do WhatsApp”. Fátima reitera que o menino é muito amoroso com todo mundo, chama todos de amor. Alega também que o pai e a avó “não têm nenhuma reclamação em relação à escola”.
Porém, segundo Francisco Robson da Costa Viana, o tempo que a criança frequentou o a instituição "não foi muito agradável". "Teve muito problema. Primeira coisa, quando eu fui matricular eu falei diretamente com a dona sobre inclusão. Gostei da estrutura, falei ‘ó, ele é autista, eu quero saber como é que vocês trabalham com inclusão’, ela disse que já tem alunos que estudaram lá que já estão na faculdade e que são autistas. Mas na realidade era outra coisa, totalmente diferente. Não tinha PEI, tudo que é pra ele ter por direito, se a escola tivesse um gasto de 10 centavos, ela não queria gastar “, explica o pai.
Em agosto de 2024, a escola não tinha autorização para funcionar com Educação Infantil. Desde 2022, o processo de legalização da escola vem tramitando no Conselho Municipal de Educação. Segundo Fátima, o credenciamento da instituição venceu e a documentação necessária para atualizar o credenciamento ainda não foi entregue.
“A gente geralmente dá um credenciamento de dois, quatro ou seis anos. O credenciamento dela [escola] venceu e ela já deu entrada com alguns documentos, mas a gente só abre o processo realmente de credenciamento se toda documentação estiver completa, então nós já notificamos a escola, demos já um prazo de 30 dias para ela dar entrada com o restante dessa documentação”, explica Fátima.
A mãe afirma que o menino recebeu seu diagnóstico quando tinha apenas 3 anos, em 2022, quando os problemas com a escola começaram. Neste ano, Aline conta que solicitou um relatório da escola sobre o aluno. Ao receber o documento, o levou para análise médica que determinou a necessidade da criança de ter um profissional de apoio em sala. A escola, em um primeiro momento, ofereceu o auxílio da então psicopedagoga da escola, mas a mãe relata que não foi o suficiente.
“Quase todos os dias me ligavam para buscar o meu filho mais cedo, porque ele estava desregulado, agitado, porque meu filho não queria ficar com o sapato calçado. E nunca era ela (a psicopedagoga) que me entregava, só quem me entregava era a coordenadora. Quando eu chegava na escola, o meu filho já estava no portão de fora da escola junto com a coordenadora. Várias vezes, peguei o meu filho de 3 anos com a fralda cheia de xixi, todo urinado”, relata Aline.
Em 2023, Aline alega que fez uma nova solicitação para obter um profissional de apoio e atividades adaptadas na escola, porém ambos os pedidos foram negados.
“Tirar o toque de sirene alto dentro do prédio da Educação Infantil, meu filho tem sensibilidade auditiva. Quando era dia de festinha, ela (a professora) botava meu filho sentado do lado de uma caixa de som e não colocavam abafador nele”, conta.
Lucas, segundo Aline, é tranquilo em casa, gosta de letras e números, e têm essas atividades pedagógicas em casa livres para ele. O menino tem hiperfoco em geografia, bandeiras e logomarcas. Porém, em situações em que é contrariado, ou de grande estímulo sensorial, apresenta um comportamento emocional desregulado.
Ao longo dos anos, Lucas vai crescer e o questionamento desses traumas na vida de uma criança atípica circulam no ar. A neuropsicopedagoga e CEO na Neurointegrar, Roberta Zunega, afirma que o impacto emocional é significativo para uma criança por volta de 5 a 6 anos, por ela estar adquirindo o desenvolvimento social.
“Impacta diretamente na cognição social que é a empatia que se tem pelo outro. Então como que a gente pode querer que ele tenha empatia pelo outro se ele não tá recebendo isso de ninguém. Com isso, ele vai atrasar mais ainda o desenvolvimento dele, (...) tudo isso pode gerar outros tipos de transtornos nele um transtorno de ansiedade”, explica Roberta.
Em relatório feito pelo Conselho Municipal de Educação (CME), a escola afirma que, em relação ao Plano Educacional Individualizado (PEI), o planejamento inclui as especificidades necessárias quando pertinente.
Segundo o relatório, “no caso da criança mencionada, que, segundo elas, não apresenta déficit de aprendizagem, não há um PEI específico. A criança, na realidade, necessita apenas de apoio durante a realização das atividades. Ressaltaram que ela interage bem com os colegas, acompanha as aulas, realiza as atividades em sala e lê frases, mas, surpreendem-se com o fato de não realizar as tarefas de casa”.
Quanto à profissional de apoio, a instituição informou que há uma auxiliar na sala de referência que oferece o suporte necessário durante a realização das atividades da criança. No entanto, não dispõe de um profissional exclusivamente para essa criança, por não apresentar dificuldade de mobilidade física. Manifestou-se, contudo, preocupação com a integridade física da criança que bate com a cabeça nos momentos de desorganização ou ao expressar qualquer emoção”, continua o relatório.
Em resposta às acusações de Aline Viana, o Colégio Marinheiro Popeye enviou nota se manifestando sobre a situação. No texto, a escola afirma que vale destacar que "este ano o Colégio Marinheiro Popeye recebeu visitas técnicas do Conselho Municipal de Educação e o Conselho Tutelar, no período de JUNHO/2024 a SETEMBRO/2024, tendo como conclusão a comprovação das práticas inclusivas da escola, os quais constataram através de entrevista com a equipe pedagógica e observação dos alunos em sala de aula e que a escola estava oferecendo todo o suporte necessário para a o pleno desenvolvimento dos seus alunos".
A escola diz sempre ter prezado "pelo atendimento integral às necessidades escolares dos alunos e reforça que o processo de ensino-aprendizagem precisa ser uma parceria entre a família e a Escola e esta parceria fundamenta-se na confiança mútua.
A defesa da instituição alega que a escola possui psicopedagoga institucional, com certificação de MBA em Educação Especial e afirmou aplicar Plano de Ensino Individualizado (PEI), de acordo com a legislação. O documento alega que aequipe pedagógica "participa de formações continuadas promovidas pela Escola e tem ampla experiência nas préticas inclusivas, já utilizadas mesmo antes de serem garantidas por lei".
"O Colégio Marinheiro Popeye, com mais de 40 anos atuando com Educação Infantil e Fundamental, tendo atualmente cerca de 20% de alunos neurodivergentes, vem por meio desta esclarecer que cumpre as determinações impostas pela a Lei Brasileira de Inclusão (LBI).
Sempre prezamos pelo atendimento integral às necessidades escolares (e não somente acadÍmicas) de nossos alunos, razão pela qual diante de sinais atípicos no desenvolvimento infantil, recomendamos às famÌlias que busquem atendimento e avaliação com profissionais da saúde.
A unidade escolar conta ainda com apoio de uma psicopedagoga institucional, com certificação de MBA em Educação Especial, sendo uma especialização direcionada para capacitar profissionais no desenvolvimento de estratégias pedagógicas adaptadas às necessidades individuais dos alunos.
A escola aplica o Plano de Ensino Individualizado (PEI), de acordo com a legislação, para atender as necessidades especÌficas de cada aluno neurodivergente, sob a supervizão de profissionais capacitados no asssunto, respeitando as condições de ensino. Além disso, de acordo com a Constituição Federal e a Lei Brasileira de Inclusão (LBI), o Colégio oferece Atendimento Educacional Especializado (AEE) semanalmente.
O AEE tem como objetivo "identificar barreiras à inclusão e criar meios para a acessibilidade", e conforme mencionado acima, temos profissional com especialização em AEE que acompanhou cada criança em seu espaço de aprendizagem e interação, disponibilizando suporte à professora, à criança e à famÌlia quando necessário, em horário de aula, conforme orienta a Secretaria Municipal de Educação para os alunos em fase de Educação Infantil.
Ainda, o Estatuto da Pessoa com deficiência define o profissional de apoio escolar: pessoa que exerce atividades de alimentação, higiene e locomoção do estudante com deficiência e atua
em todas as atividades escolares nas quais se fizer necessária, em todos os níveis e modalidades de ensino, em instituições públicas e privadas, excluídas as técnicas ou os procedimentos
identificados com profisses legalmente estabelecidas.
Dito isso, a Lei Brasileira de Inclusão (LBI) regula que a Escola tem o dever de acessibilizar a entrada, permanência e sucesso na aprendizagem. Em respeito à determinação legislativa a unidade escolar tem com princípio norteador a acessibilidade experienciada no cotidiano, compartilhando um currículo comum que contempla as especificidades da turma e da série, valorizando as potencialidades da crianÁa e mediando as dificuldades apresentadas no processo.
Nossa equipe pedagógica participa de formações continuadas promovidas pela Escola e tem ampla experiência nas préticas inclusivas, já utilizadas mesmo antes de serem garantidas
por lei.
Por fim, vale destacar que este ano o Colégio Marinheiro Popeye recebeu visitas técnicas do Conselho Municipal de Educação e o Conselho Tutelar, no período de JUNHO/2024 a SETEMBRO/2024, tendo como conclusão a comprovação das práticas inclusivas da escola, os quais constataram através de entrevista com a equipe pedagógica e observação dos alunos em sala de aula e que a escola estava oferecendo todo o suporte necess·rio para a o pleno desenvolvimento dos seus alunos.
Reforçamos que o Colégio está aberto à fiscalização dos órgãos públicos de direito e não se furta a apresentar a documentação adequada quando necessário.
O processo de ensino-aprendizagem precisa ser uma parceria entre a família e a Escola e esta parceria fundamenta-se na confiança mútua. Seguiremos com nossos princípios educacionais, buscando em tudo a acessibilidade experienciada no cotidiano, compartilhando um currículo comum que contempla as especificidades da turma e da série, valorizando as potencialidades da crianÁa e mediando as dificuldades apresentadas no processo de aprendizagem".
De acordo com a Constituição Federal e a Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146/2015), todas as crianças e adolescentes têm direito a uma educação inclusiva e de qualidade, que contemple suas necessidades específicas. Essas diretrizes são reforçadas pelo Plano Nacional de Educação, que exige que as escolas, públicas ou privadas, sejam preparadas para acolher alunos com deficiência, oferecendo as adaptações necessárias.
Contudo, na prática, famílias como a de Aline enfrentam um vazio legal, onde as políticas públicas não se concretizam. Em casos de descumprimento, os pais têm o direito de denunciar a situação junto ao Ministério Público e ao Conselho de Educação, que podem exigir providências. Segundo a psicopedagoga, Eyla Cavalcante, é indispensável ter a documentação, laudo médico e avaliações de especialistas em mãos para a solicitação do Plano Individual de Ensino (PEI) e do acompanhamento de um profissional.
Fundadora do Centro Especializado em Psicopedagogia e Psicologia (Cenepp), ela complementa:
"Essa carta de solicitação tem que existir. É uma carta que ela pode escrever da forma que quiser, mas tem que ter claro a necessidade da criança, as dificuldades que ela tem. Nesse caso, ela tem muita dificuldade de auto-regulação. Ela se desorganiza facilmente, e para isso ela precisa de um recurso que possa direcionar e que possa aliviar, dar um conforto para ela. O que vai dar esse conforto são as estratégias específicas que a criança vai se adaptar a elas para permanecer por mais tempo dentro da sala, e que possa desempenhar o papel dela."
Caso a solicitação seja negada pela escola e o Conselho de Educação apresente dificuldades para prestar a denúncia, a família ainda terá o respaldo dos documentos. Nesse caso, a família deve acionar o Ministério Público, para atuar ao lado dos denunciantes na busca pelas obrigações tanto legais quanto pedagógicas. têm o objetivo de garantir que as crianças com TEA tenham pleno acesso ao ambiente escolar e ao processo de aprendizagem.
As escolas possuem diversas obrigações legais, pedagógicas e éticas que garantem o direito à educação de qualidade, a promoção do bem-estar dos alunos e a inclusão de todos. Estas obrigações abrangem tanto o ambiente escolar quanto a formação acadêmica e o desenvolvimento integral dos estudantes.
Série de reportagens mostra, a partir de um caso concreto, as dificuldades enfrentadas para garantir o direito à educação inclusiva aos filhos autistas, como a falta de acompanhamento escolar necessário ao desenvolvimento e integração