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O dia em que o bandido Lampião encontrou Padre Cícero
Reportagem Seriada

O dia em que o bandido Lampião encontrou Padre Cícero

CONTEÚDO HISTÓRICO | O relato da época sobre o dia em que se encontraram os dois maiores ícones do Sertão. Os depoimentos do cangaceiro e do padim e uma minuciosa descrição de como era Lampião

O dia em que o bandido Lampião encontrou Padre Cícero

CONTEÚDO HISTÓRICO | O relato da época sobre o dia em que se encontraram os dois maiores ícones do Sertão. Os depoimentos do cangaceiro e do padim e uma minuciosa descrição de como era Lampião
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Virgolino Ferreira da Silva morreu em 28 de julho de 1938, numa emboscada da Polícia Militar de Alagoas no sertão de Sergipe. No dia 29 de julho, O POVO trouxe na manchete: "Decapitados Lampeão, sua mulher e nove comparsas". No mesmo dia, deu no New York Times: "Notorious bandit of Brazil is slain" ("Notório bandido do Brasil é morto"). Prosseguia o jornal americano: "One-Eyed Lampeao Known as One of the Most Ruthless Killers of Western World dies in pitched battle. Public Enemy Had Plundered Northeastern Hinterland for Twenty Years" (Lampeão de um olho, conhecido como um dos assassinos mais implacáveis do Ocidente morre em batalha campal. O inimigo público saqueou o interior do nordeste por vinte anos").

Primeira página d`O POVO, publicada em 5 de agosto de 1928, com o relato da chegada de Lampião em Juazeiro do Norte (Foto: O POVO. DOC)
Foto: O POVO. DOC Primeira página d`O POVO, publicada em 5 de agosto de 1928, com o relato da chegada de Lampião em Juazeiro do Norte

O interesse pela figura de Lampião vinha desde as décadas anteriores até hoje. Isso foi ao máximo na época de sua morte, com o espetáculo macabro das cabeças exibidas ao público e dos corpos abandonados à beira do São Francisco, atraindo curiosos. Até os urubus comerem o que restava e as chuvas arrastarem os ossos para o rio.

Lampião era assunto no Brasil todo e pelo mundo. Na região em que ele viveu, por onde percorreu e onde matou e roubou, as memórias afloraram. Em agosto de 1938, O POVO publicou relato e entrevistas realizadas mais de uma década antes, quando o cangaceiro encontrou o padre Cícero, em Juazeiro do Norte, no Ceará.

Padre Cícero(Foto: Reprodução)
Foto: Reprodução Padre Cícero

Aquela foi a mais célebre passagem de Virgolino pelo Ceará. O Estado tem lugar particular na trajetória do cangaceiro. De todos os lugares onde esteve, o território cearense foi o que menos sofreu com a violência do bando. Muito por causa do Padre Cícero, mas também pelas boas relações com políticos locais, que davam proteção, e por a Polícia raramente importuná-lo. Ele sabia que não podia ter inimigos em toda parte. Dizia explicitamente preservar o Ceará, que muitas vezes era seu refúgio.

Porém, em meados de 1927, os cangaceiros foram alvos de emboscada e, ao serem recebidos por um antigo aliado, sofreram tentativa de envenenamento. O cerco se fechava na região em que eles tradicionalmente atuavam. Não havia mais lugar seguro para o bando, sobretudo a partir da implacável campanha da Polícia de Pernambuco contra o cangaço. Passaram então a procurar novos alvos.

Quando O POVO foi fundado, em 7 de janeiro de 1928, era uma fase de transição para o grupo criminoso. Em 21 de agosto daquele ano, Lampião cruzou de canoa o São Francisco. Pela primeira vez, passou a atuar ao sul do rio. Era uma nova fase para o cangaço.

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Lampião foi objeto de muitas reportagens do O POVO. O jornal contou a história da última década de atuação do criminoso, quase toda já longe do Estado. É provável que os cangaceiros tenham ido muitas vezes ao Ceará sem que se soubesse. Afinal, era a violência que atraia atenção para o grupo. As exceções eram as aparições mais espalhafatosas. Nenhuma chamou mais atenção que aquela no Cariri.

No mês que se seguiu à morte de Lampião, O POVO recuperou a narrativa da célebre passagem por Juazeiro do Norte. Em março de 1926, encontraram-se dois dos maiores ícones dos sertanejos: o padim e o “rei do Cangaço”. Em 1938, O POVO republicou a reportagem realizada 12 anos antes no jornal O Ceará.

O relato conta da multidão de curiosos que foi ver os criminosos - 49 homens além de Virgolino, armados com rifles, fuzis, revólveres e outros armamentos. Mas, naquela ocasião, o que assombrava o Sertão era a Coluna Prestes. Estava em Juazeiro uma companhia dos Batalhões Patrióticos que combatiam os guerrilheiros.

Em Juazeiro do Norte, na mesma ocasião em que esteve com o padre Cícero, Virgolino reuniu a família, grande parte da qual havia ido morar na meca do Cariri. Foi a última foto de família. Na foto, Lampião está sentado à direita e seu irmão Antônio à esquerda. No centro está João, único que não entrou para o cangaço(Foto: Acervo de João Ferreira, irmão de Lampião, cedida para publicação no livro de Billy Jaynes Chandler)
Foto: Acervo de João Ferreira, irmão de Lampião, cedida para publicação no livro de Billy Jaynes Chandler Em Juazeiro do Norte, na mesma ocasião em que esteve com o padre Cícero, Virgolino reuniu a família, grande parte da qual havia ido morar na meca do Cariri. Foi a última foto de família. Na foto, Lampião está sentado à direita e seu irmão Antônio à esquerda. No centro está João, único que não entrou para o cangaço

O jornalista encontrou o cangaceiro na casa do irmão de Virgolino. Àquela altura, a imagem do padim já havia convertido Juazeiro em uma meca dos sertões e muitos parentes do criminoso haviam se mudado para lá.

Em cerca de uma hora de entrevista, Virgolino não riu nenhuma vez, embora tenha feita troça dos policiais que o perseguem. "Esse é um velho frouxo", caçoa do coronel João Nunes.

Também o Padre Cícero falou ao jornalista para se explicar sobre a polêmica acolhida ao criminoso. "Lampeão procurou o Joazeiro com intuitos patrióticos", relatou. “Ele pretende se alistar nas forças legais para dar combate aos revoltosos. Uma vez vitorioso, espera que o governo lhe perdoe os crimes".

 Realmente, Lampião receberia patente de capitão dos Batalhões Patrióticos. Ganhou armas, munições e promessa de trânsito livre a despeito dos crimes. Porém, ao chegar a Pernambuco, foi perseguido pela Polícia. O status de capitão de nada valeu. Os cangaceiros não chegarem a ir em busca da Coluna Prestes e logo estaria de novo envolvidos em crimes.

 

No próximo episódio, saiba como Lampião despertava o interesse da imprensa brasileira. 

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