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Violência no futebol impacta diretamente saúde mental de jogadores, aponta pesquisa
Reportagem Seriada

Violência no futebol impacta diretamente saúde mental de jogadores, aponta pesquisa

Levantamento apresenta uma série de potenciais repercussões da violência e do abuso no local de trabalho sobre os jogadores de futebol, que vão desde o desempenho dentro de campo a questões de segurança de suas famílias
Episódio 2

Violência no futebol impacta diretamente saúde mental de jogadores, aponta pesquisa

Levantamento apresenta uma série de potenciais repercussões da violência e do abuso no local de trabalho sobre os jogadores de futebol, que vão desde o desempenho dentro de campo a questões de segurança de suas famílias
Episódio 2
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A violência no futebol repercute diretamente a saúde mental dos jogadores. É o que aponta a mais recente pesquisa da Federação Internacional dos Jogadores Profissionais de Futebol (Fifpro), de 2023.

Conforme o estudo, 84% dos sindicatos de atletas consultados acreditam que a violência no esporte contribui para problemas de saúde mental. A pesquisa ouviu 56 sindicatos, 41 voltados para o futebol masculino e 15 do feminino, e avaliou casos nas ligas profissionais da Espanha, França, Alemanha, Itália, Grécia e Portugal.

"A violência contra os jogadores não só causa lesões, mas pode ter impactos profundos na saúde mental e no bem-estar geral dos jogadores", diz trecho de análise da pesquisa da FifPro.

O levantamento apresenta uma série de potenciais efeitos da violência e do abuso no local de trabalho sobre os jogadores de futebol, que vão desde o desempenho dentro de campo a questões de segurança dos familiares.

Chama a atenção para a prevalência dos problemas de saúde mental oriundos da violência no futebol. De acordo com a pesquisa, 83% dos sindicatos de atletas afirmam que o ambiente violento resulta em casos de estresse ou depressão.

Delegação do Fortaleza foi vítima de atentado em fevereiro de 2024, em Recife-PE(Foto: Samuel Setubal)
Foto: Samuel Setubal Delegação do Fortaleza foi vítima de atentado em fevereiro de 2024, em Recife-PE

O prejuízo à saúde mental está atrás apenas do rendimento dentro de campo, que teve incidência apontada por 88% dos sindicatos de atletas entrevistados.

Para especialistas ouvidos pelo O POVO, o ambiente de violência do futebol é considerado um fator agravante, que pode desencadear problemas mentais, como qualquer outro episódio de trauma vivenciado fora do esporte ao longo da vida de um desportista.

"Sabemos que vários eventos adversos na vida podem induzir problemas de saúde mental entre os jogadores. Pense na morte de um ente querido ou especialmente em uma lesão grave que leva a um longo período sem treinamento e competição. É óbvio que a violência/assédio/abuso é um fator chave que contribui para os sintomas de saúde mental", analisa Vincent Gouttebarge, ex-jogador e diretor médico da FifPro.

Helio Fádel, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria e psiquiatra do Comitê Olímpico do Brasil (COB), vê a violência no futebol diretamente conectada a impactos na saúde mental de jogadores.

Helio Fádel, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria e psiquiatra do Comitê Olímpico do Brasil (COB)
Foto: Reprodução / Instagram / @drheliofadel
Helio Fádel, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria e psiquiatra do Comitê Olímpico do Brasil (COB)

"Se a gente for mais além, muitos desses atletas têm em seu histórico de vida uma construção familiar que pode ter sido forjada na violência, seja ela doméstica ou não. Quando chega ao clube encontra um ambiente de competitividade. É um meio que não contribui para esses atletas. Muitos dos transtornos mentais da adolescência ao início da fase adulta batem com a fase ativa do jogador de futebol", explica Hélio.

O atentado sofrido pelo Fortaleza em Recife, um ataque ao ônibus que levava a delegação tricolor, é o quarto tipo mais comum de abuso contra jogadores, segundo o estudo da FifPro. O episódio resultou na liberação do atacante Thiago Galhardo (hoje no Goiás) pela diretoria do clube cearense para cuidar da saúde mental.

Atacante Thiago Galhardo teve que se afastar dos jogos por conta de trauma após o ataque ao ônibus do Fortaleza em Recige(Foto: FÁBIO LIMA)
Foto: FÁBIO LIMA Atacante Thiago Galhardo teve que se afastar dos jogos por conta de trauma após o ataque ao ônibus do Fortaleza em Recige

Na época, ele revelou que sofreu com crises de pânico e ficou profundamente abalado. "Ninguém deve trabalhar com esse sentimento de insegurança e estresse emocional", afirmou.

O "campeão" desta lista é o arremesso de objeto, algo frequentemente registrado em jogos do futebol brasileiro.

A prática é constantemente flagrada nos clássicos Brasil afora, entre eles o Clássico-Rei disputado entre Ceará e Fortaleza. Nos últimos encontros entre as duas equipes, foram registrados arremessos de objetos dentro de campo contra os jogadores do time rival.

No Estado do Ceará, o torcedor é proibido de entrar no estádio portando rádio de pilha para evitar que o objeto seja utilizado em atos de violência. Por outro lado, copos, garrafas e até chinelas são arremessadas das arquibancadas para o campo.

 

 

O caso Beckham: de ameaças de morte à humilhação pública, a violência que oprime jogadores e leva à depressão

Apenas dois minutos haviam se passado no segundo tempo das oitavas de final da Copa do Mundo de 1998 entre Inglaterra e Argentina, quando David Beckham foi expulso precocemente após supostamente agredir Diego Simeone. O cartão vermelho foi o início de um período sombrio e turbulento na carreira do astro inglês, que na época tinha somente 23 anos.

Quando Beckham foi expulso, o confronto estava empatado em 2 a 2. A igualdade persistiu, a partida foi decidida nos pênaltis, resultando na classificação da Argentina e na eliminação da Inglaterra. O craque londrino passou rapidamente de queridinho a vilão. Virou alvo dos torcedores ingleses, tachado como o grande culpado da derrota do "English Team" diante dos hermanos.

Série documental "Beckham" fala do impacto psicológico da expulsão do craque na Copa do Mundo de 1998
Foto: Divulgação / Netflix
Série documental "Beckham" fala do impacto psicológico da expulsão do craque na Copa do Mundo de 1998

Sob pressão da opinião pública, perseguido por torcedores e deprimido. O abuso sofrido por David Beckham em decorrência de um episódio dentro de campo é algo comum no futebol. Frequentemente, jogadores são julgados, condenados e penalizados com agressões, tanto verbal quanto física.

O caso envolvendo David Beckham é um exemplo que abrange todos os fatores estressores dentro da bolha futebolística. Violência, pressão, visão distorcida de jogadores como super-heróis e saúde mental afetada.

A série "Beckham", disponível na Netflix, narra com detalhes o sofrimento do jogador depois da Copa do Mundo de 1998.

"Isso mudou minha vida. Me senti vulnerável e sozinho. Eu não estava comendo, não estava dormindo. Eu estava perdido", conta Beckham.

"Queria que tivesse uma pílula que pudesse apagar certas lembranças. O país inteiro me odiava", diz o ex-camisa 7 da seleção inglesa em outro trecho.

Nos programas esportivos na televisão, os comentaristas abusavam nas críticas a Beckham. Os jornais estampavam manchetes massacrando o meio-campista: "petulante", "estúpido", "vergonhoso".

Torcedores não perdoavam o astro inglês. Somente a torcida do Manchester United, clube onde ele jogava, o defendia.

Até o primeiro-ministro do Reino Unido na época, Tony Blair, foi questionado sobre o episódio. "Se as coisas tivessem sido diferentes, ninguém nos deteria."

Beckham é um dos proprietários do Inter Miami
Foto: Divulgação
Beckham é um dos proprietários do Inter Miami

O ambiente esportivo de alto rendimento, de pressão por resultados e, em alguns esportes como o futebol, de violência é propício para casos de ansiedade e depressão, como avalia a psicóloga Stephanny Del Sato.

"Todo trabalho que envolva pressão por resultados sem busca por qualidade de vida, seja ela em saúde física e saúde mental, pode levar para um cenário de adoecimento psicológico. A pressão por resultados em condições sem qualidade de vida pode favorecer variáveis do estresse psicológico, e o estresse psicológico é uma variável de risco para depressão", afirma a especialista.

O caso gravíssimo de violência contra Beckham, registrado há mais de 20 anos, ocorreu numa época em que praticamente não se falava em depressão no esporte.

Ídolo do futebol inglês, ex-zagueiro e ex-companheiro de Beckham, Rio Ferdinand reforça a ideia em depoimento na série.

"Naquela época saúde mental não era importante. Hoje em dia a primeira coisa mencionada é: como está sua saúde mental? Falou com alguém?"

 

 

Violência e o jogador super-herói: o caso Willian, “expulso” do país pela própria torcida

A imagem do jogador de futebol como máquina do esporte, super-herói, é a deturpação da vida real e atinge diretamente a saúde mental de atletas de alto rendimento. A partir do momento em que se olha para os protagonistas do campo como personagens perfeitos, sem fragilidades, a avalanche de cobranças é, por vezes, desproporcional e injusta.

Willian, meia-atacante de 35 anos, tem uma carreira consolidada. Foi revelado na base de um dos clubes mais tradicionais do Brasil, o Corinthians. Não demorou para partir rumo ao futebol europeu, inicialmente em Ucrânia e Rússia, até chegar à Inglaterra para jogar no principal campeonato nacional do mundo, a Premier League.

O paulista disputou oito temporadas seguidas na Inglaterra, sendo sete pelo Chelsea e uma pelo Arsenal, dois gigantes do país, colecionou títulos na Europa, defendeu a seleção brasileira em duas Copas do Mundo e venceu uma Copa América.

Com toda essa bagagem, Willian voltou ao Brasil após 15 anos para vestir novamente a camisa do Corinthians, em 2021. A contratação foi celebrada como título por torcedores corintianos. O jogador esbanjava felicidade pelo retorno ao clube do coração, responsável por sua projeção no esporte.

Willian jogou pela seleção brasileira por anos
Foto: Lucas Figueiredo/CBF
Willian jogou pela seleção brasileira por anos

Mas o que parecia um conto de fadas virou pesadelo profundo. Willian teve desempenho abaixo da expectativa, sofreu com a adaptação e viu o time derrapar na temporada. Logo passou a ser perseguido por torcedores. Ameaças começaram a aparecer com frequência para ele a família, grupo este também bastante vulnerável a impactos à saúde mental.

"Eu estava no Brasil há um ano, e eu estava sofrendo muito. Minha família estava sofrendo muito também, porque pessoas começaram a nos atacar nas redes sociais, atacando minha família, minhas filhas", revelou Willian em entrevista à Fifa em 2022, quando tinha deixado o Corinthians por causa da violência para jogar no Fulham, da Inglaterra, onde permanece.

"Quando nós tínhamos um jogo ruim ou nós perdíamos jogos, logo em seguida, eles iam para minhas redes sociais, para as redes sociais da minha mulher, e começavam a dizer palavras feias para nós, nos atacando, atacando minha família, minhas filhas", detalhou ele.

As revelações de Willian faziam parte de uma campanha da Fifa para conscientizar sobre a importância da saúde mental e ajudar outros jogadores em casos semelhantes.

Meia-atacante Willian em treino do Corinthians no CT Joaquim Grava, em São Paulo
Foto: Rodrigo Coca/Agência Corinthians
Meia-atacante Willian em treino do Corinthians no CT Joaquim Grava, em São Paulo

"Eu acho que eles pensam que nós somos super-heróis, que nós estamos ali, e temos que mostrar que estamos fortes sempre, mas, às vezes, nós vamos para dentro de campo, mas também temos problemas pessoais, problemas que muita gente não sabe", afirmou o jogador.

Dados preocupantes da pesquisa da FifPro apontam para dois problemas existentes na bolha futebolística: o medo de expor situações de agressão sofridas e a normalização da violência no futebol. Conforme o estudo, 71% dos sindicatos de jogadores ouvidos relataram que os atletas hesitam em falar sobre o assunto pelo impacto que isso pode causar e possíveis abusos adicionais.

Além disso, 27% acreditam que muitos jogadores simplesmente aceitam que a violência é parte integrante do jogo.

"O futebol tem uma resistência, ao meu ver, maior (do que em outros esportes) por conta do machismo do esporte. Os atletas não se abrem facilmente, a doença mental remete à fragilidade, pensam que vão perder valorização frente ao mercado", explica o psiquiatra Hélio Fadel.

Zagueiro Brayan Ceballos e meia Willian disputam bola no jogo Corinthians x Fortaleza, na Neo Química Arena, pelo Campeonato Brasileiro Série A
Foto: Rodrigo Coca/Agência Corinthians
Zagueiro Brayan Ceballos e meia Willian disputam bola no jogo Corinthians x Fortaleza, na Neo Química Arena, pelo Campeonato Brasileiro Série A

Quando a violência atinge um jogador de futebol, como nos casos de Willian e Beckham, as consequências não ficam restritas apenas ao atleta, mas se estendem às famílias.

De acordo com Hélio Fadel, este é um quadro comum dos impactos da saúde mental atrelada à violência no esporte. "Não dá para dissociar a parte familiar. Se um está afetado, leva para o outro. Como o atleta vai entregar o que tem de melhor se está com problema em casa? Os filhos em risco, problemas com a esposa. Para cuidar do atleta é importante fazer intervenção a nível familiar, um acolhimento a nível familiar", ressalta.

O próprio Willian contou que o cenário de conflito e ameaças envolvendo os familiares atingiu negativamente o seu desempenho dentro de campo.

“Isso atrapalha, atrapalhou um pouco, sim, a minha saúde mental, mas principalmente a da minha família. Porque eu via o sofrimento da minha família, das minhas filhas. Às vezes até não querendo ir para a escola, porque tinha xingamentos nas redes sociais, falando que tinham que ir na porta da escola dos filhos para atacar os jogadores, ou até mesmo para atacar a família. Enfim, xingamentos direcionados à esposa. Muitas coisas que, realmente, mentalmente atrapalham muito, e me atrapalhava mais de ver a minha família sofrendo por causa desse tipo de situação."

 

 

Juninho Quixadá expõe luta contra a depressão no Ceará e destaca tabu da saúde mental no futebol

A passagem pelo Ceará entre 2018 e 2020 ficou marcada como um dos períodos mais difíceis da vida de Pedro Julião Azevedo Junior, o Juninho Quixadá. O atleta, hoje com 38 anos, vivenciou pela segunda vez um momento depressivo em meio à pressão e à falta de cuidado no futebol.

O habilidoso meio-campista não conseguiu driblar a devastadora ansiedade, só descansava cerca de 3 horas por dia e até 2023 tomava medicamentos para dormir. 

JUNINHO Quixada revela que teve sintomas de depressão ao jogar no exterior
Foto: Aurélio Alves
JUNINHO Quixada revela que teve sintomas de depressão ao jogar no exterior

Em entrevista exclusiva ao O POVO, Juninho revela pela primeira vez com detalhes o período depressivo que enfrentou no Ceará. Mais maduro, hoje, o jogador entende a importância de expor o assunto, considerado ainda um tabu no futebol, para ajudar outros atletas.

"Quanto mais falar sobre isso, vamos conseguir abranger mais pessoas. Pode ter certeza que tem mais jogadores nessa situação. As pessoas se sentem inseguras, com medo do preconceito. Quanto mais falar sobre isso, a gente vai encorajar pessoas a buscarem ajuda", afirma Juninho, que defendeu o Grêmio Pague Menos na campanha até o título da segunda divisão do Campeonato Cearense e, consequentemente, acesso para a elite do torneio estadual.

 

 

Depressão no Ceará

O meia-atacante desembarcou em Porangabuçu em 2018 após se destacar pelo Ferroviário. Na época, Juninho já era um atleta experiente, aos 32 anos, com bagagem europeia e com Champions League no currículo.

Entre 2011 e 2017, o cearense defendeu o Ludogorets, da Bulgária. E foi por lá que ele encarou pela primeira vez as dores da depressão. O jogador revelou a situação em uma entrevista exclusiva ao O POVO em 2019.

"Estava em outro lugar do mundo, não conhecia. Não tinha ninguém lá, estava só. Minha cabeça estava voltada 24 horas para o Brasil. Sempre fui muito família e não tive isso por perto. Tempo todo vinha o frio, a comida, e as dificuldades dentro de campo apareceram. Tudo isso contribuiu para eu ficasse para baixo", lembra.

"No Lugogorets, pela primeira vez me vi depressivo, de passar a noite acordado, de bater no hospital com ansiedade, de fugir da concentração, dormir em casa. Chegou uma época que quando jogava em casa, não conseguia dormir no hotel e escapava para dormir em casa um pouco", completa.

Juninho Quixada. durante jogo Ceará x Goias, em 2020
Foto: AURELIO ALVES
Juninho Quixada. durante jogo Ceará x Goias, em 2020

Em 2018, ele retornou ao Brasil para jogar no seu Estado, vestindo a camisa do Ferroviário. Voltou a ficar próximo da família e, em campo, se destacou. O atleta foi decisivo na campanha do Tubarão da Barra na Série D, que terminou com o acesso para a Terceirona.

As atuações chamaram a atenção do Ceará, que enfrentava problemas na tabela da Série A e resolveu apostar na contratação de Juninho. O meia-atacante, rapidamente, superou a desconfiança pelo salto da quarta divisão para a elite do futebol nacional, ganhou a titularidade e caiu nas graças da torcida.

Juninho terminou aquela temporada em alta, dentre os principais jogadores do elenco alvinegro, com contrato renovado por mais dois anos. Entretanto, ele se lesionou faltando sete rodadas para o fim da Série A.

Mal sabia Juninho que a partida contra o Atlético-MG, válida pela 31ª rodada do Brasileirão, quando marcou um dos gols da vitória por 2 a 1, seria um dos últimos momentos de alegria no Alvinegro de Porangabuçu.

Juninho Quixadá em treino na Barra do Ceará(Foto: Lenílson Santos/Ferroviário)
Foto: Lenílson Santos/Ferroviário Juninho Quixadá em treino na Barra do Ceará

"Depois da lesão, virou um peso muito grande, virou uma cobrança muito grande externa, não sabia o que estava passando. Todo esse peso, a cobrança, começam a julgar os seus trabalhos, suas atitudes. Toda essa pressão contribuiu diretamente para voltar a ter um período depressivo", revela Juninho.

O camisa 21 do Alvinegro na época levou oito meses até voltar a atuar devido a uma lesão no quadril. Internamente, o tratamento da contusão causou desgaste entre o jogador e o Departamento Médico (DM) do clube.

"A pior parte foi quando passou do prazo (estipulado) para eu voltar. Comecei a cobrar o pessoal do clube. Eu ainda estava nessa situação sem voltar. Na minha cabeça, eu só queria mostrar o óbvio. Tinha alguma coisa errada. O pessoal do clube não entendeu dessa forma, era como se fosse um confronto contra o DM. Foi o pior momento."

 

 

Embora tivesse um problema físico, a parte mental foi ainda mais afetada

"Foi muito pesado. Tinha que estar treinando, voltar a jogar, não dormia. Eu dormia por dia 3 a 4 horas. Quando veio essa pressão, acabou me atingindo emocionalmente. Tive que me afastar de muita coisa. Para você ver, o f*** é que diferente da outra vez, na Bulgária, eu estava perto aqui de todo mundo, mesmo assim não foi o suficiente para evitar isso", explica.

"Duas vezes eu precisei realmente de acompanhamento. Quando você está passando por isso, você não consegue se dar conta. Mesmo depressivo, eu tenho que fazer isso e isso", diz ele.

Afetado mentalmente e fisicamente, Juninho se sentiu isolado. "A gente vive num mundo que ninguém está preocupado com sua família, com teu bem-estar. Ninguém quer saber, só quer saber de resultado, e acabou. Se tu entregar, tu vai ser o cara. Se não entregar, vai ser odiado."

 

 

Caminho da fé

Em meio aos problemas físicos e mentais, Juninho não conseguiu mais recuperar seu espaço no Ceará. Em 2019 e 2020, o jogador só disputou dez partidas e deixou o clube, rodando por Vitória-BA, ABC-RN, Maracanã-CE, Fluminense-PI, Atlético-CE e Ferroviário-CE, antes de acertar com o Grêmio Pague Menos.

Para Juninho, a fé foi importante para se reestabelecer mentalmente. "O momento em que me reencontrei foi quando busquei Deus, Jesus, a igreja. Fui a psicólogo, fiz trabalhos, mas não deu muito resultado. Passei a tomar medicamentos, só dormia com medicamento. Na igreja, voltei a ter paz", comenta.

"De 2020 até hoje, só fui parar de tomar medicamento no ano passado. Analisando as coisas hoje, a gente consegue ver alguns pontos de erros, que faltou sabedoria em algumas coisas que aconteceram", completa.

 

 

Importância de falar sobre o assunto

Juninho espera que o futebol possa tratar com seriedade o assunto saúde mental. O jogador acredita que expor essas situações, falar abertamente sobre o assunto, é fundamental para mudar o cenário no esporte, onde depressão ainda é tabu.

"Eu confesso que tinha dificuldade para falar sobre isso. Hoje, me vejo mais tranquilo, como se tivesse sido superado. A minha paz sou eu estar bem. É o que importa. A opinião das pessoas já não importa mais, não mexe comigo. Eu me vejo melhor. Se eu superei? Não sei se superei totalmente, se eu ainda vou cair ou não. Mas no momento eu me sinto bem."

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