Um dos primeiros epicentros da Covid-19 no Ceará, a Assembleia Legislativa (AL-CE) foi pioneira na adoção de regimes diferenciados de trabalho em resposta à pandemia no Estado. A chegada do vírus ao Parlamento, infectando diversos deputados logo nas primeiras semanas, acabou tendo impacto em praticamente todo o funcionamento da Casa, com redução no número de sessões, menor presença de pessoal e regime restrito de trabalhos remotos.

Embora parecesse lógico e até previsível, o baque provocado pela doença, no entanto, pouco se refletiu nos gastos de deputados com a Verba de Desempenho Parlamentar (VDP), recurso que financia o funcionamento de gabinetes. Pelo contrário, quase todos os 46 deputados estaduais eleitos em 2018 pelo Estado mantiveram ou até aumentaram despesas no período. Exemplos contrários são raros.

A informação tem base em levantamento do O POVO no Portal da Transparência da AL-CE. Segundo os dados oficiais, os 46 parlamentares eleitos em 2018 gastaram, entre fevereiro e dezembro de 2019, R$ 14,1 milhões da VDP – uma média de R$ 1,28 milhão por mês. No mesmo período de 2020, mesmo com a pandemia, os gastos seguiram patamar semelhante, chegando a R$ 14,2 milhões – média de R$ 1,29 milhão.

O levantamento leva em conta apenas os 46 deputados estaduais eleitos em 2018 e diplomados naquele ano. Suplentes de deputados, que assumiram mandatos em apenas alguns meses, não foram levados em consideração. O período analisado é de fevereiro de 2019 – início da atual legislatura – e dezembro de 2020, mês que marca a metade do mandato dos parlamentares. O mês de recesso de janeiro de 2020 também foi desconsiderado.

Um caso emblemático na Casa é o do deputado Renato Roseno (Psol). Logo nas primeiras medidas de isolamento social, ainda em março do ano passado, a nova realidade de trabalhos remotos já se refletia no uso da VDP pelo deputado. Despesas com menos sentido em época de quarentena, como vale-combustível, aluguel de carros e passagens aéreas, foram a zero.

Ao fim do ano, gastos de Roseno com a verba haviam caído de R$ 256,4 mil em 2019 para R$ 112,8 mil no mesmo período em 2020 – uma redução de 56%. A redução praticamente não encontra paralelo entre os 46 deputados estaduais eleitos em 2018 pelo Estado, com exceção de alguns parlamentares vitoriosos na eleição de 2020 e que se ausentaram da Casa nos últimos meses do ano, como Bruno Gonçalves (PL) e Vitor Valim (Pros).

Observando os gastos totais da Casa e também os individuais de cada deputado, o que se observa é que, na maioria dos casos, os parlamentares reduziram despesas apenas nos primeiros meses da pandemia, mas “compensaram” a economia no período seguinte.

Em maio e junho de 2020, por exemplo, os deputados gastaram, juntos, cerca de R$ 800 mil da VDP, valor quase 70% menor que o investido no mesmo período de 2019, de R$ 2,45 milhões. Nos meses próximos ao fim do ano, no entanto, o gasto disparou. 

Entre setembro e dezembro de 2020, por exemplo, o gasto total com a verba foi de R$ 6,75 milhões, valor quase 20% maior que os R$ 5,53 milhões investidos durante o mesmo período em 2019. O crescimento é em parte explicado pela regra da AL-CE para o uso da VDP, que permite que valores não utilizados por um deputado em um mês possam ser transferidos para o mês seguinte.

Pela regra atual do Legislativo estadual, cada deputado estadual tem direito a R$ 31.559,90 mensais de VDP para o custeio dos gabinetes, seguindo 75% do mesmo valor aplicado na Câmara dos Deputados.

Baseado em modelo aplicado no Congresso, os deputados estaduais possuem uma série de tipos de gastos autorizados para a verba – como aluguel de veículos e aeronaves, divulgação do mandato, comunicação, hospedagens, passagens e outros.

Desde tensões da Casa com o Tribunal de Contas do Estado (TCE) na década passada, todas as empresas que recebem da VDP precisam ou passar por um processo licitatório específico – como nos casos de vale-combustível ou vale-refeição – ou possuírem cadastro em editais de credenciamento na AL-CE. Não são permitidos repasses diretos para pessoas físicas.

Procurada pela reportagem, a presidência da Assembleia Legislativa preferiu não se manifestar sobre o caso. A assessoria da Casa destacou que a VDP é individual de cada deputado, não cabendo à direção do Legislativo comentários sobre o uso de cada parlamentar.