Medo. No primeiro mês de 2019, esse sentimento era quase palpável nas ruas da Grande Fortaleza. O terror, antes restrito a ações cruéis e pontuais, transbordou dos limites habituais e se espalhou por toda a cidade. O Ceará viveu, então, a maior onda de violência de sua história recente.
Em uma ofensiva sem precedentes, facções criminosas se uniram para reagir contra medidas mais rígidas do sistema penitenciário. O resultado foi o caos: ônibus incendiados, pontes e viadutos sob ameaça de explosão, delegacias e prédios públicos alvejados.
Grupos que, embora não reconhecidos pelo Estado, passaram a ocupar os espaços deixados pelo poder público — e a ditar as regras. Assim, o Ceará se tornou palco de uma Guerra Sem Fim.
Insatisfeitos com os limites das ruas, essas organizações agora avançam sobre outros territórios, como serviços e políticas. No caso da ambição por poder, nasce uma aliança tão silenciosa quanto perigosa ao povo e à democracia. Facções e Política.
Para embarcar nos contornos perigosos dessa junção, estreia no dia 28 de julho de 2025, no O POVO+, Facções e Política — um spin-off (desdobramento) de Guerra Sem Fim, exclusivo para assinantes da plataforma. Uma investigação jornalística sobre as conexões perigosas entre o crime organizado e o poder político no Ceará.
Trailer de Guerra Sem Fim - Facções e Política
Nesta reportagem, O POVO+ relembra os caminhos que nos trouxeram até aqui, com as falas do diretor Demitri Túlio e do roteirista Arthur Gadelha sobre os desdobramentos da violência que marcaram as duas primeiras temporadas desta série exclusiva para assinantes.
“O Guerra Sem Fim foi uma necessidade da realidade que invadiu os cotidianos de Fortaleza e do Ceará”, inicia Demitri.
Jornalista do O POVO, com ampla experiência na cobertura de segurança, Demitri Túlio conta que as ondas de ataques ocorridas no governo Camilo Santana, a sequência de homicídios fora do padrão em Fortaleza, o fenômeno das expulsões covardes de cidadãos de suas casas e a negação do Estado definiram os rumos da série.
“De repente, esses grupos estavam decapitando inimigos, desafetos e gente que não tinha nada a ver com a violência extrema inaugurada por eles”, relembra.
Inaugurando um novo formato no O POVO+, Guerra Sem Fim surge como a primeira produção de fôlego a retratar visualmente os impactos das organizações criminosas sobre a população cearense.
Pessoas oriundas, principalmente, das periferias de Fortaleza, que passaram a sofrer duplamente: com o abandono do poder público e com a imposição violenta das facções sobre seus territórios.
Sem espaço para a espetacularização, a série se propõe a retratar uma realidade cruel com a ética do jornalismo responsável — sem vitimizar, sem constranger, e respeitando o direito de defesa de cada indivíduo.
“Nos valemos, principalmente, dos argumentos do jornalismo responsável, que não está interessado na desgraça alheia e sim no problema público que precisa de resposta do Estado e da sociedade organizada”, comenta Demitri.
Confira os episódios da primeira temporada de Guerra Sem Fim
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“Os grandes documentários d’O POVO+ são ancorados na investigação rigorosa com a qual o jornal já é comprometido ao longo de sua trajetória, com outras abordagens contemporâneas”, adiciona, Arthur Gadelha, roteirista da série.
Ele destaca que, no momento em que as produções começaram, o debate sobre a atuação de facções estava em alta, principalmente pelo efeito degenerativo que essas organizações começavam a causar.
Era inevitável não perceber o avanço, simbólico e concreto, do crime organizado. Daí surgiu a necessidade de, mais do que reportar seus crimes diariamente, investigar a origem, as dinâmicas e as causas que nos trouxeram até essa guerra.
Apesar dos investimentos institucionais em inteligência, aumento do efetivo policial, construção de batalhões, presídios e aquisição de armamento, as facções criminosas continuaram a se expandir. Hoje, áreas densamente povoadas de Fortaleza já estão sob o domínio quase total de grupos armados.
“O Comando Vermelho manda na maioria dos territórios. O que falta para acabar com as facções? Ou talvez essa nem seja mais a pergunta. Talvez seja: teremos de aprender a conviver com as facções? Não há outro jeito?”, provoca Demitri Túlio, diretor da série.
A percepção da escalada do terror urbano levou a equipe de Guerra Sem Fim a voltar o olhar para os horrores enfrentados por uma população vulnerável, que vive sob o domínio direto das facções. Assim nasceu a segunda temporada, focada em dar visibilidade à dor e ao medo de quem habita o campo de batalha.
Um exemplo emblemático desse impacto social, que marcou profundamente o diretor, surgiu durante as apurações no Conjunto Habitacional Babilônia — uma das obras prometidas como legado da Copa do Mundo de 2014. O que era para ser um símbolo de inclusão social, transformou-se em um quartel-general da facção GDE.
Relatos anônimos colhidos pela equipe denunciam o desaparecimento e a morte de pessoas “por nada”, em assentamentos precários, onde os inimigos da facção chegaram a ter os pulmões retirados.
Uma ilustração crua da brutalidade e da apropriação dos espaços sociais pelas facções — refletida no medo de falar e na ausência do direito ao grito de socorro.
Confira os episódios da segunda temporada de Guerra Sem Fim
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“As facções impuseram uma ‘lei’ do silêncio e da ameaça de morte nas comunidades e até no miolo de algumas zonas privilegiadas (...) Precisamos entrevistar profundamente faccionados. Eles se recusaram até agora. Precisamos contar essa história também”, conclui Demitri.
“Como o próprio título da obra diz, trata-se de uma guerra sem fim. A atuação do crime organizado vem ganhando contornos cada vez mais perigosos. Nossas editorias de Cidades e de Política têm produzido reportagens, ao longo dos anos, denunciando essa relação promíscua entre o crime e o poder”, comenta Chico Marinho, coordenador do núcleo audiovisual do O POVO.
A infiltração das facções nas entranhas da política cearense inaugura uma nova escala do conflito. Durante as eleições gerais e municipais, moradores de bairros da capital cearense e de municípios do Sertão Central viram seu direito à democracia ameaçado.
“As facções já são uma realidade que afeta diretamente a vida das pessoas — no lugar onde moram, no acesso aos serviços públicos. Também afeta as empresas. A política não seria exceção. É uma esfera perigosa, pela qual os criminosos se infiltram no Estado e ampliam os horizontes da sua atuação”, analisa Érico Firmo, editor de Política do O POVO.
Trailer do Guerra Sem Fim - Facções e Política