Dispositivos legais que asseguram a regulação de preços de livros durante um período específico após o seu lançamento são realidade em diversos países. Na França, onde a discussão sobre o tema remonta pelo menos até meados da década de 1970 (quando o papel hoje desempenhado pela Amazon era cumprido, em menor escala, pelos supermercados), foi promulgada em 1981 a Lei Lang, ainda mais radical que a proposta brasileira em discussão.
Segundo ela, o comércio varejista deve oferecer descontos máximos de 5% na venda ao consumidor final durante o período de dois anos após o lançamento do livro. Na Alemanha, a regulação existe desde 2002. Na Espanha, foi instituída em 2007. Em Portugal e na Itália, onde existe desde 1996 e 2005, respectivamente, os descontos máximos autorizados são um pouco maiores, podendo chegar até 20% no caso de vendas realizadas para bibliotecas.
Dados divulgados por pesquisadores do mercado editorial em 2021, na ocasião de seminário realizado pela Liga Brasileira de Editoras (Libre), apontam que, na Europa, legislações específicas de regulação acabaram protegendo as livrarias independentes. No Reino Unido, onde a lei foi abandonada em 1995, essas lojas praticamente desapareceram (hoje são cerca de 5%), sendo substituídas pelas grandes cadeias e, depois, pela Amazon.
Além disso, os dispositivos regulatórios teriam evitado, inclusive, a subida de preços dos livros nos países que os adotaram. O diretor da consultoria francesa KOS Research, Markus Gerlach, apontou, durante o evento, que enquanto na Alemanha e na França o aumento no preço médio do livro foi de 29% e 24%, respectivamente, no Reino Unido o acréscimo foi de 80%.
“A ideia não é criar um problema para a Amazon, mas proteger os pequenos livreiros e fortalecer as empresas que vivem única e exclusivamente da venda de livros. Essa é a questão”, argumenta o presidente da ANL, Alexandre Martins Fontes, que cita ainda o exemplo do México, onde sua Lei de Fomento para a Leitura e o Livro, promulgada em 2008, está sendo revisada para duplicar de 18 para 36 meses o período de aplicação do preço único dos lançamentos.
Na América do Sul, nossos vizinhos argentinos possuem, desde 2001, uma Lei de Defesa da Atividade Livreira, que vem sendo fundamental para a permanência no mercado das livrarias independentes. Estimativas do setor apontam que a Argentina registrou, desde a aprovação da lei, um acréscimo de mais de 100% na quantidade de livrarias e de cerca de 300% no número de selos e editoras independentes.
Esse panorama vem sendo colocado em xeque pelo presidente recém-eleito da Argentina, o conservador Javier Milei, que incluiu em seus planos radicais de reestruturação a revogação da Lei de Defesa da Atividade Livreira. Milei apresentou, ainda em 2023, um projeto que chamou de “Bases e pontos de partida para a liberdade dos argentinos”. O documento, que indica a existência de uma crise nacional “sem precedentes” no país, inclui em suas proposições a eliminação absoluta da regulação do preço dos livros.
“Buenos Aires é uma cidade que agora está cheia de livrarias de todos os tipos”, afirma o livreiro colombiano radicado na Argentina Irving Moncada, dono da Gould Libros. A loja foi inaugurada há oito anos em Villa Crespo, um pequeno bairro da capital portenha no qual existiam, no início da década passada, “duas ou três livrarias”, e que hoje tem “seguramente mais de dez”.
Moncada argumenta, a partir de sua experiência com o mercado editorial de outros países de língua espanhola no continente, que a relação dos argentinos com os livros, com a escrita e com a linguagem “funciona de uma forma muito particular”. Nesse cenário, que ele chama de “boom editorial”, merece destaque o surgimento de novas editoras independentes, muitas delas dedicadas a nichos e temas específicos, como as voltadas para cultura afro ou para a tradução de literatura coreana.
De acordo com dados levantados pelo World Cities Culture Forum, que compila informações sobre aspectos culturais das maiores capitais do planeta, há 615 livrarias em Buenos Aires. Em São Paulo são 1.241 lojas. A diferença pode parecer favorável para a cidade brasileira, mas quando os números são observados levando em conta as respectivas populações, o cenário se inverte.
Enquanto em Buenos Aires há 20,1 livrarias para cada 100 mil habitantes, em São Paulo, em relação à mesma fatia de população, são apenas 10 lojas. A capital argentina é a quinta capital com mais livrarias, em termos proporcionais, de no ranking geral, aparecendo à frente de metrópoles como Barcelona (19,8), Abu Dhabi (15), Toronto (12,4), Amsterdam (11,5) e Tóquio (11,41). No topo da lista aparece Lisboa, com 35,97 livrarias a cada 100 mil habitantes.
Fortaleza conta, de acordo com levantamento divulgado na edição 2023 do Anuário Nacional de Livrarias, com 57 lojas dedicadas aos livros. Se o número parece exagerado é porque o documento inclui nessa contabilidade, além de livrarias (gerais ou especializadas, como as religiosas e de livros didáticos), papelarias e distribuidoras que, entre outras atividades, também comercializam livros. São menos de 3 livrarias a cada 100 mil habitantes.
Embora o cenário das livrarias em Fortaleza e no Ceará não seja o mais exuberante, há indicadores importantes que não podem ser desconsiderados. De acordo com dados obtidos por O POVO+ junto à Biblioteca Pública Estadual do Ceará (Bece), houve crescimento considerável, entre os anos de 2022 e 2023, no público que acessou a estrutura gerida em parceria com o Instituto Dragão do Mar.
As 91.450 visitas de 2022 foram ampliadas, em 2023, para 114.240, um crescimento de quase 25%. Quando esse número é filtrado para permitir a observação do público infantil, o incremento é levemente mais pronunciado, de 26% entre os dois anos, passando de 11.594 visitantes para 14.682. Esse maior fluxo de visitantes também se traduz em crescimento no número de livros emprestados. Os 17.394 aluguéis de 2022 transformaram-se, em 2023, em 22.792, crescimento de 31%.
Quem também aposta nessa retomada do cenário da leitura e dos livros em Fortaleza é o empresário mineiro Marcus Teles, da Leitura, que atualmente é a maior rede de livrarias do Brasil. No fim do ano passado foi inaugurada na capital cearense a quarta loja da marca, uma megastore com dois pisos e área total de mais de mil metros quadrados no shopping Iguatemi.
“Nós estamos muito satisfeitos com o Ceará, tanto que já estamos pensando em abrir a quinta loja”, afirma Marcus, que não avalia o mercado local como o mais desafiador. “A questão da busca pela leitura tem a ver com a escolaridade e o nível de educação de um lugar, e o Ceará tem as melhores escolas do Brasil”, argumenta. Segundo M o empresário, das dez lojas mais lucrativas da Leitura (de um total de 110 unidades espalhadas por todas as regiões do Brasil), duas estão em Fortaleza.
“O cliente vai à livraria também à procura de uma experiência, uma descoberta. É a curadoria e os funcionários que vão saber indicar novas leituras. É a troca de ideia com outras pessoas. São os lançamentos com os autores. São os eventos. É isso o que faz com que as pessoas continuem frequentando”, avalia ele, que não descarta a possibilidade de abrir novas unidades da Leitura no interior do Estado.
Reportagens seriada mostra as principais mudanças no mercado de livro no Brasil e em países da América Latina e Europa