Os salários acima do teto constitucional geram bilhões em custos extras às administrações públicas no Brasil. Estudo conduzido pelo Centro de Liderança Pública (CLP), uma organização suprapartidária independente, aponta que o impacto dos super salários chega a R$ 3,75 bilhões por ano e pode subir a partir de projeto em tramitação no Congresso Nacional.
Vale destacar que o teto do funcionalismo público é hoje mais de 3.116% superior ao valor do salário mínimo, que atualmente é de R$ 1.412.
Tadeu Barros, diretor-presidente do CLP, destaca que esse montante bilionário extra pago para quem recebe acima do teto seria suficiente para bancar, por exemplo, todas as ações do Ministério do Meio Ambiente, incluindo a fiscalização ambiental nos biomas brasileiros.
Também seria possível incluir 500 mil pessoas no Bolsa Família. Além disso, a quantia equivale a quase um terço do que o Ministério dos Transportes gasta com investimentos em rodovias.
Ele critica o fato de que as gestões não estão atentas ao cumprimento do teto salarial. "Esse tipo de instrumento do qual se vale essa elite de servidores é indesejável sob os aspectos moral, fiscal e social."
"Parece óbvio que, se existe um teto constitucional para os salários dos servidores, ele deve ser cumprido, caso contrário não precisaria haver um teto", afirma.
O estudo mostra ainda que a maior parcela de supersalários está localizada nas gestões estaduais, esfera onde temos atualmente mais servidores na ativa.
O CLP aponta que 6,3 mil servidores da União, outros 12,3 mil servidores estaduais e mais 1,5 mil servidores municipais recebem efetivamente salários acima do teto. Uma "elite" que representa 0,3% dos servidores estatutários brasileiros.
Outro dado mostra que, em todas as esferas - União, estados e municípios - o Judiciário é o poder mais privilegiado, com mais de 107 mil servidores ultrapassando o limite do teto em algum momento. No Executivo, são outros 42,5 mil, enquanto no Legislativo a soma chega a pouco mais de 20 mil.
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Sobre a ideia de uma reforma administrativa, o diretor-presidente do CLP defende a discussão de uma proposta ampla de modernização do estado.
O cerne seriam dois pilares: o corte de privilégios e melhoria na gestão do gasto público. "A reforma administrativa precisa garantir bases constitucionais e diretrizes claras a todos os entes e ser construída para modernizar os serviços, deixar a máquina pública mais eficiente, cortar privilégios e penduricalhos e melhorar a gestão do dinheiro público”, afirma Tadeu Barros.
A partir da reforma, a CLP entende que deve haver a simplificação e padronização de carreiras, com estabelecimento de diretrizes claras de avaliação e desempenho, além de garantir estabilidade para as atividades essenciais ao estado e restringir benefícios considerados desnecessários.
Outro ponto crucial é que a reforma inclua de forma clara os membros do poder e magistrados na vedação de benefícios, como licença-prêmio, férias acima de 30 dias e adicionais por tempo de serviço, elenca a entidade.
Para Rodrigo Leite, doutor em Administração e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), há necessidade de combater privilégios, principalmente no Judiciário.
Por isso, seria necessário uma reforma ampla, que impacte não só os servidores do Executivo da União, mas também do Legislativo e Judiciário, além da previsão de que os estados e municípios também produzam suas reformas e sob quais vertentes.
Ex-consultor do Banco Mundial, Rodrigo pontua que diversas carreiras no serviço público são bastante parecida, o que gera prejuízo econômico e de produtividade. Os "penduricalhos" são outro ponto a ser combatido.
"Na minha opinião, a reforma administrativa só deveria permitir quatro tipos de adicionais: o de alimentação, o de saúde, para creche e o adicional de dedicação exclusiva para restrita gama de servidores que são impedidos de exercer outra função em razão de sua carga horária", elenca.
O movimento em torno de uma reforma administrativa existe e deve ganhar força em 2024. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, ainda em dezembro participou de evento promovido pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) e a Confederação Nacional das Instituições Financeiras (CNF) em que abordou o tema.
Na oportunidade, ele defendeu uma reforma administrativa que torne a administração pública mais eficiente no serviço ao cidadão. Em março passado, já foi mais enfático e defendeu o andamento da proposta de reforma caso tenha "a mínima chance de votar".
"Coragem não falta para o colégio de líderes e colocamos na pauta", afirmou.
Lira está se referindo à Proposta de Emenda à Constituição (PEC 32/2020), que está pronta para discussão no plenário após ser aprovada em comissão especial em 2021.
Para o presidente da Câmara, o texto é brando "aos olhos de quem paga imposto e dos mais liberais" e trata de pontos sensíveis, mas que não tira "um centímetro" de direito dos funcionários da ativa.
Uma das grandes questões para que esse processo ande é política. A PEC 32/2020 foi idealizada pelo governo Bolsonaro. E, quando assumiu, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou a defender que a proposta seja mais incisiva e passe a impactar os servidores que recebem supersalários.
A ideia do governo Lula é substituir a PEC 32/2020 por outra que conte com a colaboração de parlamentares governistas e da oposição. A intenção é usar a reforma para reduzir custos, mas atender os interesses de entidades sindicais de servidores, que rechaçam a proposta em tramitação avançada atualmente.
Dentre os pontos a serem propostos em uma reforma administrativa estariam o de introdução de avaliações periódicas de desempenho e testes de aptidão para efetivação de concursados, além do fim da estabilidade absoluta no serviço condicionada à performance do servidor no seu cargo.
Sobre a possibilidade da reforma tramitar, Rodrigo Leite, doutor em Administração e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), avalia que deve ser bastante difícil que o governo Lula se esforce para a tramitação da pauta neste momento.
Ele entende que a reforma estaria na outra extremidade da pauta do governo, num momento em que diversas greves estão ocorrendo no Banco Central, universidades e auditores fiscais, por exemplo.
Mesmo em meio ao cenário de pressão sobre as contas públicas e crescente processo de desigualdade salarial entre os servidores descrito pelo CLP, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado aprovou a proposta que concede quinquênio a juízes, procuradores e demais servidores do Judiciário da União, estados e Distrito Federal.
A medida deve gerar um custo extra às gestões de aproximadamente R$ 1,8 bilhões somente em 2024. Após passar pela CCJ, o próximo passo é a apreciação no plenário do Senado, o que deve ocorrer nesta semana.
A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 63/2013 institui uma parcela mensal de valorização por tempo de exercício, que será calculada na razão de 5% da remuneração do respectivo cargo a cada cinco anos até o máximo de 35% de adicional.
Também é estabelecido que, para o cálculo da parcela mensal, é assegurado aos que ingressarem no Judiciário ou MP a contagem de tempo de exercício anterior em carreiras jurídicas e também na advocacia.
Com a aprovação, cerca de 32 mil servidores seriam beneficiados, fazendo com que suas remunerações estourassem o teto do funcionalismo, aumentando a desigualdade fortalecendo a "elite" do serviço público.