Da água para o vinho. Um dos mercados mais impactados positivamente na pandemia foram o das bebidas vindas das uvas. A alta do consumo em Fortaleza foi da ordem de 72% desde o início da crise. A sócia da D'vinos Wine Store, Jardênia Siqueira, conta que esse é o melhor momento para o setor, uma vez que o crescimento acontece em todo o segmento, seja nas vendas, abertura de lojas especializadas, oferta de rótulos em supermercados e formação de novos especialistas.
Beber um bom vinho é algo fino, que exige paladar técnico e refinado, pensam muitos. Mas, pelo contrário, o boom do setor se baseia na preferência dos consumidores milleniuns, mais jovens e que preferem rótulos de boa qualidade a preços acessíveis.
Luiz Otávio Ferreira Gomes é empresário e tem 26 anos. Ele vem explorando esse novo "universo" e aprendendo aos poucos. Antes, seu cardápio de bebidas era quase restrito à cerveja e a destilados. "Eu gosto da degustação, de experimentar vários tipos de bebidas e ter uma opinião, mas confesso que não sou um especialista de vinhos. Conheço mais cerveja, cachaça e gim", relata.
Mas o consumo dele de vinho evoluiu e de "reservado somente para ocasiões especiais" foi para "mais frequente". "Com certeza é um mercado para se aprofundar e escolher melhor as opções de vinhos. E vinho é assim, é preciso ter um gosto mais apurado, saber degustar, saber beber e sentir a uva". Ele ainda diz que tem um estoque de bebidas em casa.
O relato casa com o novo perfil de clientes. Jardênia Siqueira, que também é sommelier e wine hunter, explica que os jovens recrutam muito vinhos de entrada. "Essa é aquela geração que preza pela saúde, que gosta de pagar por preços justos, que é formadora de opinião. O millennial está num target de R$ 40 até R$ 80 de compra", explica.
A participação de mercado dos vinhos brasileiros
A participação do vinho nacional no volume de vendas do Brasil vem em contínuo crescimento nos últimos meses. Dois fatores são fundamentais: a melhor qualidade dos rótulos brasileiros aliados à escalada do dólar.
O vice-presidente da Associação Brasileira de Enologia (ABE), André Gasperin, diz que a safra de 2020 foi muito positiva e denominada como a "safra das safras". Com a pandemia, o mercado nacional precisou se reinventar e investir mais na melhoria da imagem do vinho brasileiro.
E mesmo com o isolamento, a Avaliação Nacional de Vinhos, realizada anualmente pela ABE, foi promovida remotamente, com kits comercializados pela internet. Isso permitiu que os vinhos da produção da "safra das safras" chegassem aos participantes. "Mais um ano batemos o recorde de amostras inscritas para a avaliação nacional de vinhos, o que muito nos orgulha, em saber que a indústria do vinho brasileiro apoia essa ação", afirma.
Com apoio da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), a seleção dos 16 melhores vinhos foi realizada. "Sabemos que neste ano é complicado reunir essa quantidade de pessoas num mesmo local e resolvemos reinventar o evento dentro dessa nova ótica", afirma André, em live da ABE sobre como se comportou o mercado de vinhos e espumantes no Brasil durante a pandemia.
"O vinho brasileiro vem mostrando a sua qualidade ano a ano, mas não basta somente isso, precisa mostrar também todo o seu potencial de mercado", complementa.
Segundo dados da Associação Brasileira de Enologia (ABE), que juntou números da participação de mercado dos vinhos e espumantes, a proporção de participação nacional versus o importado era de 68% a 32%, respectivamente, em janeiro de 2019. Já em igual mês deste ano, chegou entre 71% a 29%.
Entre janeiro e março, a participação dos vinhos importados no mercado saltou de 29% para 39%, mas, com o isolamento, a queda foi vertiginosa. Em junho, a proporção de participação entre os produtos nacionais e importados foi de 82% a 18%, respectivamente.
Os rótulos seguem a lógica de ter as origens dos maiores produtores, como França, Portugal, Itália, Chile e Argentina. Porém, esse mercado vem se desenvolvendo e outros locais no mundo começam a despontar com opções no comércio internacional.
"O mercado cearense tem sido muito promissor para as importadoras e distribuidoras em função desse aumento contínuo de consumo. Nós temos um polo gastronômico muito forte que vem crescendo e com isso a cultura do consumo do vinho se consolida e traz mais consumidores", detalha Jardênia Siqueira sobre a pujança do setor.
Para o pós-graduado em Marketing de Vinhos pela ESPM e Gestão de Negócios pela FGV, com experiência de mais de 20 anos no setor de vinhos, Diego Bertolini, assim como o calendário e o setor de eventos, a dinâmica do segmento precisou ser reinventada.
"Temos de observar esse movimento de mercado, principalmente para vermos a questão de competitividade e posicionamento do vinho brasileiro. É bacana ver que o vinho brasileiro nunca esteve tão em evidência", observa. Mas, para continuar evoluindo, os negócios precisam estar atentos aos dados de mercado para que as tomadas de decisão sejam mais eficientes.
Brava Wine: aumento de 500% no faturamento
Se para muitos setores a pandemia destroçou os negócios. Para o mercado do vinho, o crescimento foi surpreendente. André Linheiro, sócio da Brava Wine, diz que, apesar de preocupação inicial de fechar a loja física, reduzir o pessoal e passar a atender por delivery, o faturamento se multiplicou. "Em setembro, registramos o terceiro mês seguido com crescimento de 500%" na comparação com igual período do ano passado, portanto, uma grande evolução ante 2019, sem o novo coronavírus.
"Começamos a registrar aumentos substanciais. Também temos um aplicativo para atendimento e que na pandemia tiramos da gaveta. A demanda foi tamanha que passamos a divulgar o Whatsapp dos vendedores, que passaram a vender da sua casa", comemora.
André ainda revela que não foi somente o volume de vendas que aumentou, mas também a qualidade dos produtos. Ele aponta que, o vinho, por ser uma bebida saudável e de menor teor alcoólico, não pesa na consciência beber moderadamente todos os dias.
Com a reabertura do comércio, a frequência das lojas aumentou. Mas engana-se quem pensa que a força do delivery diminuiu. O sócio da Brava Wine ainda diz que essa opção de maior comodidade ainda ajudou na democratização dos públicos. Se na loja física predominam os clientes de maior poder aquisitivo, André diz que no app os vinhos são direcionados para bairros como Mondubim e Conjunto Esperança, por exemplo.
A Brava Wine é uma loja especializada em vinhos já conhecida por seu Black Friday, realizado na primeira quinzena de novembro. André lembra que filas se formavam para comprar garrafas e compara: na pandemia foram feitas promoções nas vendas online e "foi mais rentável" para o negócio.
A lógica da organização das prateleiras
Há uma lógica em vendas da forma como são organizadas as prateleiras expositoras, que fazem a diferença no êxito de um negócio.
O diretor comercial dos Mercadinhos São Luiz, Luiz Fernando Ramalho, revela que a comercialização de vinhos cresceu 54% no acumulado deste ano, entre janeiro e setembro, na comparação com igual período do ano passado. Ele comenta que a organização é um dos fatores importantes para "fisgar" o cliente.
Isso parte primeiramente pela segmentação. Dividindo a organização entre vinhos brancos, tintos, rosés e licorosos. E dentro de cada segmento de tipos, há ainda a separação por nacionalidade.
Esse modelo de organização visa atender a um público antenado, sempre em busca de novidades. "Uma boa parcela do nosso público já tem muita informação sobre vinhos, então, ele já vai na loja sabendo o que quer. Entende muito de custo-benefício", comenta.
Além da organização, o atendimento é fator que faz a diferença. Ele afirma que existem clientes que não entendem sobre as opções e buscam auxílio, como os que já têm experiência e procuram os profissionais para trocar experiências.
Luiz Fernando acrescenta que esse crescimento no ano se deve a uma soma de fatores, desde a estrutura das lojas, oferta de vinhos, atendimento, como também a relação próxima com os fornecedores. "Há todo um suporte que os nossos parceiros dão, de trazer variedades e estar correspondendo às expectativas do nosso público antenado, e em busca de novidades. Ajudam na estrutura do ponto de venda e na logística".
Varejo quer "desmistificar" o vinho
A rede varejista Pão de Açúcar é uma das mais tradicionais quando se fala em grandes redes de supermercados com especialidade em vinhos. A marca vende mais de 1,2 milhão de garrafas, em média, por ano, em todo o Brasil, e oferece a possibilidade do fortalezense adquirir em uma de suas 13 lojas físicas na capital cearense, ou ainda pelo e-commerce da rede (paodeacucar.com.br), clube de assinaturas ou pelo e-commerce exclusivo de bebidas Pão de Açúcar Adega. Mas ainda há um dos principais desafios na categoria de vinhos, que é "desmistificar" a ideia de que comprar vinho é complicado.
A variedade para escolha dos clientes é de mais de mil rótulos cadastrados. "As adegas das lojas são preparadas para serem convidativas, agradáveis e facilitar a compra de vinhos (e também de outras bebidas). A disposição dos rótulos, por exemplo, torna mais fácil encontrar uma garrafa para presentear ou para curtir um jantar em família ou amigos".
Uma das apostas da rede é o investimento contínuo no atendimento. "Um dos grandes diferenciais do Pão de Açúcar são os atendentes especializados – uma iniciativa pioneira da rede. Em Fortaleza, as lojas do Náutico, Buena Vista, Cocó, São João, Fátima e Center Um contam com profissionais preparados para auxiliar e guiar os clientes em suas escolhas sobre que vinhos harmonizam melhor para datas, momentos ou pratos específicos, por exemplo", diz a empresa, em nota.
A rede também foi a primeira a ter um consultor próprio, o enófilo Carlos Cabral, uma das maiores autoridades do assunto no Brasil, para auxiliar na curadoria dos produtos e treinar os atendentes de lojas. O Pão de Açúcar conta ainda com uma marca exclusiva de vinhos, o Club des Sommeliers, hoje com mais de 90 rótulos, de diversas regiões do mundo, divididos em várias linhas, incluindo Reserva e Gran Reserva, além de espumantes e frisantes.
Para os que preferirem maior comodidade, o Pão de Açúcar oferece outras opções. Como o e-commerce, com acesso a promoções com dinâmicas exclusivas. A rede ainda promete que o cliente terá a comodidade de receber seus pedidos em até quatro horas após a compra ou em até uma hora pelo aplicativo James, que entrega com exclusividade compras feitas no Pão de Açúcar.
O segundo formato é o Pão de Açúcar Adega (paodeacucar.com/adega), lançado em 2018. Trata-se de uma plataforma no segmento de redes de supermercados especializada em vinhos, com entrega em todo o Brasil. A plataforma conta ainda com um aplicativo e uma loja na cidade de São Paulo.
Por fim, a marca disponibiliza um serviço de assinatura, o Pão de Açúcar Viva Vinhos, em que os clientes recebem, mensalmente, em casa, rótulos selecionados e aprovados pelo time de especialistas da marca (paodeacucar.com/viva-vinhos/). São quatro planos diferentes e em cada um deles o cliente escolhe se deseja receber duas, quatro ou seis garrafas.
Mulheres se destacam no público
Proprietário do Grand Cru Fortaleza, Crica Bezerra notou a alta da venda e do interesse em torno do vinho. Consumo em restaurante cresceu, delivery também, e grupo de interesse criado. Para atender a demanda dos amantes da bebida, montou um wine bar para reuniões e degustações. Além do crescimento no consumo de vinhos brancos e rosés, novos públicos têm aparecido, e as mulheres se destacam.
Agora, nas primeiras segundas-feiras de cada mês, o grupo Womans Grand Cru se reúne no salão para discussões, palestras e degustações. "O aumento do consumo de vinhos foi grande e as pessoas estão comprando os produtos com maior seguridade. O segmento está bem acima do que era ano passado e houve um aumento de grupos que se reúnem para fazer reuniões como confraria".
Nem tudo são boas notícias, porém. Crica comenta que no momento da retomada das atividades, a demanda foi tamanha que houve uma defasagem de estoque. "Como muitas vinícolas pararam a produção e importação, acabou atrapalhando a logística nos dois primeiros meses de retomada. E agora as vinícolas e importadoras trabalham para retomar o ritmo, que já está voltando ao normal. Mas houve falhas de estoques no princípio".
Impostos altos emperram queda no preço
Você já ouviu a expressão "beber imposto"? Pois basta comprar uma taça de vinho e beber para ver a analogia virar prática. Considerado um dos grandes pleitos dos produtores, a redução do peso dos tributos é vista como fundamental para auxiliar na popularização do consumo da bebida.
Marbênia Bastos, vice-presidente da Associação Brasileira de Sommelier no Ceará (ABS-CE), diz que a tributação dos vinhos é na faixa de 70% sobre o valor do produto, o que acaba onerando o consumidor e os produtores que ainda precisam reduzir a margem de lucro para competir com o Mercosul, que tem benefício. Isso permite que uma inconsistência ocorra: vinhos nacionais mais taxados que os importados.
"O ideal era que a carga tributária fosse menor. Em algumas regiões, o vinho brasileiro pode ser tributado em até 75% do valor. As alíquotas de impostos são diferentes nos estados. Alguns vinhos importados do Mercosul chegam a ter alíquota menor", afirma.
Segundo dados de 2019, a venda de vinhos no Brasil rendeu 0,16% do Produto Interno Bruto (PIB). Marbênia conta que essa sobretaxa pode desestimular as pessoas a provarem vinhos. "Só no Brasil temos um mercado muito grande para explorar e a oferta do varejo de oferecer opções abaixo de R$ 60 é grande. Temos a oportunidade de oferecer esse produto para todas as classes sociais. O ideal era que a carga tributária fosse menor".
Reportagens especiais mostram o aumento do consumo de vinho durante a pandemia do coronavírus e traz dicas para os novos adeptos da bebida.